John Seabrook escreve pra The New Yorker desde 1989. Escreveu três livros antes desse “The Song Machine” (compre aqui), que foi lançado em outubro de 2015 nos Esteites (no Brasil, ainda nada). O mais importante deles era “Nobrow: The Culture Of Marketing, The Marketing Of Culture”, de 2000.
Era. Porque com “The Song Machine”, Seabrook esmiuçou a história de um personagem interessantíssimo: Karl Martin Sandberg, o sueco que atende pelo nome de Max Martin e que é autor de vários números 1 das paradas estadunidenses de música, de Britney Spears a Backstret Boys, passando por Taylor Swift, Avril Levigne, Katy Perry, Kelly Clarkson etc.
Martin nasceu em Estocolmo, a capital da Suécia, em 26 de fevereiro de 1971 e é, biologicamente, bem mais velho que “suas” estrelas, embora não seja exatamente um senhor de idade.
Seabrook conta no livro como Martin aproveitou o ambiente favorável da sociedade igualitária sueca – e da desigual nos Estados Unidos – pra prosperar no universo concorridíssimo da música pop. Um fã o Kiss e de glam-rock, que também gostava de Depeche Mode e Bangles, um trabalhador fervoroso, que sabe ler e escrever partituras, que toca vários instrumentos, que teve uma banda vergonhosa, e que, por fim, é um dos caras mais ricos do mainstream, sem que os fãs sequer saibam muito bem de quem se trata.
Pra The New Yorker, Seabrook escreveu um artigo marcando a chegada do livro ao mercado. Mais uma vez, o Floga-se foi lá e se apropriou do artigo, traduzindo-o sem autorização (aproveite pra ler, já que podem pedir pra tirarmos do ar – ou leia o original, que certamente é mais rico em estilo). No artigo, dá pra se ter uma ideia do personagem fascinante que Martin é.
A gente pode não gostar das músicas dele, nem de “suas” estrelas. Mas não se pode negar o fato de que ele e seus métodos mudaram a forma como a música pop é feita e formatada, sendo isso bom ou ruim, você é que julga. Pelo o que Seabrook clama, são métodos que ainda vão perdurar por um bom tempo. Martin fez, além de música, escola. A Suécia continuará no topo por um longo, vibrante e dançante inverno.
QUE TIPO DE GÊNIO É MAX MARTIN?
Texto: John Seabrook
Publicado originalmente na revista The New Yorker, em 30 de setembro de 2015 (leia aqui o original)
Tradução: Floga-se
Entre os aspectos mais estranhos da história recente da música pop está no fato de que muitos dos maiores sucessos dos últimos vinte anos – do Backstreet Boys, ‘NSync e Britney Spears a Katy Perry, Taylor Swift e a Weeknd – foram co-escritos por um sueco de quarenta e quatro anos de idade. Seu verdadeiro nome é Karl Martin Sandberg, mas você deve conhecê-lo como Max Martin. Ele é mágico das melodias, o mestre responsável por vinte e um “números 1” da Billboard, cinco a menos do que John Lennon, e onze atrás de Paul McCartney, numa lista dos maiores de todos os tempos. Mas, enquanto Lennon e McCartney são universalmente reconhecidos como gênios, poucos fora do negócio da música já ouviram falar de Max Martin.
Presumivelmente, é porque Martin escreve todas as suas músicas pra outras pessoas cantarem. A fama que Lennon e McCartney alcançaram com seu trabalho nunca vai ser igual pra Martin, mas sem dúvida está tudo bem pra ele. Ele é o Cyrano de Bergerac do cenário pop de hoje, o poeta escondido debaixo da varanda da canção popular, sussurrando as músicas que se tornaram discos fazedores de carreiras, como “…Baby One More Time”, pra Britney Spears; “Since U Been Gone”, pra Kelly Clarkson; e “I Kissed A Girl”, pra Katy Perry. As músicas que ele co-escreveu ou co-produziu pra Taylor Swift, que incluem seus últimos oito sucessos (três de “Red”, e cinco de “1989”), fizeram ela se transformar de uma popular cantora-e-compositora em uma estrela pop mundial, de encher estádios (a turnê de “1989” recentemente passou a marca de cento e cinquenta milhões de dólares).
