4 DISCOS: MIÊTA, STASE, NOBAT, GOD PUSSY

MIÊTA – “DIVE”

Não há origem pros sentimentos e uma localização precisa de onde eles vêm: como nas faixas irmãs, as maiores do disco, “Prejuízo” e “Am I Back”, as sensações ficam à deriva, aguardando recolhimento possível. O foco é o trânsito diante de tantas possibilidades, as guitarras distorcidas alimentando a tal “busca pela inocência”. Tudo começa em “Messenger Bling”, música com pouquíssima letra, que trata do que se dissolve e do que não tem estrutura suficiente pra caracterizar uma unidade. O discurso sobre a ausência, sob a voz de Marcela Lopes, deixa de ser fala e torna-se uma repetição contínua em conjunto com os insistentes versos de guitarra.

A fim de apreender o que é fugidio, é necessário escoar pro campo do abstrato, evidente em “Ages”, que fala sobre algum tipo de obsessão e imersão nas figuras imediatamente dispostas (“I was merging into wallpapers”). A renúncia a um discurso unitário possibilita a integração (ou “mergulho”, como é a tradução do nome do álbum) com o caráter emergente. Por recusar unidades prefixadas que “Dive” tem sua forma de manifestação ancorada na integração entre os instrumentos. Porque a formação, a partir da impossibilidade do dizer pleno, caracteriza a música em sua potência. É a possibilidade que se esvai, como na faixa-título “Dive”: “your hands are everywhere but I can’t reach them”.

Sonoramente, a agressividade de “Dive” (as guitarras “diretas”) encontra evasão em linhas melódicas, que deixam o ritmo pausado. Não existe uma verdade que a banda busque e por isso eles veem tantas possibilidades em desdobramentos “psicodélicos”, em que a interação com o objeto de mais fácil alcance torna-se um diálogo rico com o mundo que se apresenta.

Quando julgamos que os “pontos mortos” do disco reduzem a velocidade anterior, pode-se ouvir faixas que se desdobram – estranhamente – entre uma quase paralisia e uma já aceleração. Consequentemente, essa unidade “entre estados” é a única possível. Fenômeno imaginário essa “unidade”, da qual me esforço pra tirar algo como significado. Pode-se dizer que o problema da banda passa, nos momentos da audição, a ser meu contratempo quando dividimos não apenas os sons, mas a mesma afinidade pela falta de palavras (ou como eu interpreto isso que, no fim, é a mesma coisa). Mas, ao contrário de uma reflexão egoísta de quem vos escreve, a partilha indissociável entre banda e ouvinte é o que move uma vontade.

Desta forma, a maneira de descrever essas tentativas torna-se também uma investida abstrata de interpelar o transe. Como a própria letra de “Soldier Boys” afirma: “não perca seu tempo, meu amigo”. Por isso, é acertado ouvir “Dive” como esse encontro entre estados ainda não materializados. É devido à ausência de uma categoria que a composição do disco pode ser descrita, realmente, como “musical”. O que permite faixas longas e arrastadas como “Prejuízo”, na qual as guitarras lentas estendem a percepção de quem ouve. Isso causa deslocamento. O foco do disco é o “mergulho” e mergulhar nem é algo objetivo e estritamente definido. A música e suas maneiras de discurso confrontam o ouvinte com algo que é uma imposição e tentam, também, ser objetos de apreciação.

NOTA: 7,0
Lançamento: 3 de outubro de 2017
Duração: 44 minutos e 40 segundos
Selo: PWR Records e Howlin’ Records
Produção:Sandro Marte e Miêta
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STASE – “THREE TOWERS”

É portanto montando um espaço ainda mais abstrato que será o relato sobre “Three Towers”, da banda Stase. Ao mesmo tempo em que aparecem as microfonias da guitarra, será dado ao ouvinte uma relação extremamente ativa na paisagem sonora criada.

Contudo, o ouvinte tem de se engajar com o disco pra que a relação seja multilateral. Deve-se abandonar predileções e predisposições pra tentar, em conjunto com a proposta sonora, desvendar algo novo por meio de velhas imagens. É o que toda forma de arte tenta, à sua maneira. Não podemos responder verdadeiramente a nada se nos deixarmos levar pelas tendências. Se não cedermos espaço ao que se instaura, tudo ficará intocado. O empirismo é muito pouco experimentado verdadeiramente, principalmente no consumo musical contemporâneo.