Martin prosperou nessa de ser ghostwriter, onde o truque é permanecer anônimo o máximo possível, porque o público gosta de acreditar que os artistas pop escrevem suas próprias canções. Que o sueco consiga excepcionalmente colocar na mesa sua capacidade de Jantelagen, torna-o especialmente adequado à sua vocação (N.E.: Jantelagen refere-se à “Lei de Jante”, criada pelo dinamarquês Aksel Sandemose, em seu romance “En Flygtning krydser”, de 1933. No livro, Sandemose criou uma cidade no interior da Dinamarca, Jante, onde ele mostra que é impossível permanecer-se anônimo numa área com poucos habitantes. Há dez regras pra se seguir quando se quer continuar anônimo, veja aqui, resumidas numa frase: “não pense que você é especial ou que você é melhor do que nós”. Os dinamarqueses levam essas regras como um modo de vida).
Ainda assim, mesmo pra um nórdico, é um poderoso ato de abnegação renunciar ao prazer (e, sim, à fama e adulação) de gravar suas próprias canções, e dar todas as suas belas músicas pra outras pessoas cantarem e conquistarem a fama. Essa escolha é especialmente difícil quando você mesmo possui uma bela voz, como a de Martin. Como um dos seus primeiros colaboradores, o artista sueco E-Type, diz em “The Cheiron Saga”, um documentário de 2008, de uma rádio sueca, sobre Martin e seus ex-colegas do Cheiron Studios, em Estocolmo: “com suas próprias demos, Max Martin cantando, poderia ter vendido dez milhões ou mais, mas ele não era um artista; ele não queria ser um artista”. Veja um trecho do documentário aqui.
E, no entanto, Martin é conhecido por insistir que os artistas com quem trabalha cantem suas canções exatamente do jeito que ele canta nas demos. Em certo sentido, Britney Spears, Katy Perry, e Taylor Swift estão todas fazendo coveres das gravações de Max Martin. Elas também estão entre as poucas pessoas no mundo que realmente ouviram os originais. Incontáveis artistas amadores cantam no YouTube essas canções de Max Martin, mas não há um único vídeo ou gravação de áudio à disposição do público de Martin executando seu próprio material – enquanto pesquisava pro meu livro “The Machine Song”, ouvi uma demo de Max Martin, de “… Baby One More Time”, quando uma fonte que tinha a original em seu telefone tocou pra mim. O sueco soava exatamente como Spears. As demos de Martin são os originais perdidos da nossa era musical – o espaço em branco no centro das duas últimas décadas da música pop.
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Sandberg nasceu em Stenhamra, um subúrbio de Estocolmo, em 1971. Seu pai era policial. Mais tarde, ele recordou o punhado de gravações que seus pais tinham em sua coleção: “Captain Fantastic”, de Elton John; as melhores do Queen e do Creedence Clearwater Revival; “aquele dos Beatles, onde eles olham pra baixo de uma varanda”, “As Quatro Estações”, de Vivaldi; e “Eine Kleine Nachtmusik”, de Mozart. Coloque tudo isso junto e você tem Max Martin.
O irmão mais velho de Sandberg era um fã de glam-rock, e “ele trouxe pra casa velhos cassetes do Kiss”, lembrou, em uma entrevista de 2001 pra revista Time, que foi a primeira e última vez que ele participou de um perfil em língua inglesa. Ouvir essas fitas fez o jovem Karl Martin Sandberg querer ser uma estrela do rock. “Eu era hard rock naquela época, e não escutava nada, além do Kiss”, disse ao documentarista sueco Fredrik Eliasson, em “The Cheiron Saga”. “Quero dizer, nada além de Kiss. Era como se pertencêssemos a um culto: se você ouvisse mais alguma coisa, então, em princípio, você estava sendo um infiel”.
Sandberg aprendeu música através de excelentes programas de educação musical patrocinados pelo Estado da Suécia, recebendo aulas particulares gratuitas de trompa – trinta por cento dos alunos suecos participam de programas públicos extra-curriculares pra aprender música. “Primeiro, comecei com o gravador em nossa escola de música da comunidade”, lembrou. “Depois, toquei trompa e participei da orquestra da escola. Eu me lembro que comecei a tocar metais não tanto porque tinha uma vocação, mas porque pensei que era bacana”. Depois, ele se mudou pra bateria, e então pro teclado. Ele credita ao sistema de educação musical da Suécia o seu sucesso, diz a Eliasson: “eu não estaria neste lugar hoje se não fosse pela escola pública de música”.
Em meados dos anos oitenta, Sandberg se tornou o líder e principal compositor de uma banda de glam-metal chamado It’s Alive, adotando o nome artístico Martin White. No vídeo pra uma canção do grupo, “Pretend I’m God”, Sandberg/White interpreta Jesus e decreta uma pseudo-crucificação, fazendo a seu melhor imitação Ozzy Osbourne. Enquanto a música pode ser considerado uma obra juvenil, ela ao menos explica porque o metal oitentista parece se esconder sob a superfície de muitos dos sucessos pop de hoje.
Mas Sandberg tinha um terrível segredo, que ele não podia compartilhar com o resto da banda. Amava música pop. Em casa, escutava “Just Can’t Get Enough”, do Depeche Mode, e “Eternal Flame”, das Bangles, que mais tarde ele disse à Time era a favorita de todos os tempos. “Não podia admitir pros meus amigos que eu gostava”, disse ele.
Em 1994, ele conheceu seu mentor, um DJ sueco chamdo Denniz PoP e co-fundador da Cheiron Studios – seu nome verdadeiro era Dag Krister Volle; amigos o chamavam de Dagge. Denniz percebeu que os talentos de Sandberg estavam em compor, não em ser artista, e mostrou-lhe como usar o estúdio. Denniz havia produzido os grandes sucessos do Ace of Base, “All That She Wants” e “The Sign”; um dos primeiros créditos de produção de Sandberg foi em “Beautiful Life”, sucesso final do grupo. Nesse momento, seu mentor já havia lhe dado outro nome, Max Martin, um nome disco esquecível e monótono, que é quase tão ruim quanto Denniz PoP.
Ao contrário Denniz, que não escrevia nem tocava nada, Martin sabia teoria e notação musical. “Martin foi muito bem educado; ele podia ler as notas, escrever partituras e fazer arranjos musicais”, o parceiro E-Type diz, em “The Cheiron Saga”. “Dagge dizia: ‘precisamos de uma nova influência; então, Martin, faça algo bacana, enquanto E-Type e eu vamos comer um sushi’. Voltamos e ouvimos algo tão lindo que ambos quase caímos pra trás”.
Martin trabalhou com a teoria; Denniz, com a emoção. “Dagge foi impulsionado por seus instintos”, E-Type diz no documentário. “Se havia algo que funcionava, bem, então, isso era o que ele fazia, sempre. Martin foi o músico, e ele ficou em torno dos princípios funk, e com essas habilidades foi capaz de dar um passo além”.
O próximo passo foi dado por uma boy band que era desconhecida na época, os Backstreet Boys. As músicas que Martin escreveu para eles, incluindo “We’ve Got It Goin’ On” (ouça aqui), “Show Me The Meaning Of Being Lonely” (ouça aqui), e a atemporal “I Want It That Way” (ouça aqui), fizeram o grupo ficar mundialmente famoso. Eles também criaram um modelo pro “som Max Martin”, que combina acordes pop e texturas do ABBA, estrutura e dinâmicas das canções de Denniz PoP, grandes coros do rock de arena dos anos oitenta, e grooves do R&B estadunidense do começo dos anos noventa. No topo de tudo isso, o dom de Sandberg pra melodia, que deve tanto à fábula musical dark norueguesa de Edvard Grieg, “In The Hall Of The Mountain King” (também conhecida como a música-tema do desenho “Inspetor Bugiganga”), como a qualquer influência contemporânea. Como muitas das músicas do ABBA, estas canções do Backstreet Boys usam grandes e pequenas cordas em combinações surpreendentes (indo pra um acorde menor no refrão, digamos, quando você menos espera), produzindo canções felizes que soam tristes e canções tristes que fazem você feliz – canções que servem uma grande variedade de estados de espírito.