Por isso que o risco minimalista do Stase instaura uma simplicidade que deve afastar muita gente. Porque o diálogo deles se estabelece no campo do efêmero.

O que pretendo acentuar é que a própria maneira de se ouvir música está viciada. O risco de que falo é aquele em que movimentos que mais vêm em esboços do que unidades canônicas – os quais são os casos tanto de “Three Towers” quanto de “Dive” – sejam simplesmente deixados de lado pela incessante produção contemporânea. Digo isso porque “Three Towers” me lembrou de que existem outras formas de ouvir música.

NOTA: 6,5
Lançamento: 24 de novembro de 2017
Duração: 42 minutos e 02 segundos
Selo: Sinewave e Howlin’ Records
Produção: Stase
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NOBAT – “ESTAÇÃO CIDADE BAIXA”

Se quisermos levantar como a questão da cidade se insere na paisagem sonora e como isso transforma a música, “Estação Cidade Baixa”, de Nobat, é um canto na tentativa clara de transcendência.

Por um lado, há a afirmação do que ocorre no presente, enquanto outro tempo é anunciado. Mas, ao mesmo tempo, o que irradia é presenciar instantes marcantes, que provam que o tempo do porvir é apenas uma maluquice. Os esquemas estruturais dão-se, como em “Dive”, de Miêta, na repetição das letras e dos ritmos. Os corpos espalhados anunciam o tempo moderno forçando a perspectiva do “eu”, em que o mundo parece estar sempre abarrotado e a possibilidade de criação deve ser atestada pra além dos dizeres comuns.

O conjunto de mar, areia e pessoas, em sua preciosa união possível, é evidenciado como uma criação – a perspectiva (e sua respectiva materialização sonora) também é conceber. Ao menos que todas as coisas dispostas no planeta sejam extintas, sempre haverá possibilidade de criação. O que equivale a afirmação de que “Estação Cidade Baixa” é uma homenagem à interpretação da cidade enquanto criação sempre possível, apenas aguardando alguma materialização.

NOTA: 7,0
Lançamento: 13 de novembro de 2017
Duração: 38 minutos e 17 segundos
Selo: UN Music
Produção: Leonardo Marques
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GOD PUSSY – “DEGENERATE LANDSCAPE”

A experiência prova muito pouco e eu tenho essa certeza sempre que ouço os trabalhos do God Pussy. E mesmo uma gramática nova não daria conta de descrever as retaliações contínuas impostas pelo artista. Os elemento de uma frase, sua constituição de concordância e sentido não é o que almeja o God Pussy: olhe pras paisagens desoladas, olhe pra esses lugares sem vida que apodrecem e não vemos. Ora, não é nem possível fazer um esboço constitutivo.

Se novos textos fossem possíveis, em seu sentido mais amplo, seriam a gramática degenerativa que é a música do God Pussy. Porque a totalização do discurso é inútil que se imprimam rompimentos constantes, os quais desafiam a lógica tradicional de mais dum século de música comercial. Isso resulta do fato de ser um som-limítrofe. Todas as determinações anteriores cessam de existir. Como a paisagem que é transformada em pó, qualquer enfeite do ambiente sob o pretexto de “estética” ou “produção musical” seria mero disfarce.

A totalização, e sua aspiração, é deixada de lado pelo discurso mais direto possível. Mas pode-se determinar esse discurso? Os ruídos e barulhos são, ao menos, catalogáveis? Pode-se definir algo como a intenção: providenciar a retaliação de uma totalidade que só existe enquanto farsa, pra evidenciar o mundo debaixo do véu do consumo enfeitado no onipresente shopping center em que parte das pessoas acreditam viver.

“Como a resistência é possível num mundo invertido” parece-me uma frase que combina muito quando ouço os trabalhos do God Pussy. É claro que o músico não quer resolver nada, mas ampliar a percepção desse monstro escondido por todos métodos de esquecimentos contemporâneos. Pior, ou melhor, subtrai as formas de encobrimento pra evidenciar um rosto em carne viva, que não cessa de sangrar.

NOTA: 8,5
Lançamento: 7 de novembro de 2017
Duração: 35 minutos e 19 segundos
Selo: Independente
Produção: Jhones Silva
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