Talvez a maior vantagem que Sandberg e seus colegas suecos tiveram foi a relativa liberdade de encarar, fora das bases raciais, as distinções de longa data entre o R&B estadunidense e o pop. Rhythm & blues, um termo cunhado pelo co-fundador da Atlantic Records, Jerry Wexler, quando ele era escritor da Billboard, nos anos cinquenta, substituiu a categoria francamente racista de “race records”, mas a distinção baseada em raça subjacente manteve-se: R&B era a música por e pras pessoas negras, considerando que os artistas brancos eram “pop”, mesmo que a música deles devesse enormemente ao R&B. Um compositor estadunidense branco que compusesse canções R&B não era provável que fosse muito longe na cena pop-music dos EUA, mas um escritor sueco, livre do legado racista da dicotomia R&B-pop, poderia criar música que combinasse com ambos, e isso foi exatamente o que Martin fez. O híbrido resultante, pode-se argumentar, tornou-se o som dominante no Top Quarenta das rádios de hoje. A readequação recente da marca pop da SiriusXM (empresa estadunidense de radiodifusão via satélite), o seu canal Venus, que agora toca “rhythmic pop” (R&P?), é apenas uma medida dessa transformação liderada pelo sueco.
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Os Backstreet Boys estavam na Jive Records, gravadora fundada pelo recluso sul-africano Clive Calder, que é, e no futuro próximo vai ser, o homem mais rico que a indústria fonográfica já produziu – ele conseguiu da Jive e da Zomba, sua editora, algo perto de três bilhões de dólares, em 2002. Assim, quando, em 1997, a Jive assinou com uma jovem chamada Britney Spears e estava à procura de canções pop dançáveis, ele naturalmente pensou em Max Martin.
Como se viu, Martin fez uma canção pra Spears. Ele a tinha composto com Rami Yacoub, um beatmaker sueco-marroquino que era parte da equipe do Cheiron. A canção, inicialmente chamada de “Hit Me Baby (One More Time),” tinha sido escrito pro TLC, o trio feminino de R&B. Quando Martin enviou ao TLC uma demo, que contou com o sueco fazendo ele mesmo os vocais, o trio rejeitou. Anos mais tarde, T-Boz, a líder do grupo, lembrou da decisão em uma entrevista pra MTV: “eu estava tipo, eu gosto da música, mas será que é um sucesso? Será que é TLC? Eu ia dizer, ‘Hit me, baby, one more time’? De jeito nenhum!”.
“Max, naquele momento de sua carreira, achava que estava escrevendo um R&B”, disse-me Steve Lunt, o diretor de elenco da Jive, homem que foi designado pro projeto Spears. “Bom, na realidade, ele estava escrevendo uma música pop sueca. Foi ABBA com um groove, basicamente”. Há um baixo funkeado na canção que soa urbano, e na demo Martin faz aquele lance cowboy, “owww”, que ficou famoso com Cameo e amado por Denniz PoP. “Mas todos esses acordes são tão europeus, como isso poderia ser uma canção R&B estadunidense?”, continuou Lunt. “Nenhum artista negro iria cantá-la”. Ele acrescentou: “Mas isso era o gênio de Max Martin. Sem estar plenamente consciente disso, ele forjou um som brilhante todo seu, e dentro de algumas semanas, cada produtor estadunidense estava desesperadamente lutando para imitá-lo”.
Quando TLC rejeitou a canção, Martin ofereceu a Robyn, o artista sueco, mas não rolou também. Após a reunião Spears em Nova York, ele voltou a Estocolmo, trabalhou na música um pouco mais, pra moldá-la pra Spears, fez uma cópia, e enviou por correio pra Jive – embora sua carreira como intérprete estivesse acabada, Martin ainda parecia Martin White, o líder glam-metal, e sua aparência inicialmente espantou Spears, que disse: “pensei que ele era do Mötley Crüe ou algo assim”. Todo o ganchos na canção foram trabalhados até seu estado final, mas a maioria dos versos estavam inacabados, muitas vezes simples sons de vogais. Não havia bridge ainda, porque, como Lunt apontou, “Max dizia: ‘se você não gostar da música no momento, foda-se’ – em seu jeito sueco educado, é claro”. Quando a demo chegou à Jive, todos pensaram, “puta merda, isso é perfeito”, de acordo com Lunt.
“Hit Me Baby (One More Time)” é uma canção sobre obsessão, e leva dois segundos pra te pegar, não uma, mas duas vezes, primeiro com o triplo balanço “Da nah nah” e, em seguida, com aquele rosnado sedutor que Spears emite, no primeiro verso (seguindo o rastro vocal de Martin): “Oh, baby, bay-bee”. Então a batida funky de Cheiron entra, com tambores que soam como granadas de percussão. Em seguida, vem linhas de guitarra wah-wah de Tomas Lindberg, que sinalizam pra um disco hater que ele pode relaxar: é uma canção de rock, apesar de tudo.
E, ainda, o gancho vocal, irresistível como era, soou estranho. Você não estava certo de que era ok cantá-la em voz alta. Era difícil imaginar que qualquer pessoa pra quem o inglês é a primeira língua iria escrever a frase “Hit me, baby”, sem pretender ser uma alusão à violência doméstica ou ao sadomasô. Isso era algo impensado pras mentes gentis suecas, que só estavam tentando usar linguagem instantânea, de fácil compreensão e assimilação. A Jive, preocupada que os estadunidenses pudessem entender mal, mudou o título pra “…Baby One More Time”.
A canção foi a primeira de Martin a chegar ao número 1 da Billboard. “Eu realmente não acho que sacamos o que tínhamos feito”, diz ele em “The Cheiron Saga”. “Na verdade, eu me lembro daquele momento específico; de sentar no estúdio quando me ligaram pra me dizerem que minha música tinha chegado ao número 1 nos EUA e foi incrível, mas eu também me lembro que tinha tanta coisa pra fazer naquele momento, então, eu realmente não saquei o significado disso”.
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Embora Martin possa ser sui generis, ele não é de forma alguma o único discípulo de Denniz PoP a chegar ao topo das paradas. Outros, incluindo Andreas Carlsson, Jörgen Elofsson e Per Magnusson, também têm longo histórico de acessos; eles têm sido especialmente bem sucedidos com boy bands britânicas. De acordo com Marie Ledin, o diretor-gerente do Polar Music Prize, o Nobel musical da Suécia, compositores e produtores suecos foram parcialmente responsáveis por um quarto de toda a Billboard Top Ten Hits em 2014, um feito surpreendente pra um país de menos de dez milhões de pessoas. Claramente, há mais trabalho aqui do que genialidade individual. Além de sistema de educação musical do país, quais qualidades e características fazem os suecos tão bons em produzir canções pop?
De um modo geral, há um elemento melódico fluindo em canções folclóricas suecas e hinos (o hino nacional, “Du Gamla, Du Fria”, soa um pouco como uma canção pop) que se enraizou na sensibilidade de muitos por lá. Mais especificamente, o relativo conhecimento em informática da população, combinado com excelente infra-estrutura de banda larga do país, permitiu aos suecos se sobressaírem em fazer música em computadores, e colaborando com outros compositores pela Internet, que tornou-se o método padrão de escrever música pop hoje. Some a isso a xenofilia sueca – seu amor por outras culturas, em especial as anglo-americanas. Na Suécia, a TV estadunidense não é traduzida pra língua local, como é na França e na Itália, por exemplo, e a música que você ouve no rádio é mais provável que seja cantada em inglês do que em sueco. Mais de noventa por cento dos suecos falam inglês.
Mas, ao mesmo tempo que saber inglês é claramente uma vantagem pra compositores e produtores que buscam sucesso nos EUA e no Reino Unido, a falta de maneio com os pontos mais delicados da língua é igualmente importante. Escritores suecos não são craques em metáfora, ou duplo sentido e afins, quando escrevem em inglês. Eles estão mais inclinados em fazer caber as sílabas com os sons – um método de trabalho que Martin chama de “matemática melódica” – e não se preocupam muito sobre se as linhas resultantes fazem sentido – os versos em “I Want It That Way”, por exemplo, contradizem completamente o significado das linhas de refrão. Fãs de Cole Porter podem ver esse desenvolvimento em mais ou menos no mesmo espírito que os fãs de “Downton Abbey” podem ver “Keeping Up With The Kardashians” – com horror – mas pode-se argumentar que esta mesma liberdade de ter que fazer sentido poeticamente permitiu aos suecos subir a tais alturas melódicas.
Finalmente, enquanto a Suécia tem uma forte cultura de composição, carece de uma igualmente forte cultura de artistas, de ídolos. Klas Åhlund, um compositor e produtor sueco de sucesso em seus quarenta anos, que também é um artista (no grupo de rock Teddybears), me disse: “os suecos são muito musicais, e eles gostam de escrever canções. Mas é um país grande, e tem muito poucas pessoas nele. Então você tinha esses fazendeiros que eram bons em escrever canções, mas não havia ninguém pra cantá-las. Compor era apenas uma coisa que você faz quando está olhando vacas, uma espécie de meditação. Você não se concentrou tanto em sua capacidade como performer como você fez com a estrutura das canções. O que não é realmente o caso em os EUA, onde o seu charme e sua voz e os seus poderes como performer surgem imediatamente”.
Uma nação de compositores dotados de dons melódicos, meticulosos sobre o ofício, mas relutantes em performar suas próprias canções, é uma mina de ouro potencial pra uma nação de estrelas wannabe pop que não escreve seu próprio material, e que é frequentemente o caso dos EUA. Unindo os dois países, musicalmente falando, Martin e seus colegas mudaram o jeito de fazer música pop.
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O legado de Martin deve ser medido não só pelo número de sucessos que ele e seus colegas suecos criaram, mas também pelos métodos de composição que incutiram em todo o mundo – muitas canções K-pop são o resultado de colaborações entre equipes de composição coreanas e suecas. Um importante papel da visão de Denniz PoP pra Quíron era que compor devia ser um esforço colaborativo; ninguém deveria ser proprietário do trabalho, e Martin passou estes princípios pra duas gerações de compositores. Compositores assumem diferentes papéis no trabalho de fazer a música; coros podem ser tirados de uma canção e experimentados em outra; uma bridge pode ser trocada, ou um gancho. Canções são escritas mais como programas de televisão, por equipes de escritores que voluntariamente compartilham o crédito. Num documentário de TV sueco chamado “The Nineties”, E-Type descreve as condições de trabalho no estúdio de Denniz PoP. “Eu tenho essa sensação de ser como o estúdio de um grande pintor na Itália, lá dos séculos XV, XVI. Um assistente faz as mãos, outro faz os pés, e um outro faz outra coisa, e, então, Michelangelo entra e diz: ‘isso é realmente grande; basta dar liga. Agora tá bom; vamos colocar num quadro dourado, e sair com ele. Próximo!'”. A descrição pode aplicar-se igualmente bem ao estúdio caseiro de Martin, em Los Angeles (Frank Sinatra viveu uma vez lá, e ele sublocou a casa da piscina pra Marilyn Monroe), onde ele é agora o chefão.
Lennon e McCartney escreveram quase todos seus sucessos em parceria, e enquanto eles tiveram ajuda de outras pessoas em suas carreiras solo, o nível de colaboração não era nada como a antiga parceria. Martin, por outro lado, tem buscado constantemente novos colaboradores, quando o calor de uma parceria anterior começa a esfriar, e essa é a razão pela qual o seu toque mágico tem durado mais tempo até do que o de Sir Paul. Estes protegidos – Dr. Luke é o mais conhecido, mas não significa ser o único – muitas vezes passam a ser os principais hitmakers, e adquirem e treinam seus próprios protegidos, que se tornam hitmakers, também, espalhando os métodos suecos mais e mais pro mainstream. Martin é o Obi Wan deles.
E ainda, por todo o seu sucesso e influência, há algo que falta na obra de Martin, quando comparado com a dos Beatles. Não é a qualidade das canções – a história irá julgar se elas têm o que é preciso pra durar. É a ausência de um quadro político e cultural mais amplo no qual colocar as músicas. A história dos Beatles, de “I Wanna Hold Your Hand” a “Let It Be”, é uma história dos anos sessenta – política, guerra, protesto, drogas, amor livre, e como os compositores responderam a essas forças. Os sucessos são incorporados dentro de álbuns que oferecem ricas e complexas declarações musicais, e dicas sobre o desenvolvimento e as mudanças pessoais dos artistas. Que história a seqüência de números 1 de Martin irá contar, de “… Baby One More Time” a “Can’t Feel My Face”, seu mais recente? Que mudanças irão causar? As canções são todas sobre a mesma coisa, mais ou menos, o que já não é a mesma coisa.