Richard Harold Kirk nasceu em 21 de março de 1956, em Sheffield, Inglaterra, 270 quilômetros ao norte de Londres. Morreu neste dia 21 de setembro de 2021. Nos seus 65 anos de vida, viu a decadência industrial e econômica de sua cidade natal, e usou a música como forma de expressão. Sua banda? O Cabaret Voltaire.
It is with great sadness that we confirm our great & dear friend, Richard H. Kirk has passed away.
Richard was a towering creative genius who led a singular & driven path throughout his life & musical career.
We will miss him so much.
We ask that his family are given space. pic.twitter.com/Ok8u3dNx3T— Mute (@MuteUK) September 21, 2021
O grupo pega emprestado sem pudores o nome do clube noturno em Zurique, Suíça, fundado por Hugo Ball e Emmy Hennings em 5 de fevereiro de 1916. Foi ali que nasceu o dadaísmo.
“O dadaísmo é a vida sem pantufas e sem paralelas, é pró e contra a unidade e decididamente contra o futuro”, resumiu um dos seus fundadores, o escritor franco-romeno Tristan Tzara (1896-1963). “A arte não é séria”, ele dizia.
Mas o dadaísmo foi, sim, um troço seríssimo. “Eles eram contra a sociedade pequeno-burguesa decadente, contra autoridades na política e na Igreja e, de maneira não pouco significativa, contra o aparato da arte estabelecida”, explicou ao DW Brasil Raimund Meyer, responsável pela exposição Dada Global, de 1994, em Zurique.
“Dada é espatifar aquilo que até então era válido, quer dizer, não mais utilizar a tinta a óleo para pintar, nem empregar a língua do modo como era usada na literatura. A arte deveria ficar ao acaso da natureza”, seguiu a matéria da DW. “Por acaso, combinavam-se palavras achadas, letras, sílabas. Como por acidente, produziam-se colagens de cores, materiais, palavras, movimentos e sons. Como que acidentalmente, nasceu o nome Dada, ao folhear um dicionário”.
Kirk uniu essa prerrogativa um tanto punk com a decadência à sua volta durante a infância e adolescência pra criar sua própria forma de expressão. Em 1974, empunhando uma guitarra e ao lado de Stephen Mallinder (baixo) e Chris Watson (efeitos), fundou o Cabaret Voltaire, grupo que lançaria quatorze discos de estúdios e um sem número de coleções e bootlegs.
“A ideia inicial era trabalhar com o som, apenas juntando sons como pedaços de um quebra-cabeça”, disse Kirk, em matéria da revista Bizz, de outubro de 1987, quando seu “Code”, daquele ano, foi comemorado por ter um lançamento nacional. “Se o resultado soasse como música, era pura coincidência”.
De acordo com a banda, a única intenção era “enfrentar o tédio”, em uma cidade arrebentada pela crise e pela decadência. Os três ficavam brincando de fazer sons em instrumentos que mal sabiam tocar, só pra ver no que ia dar.
O grupo foi um dos mais importantes do time industrial, com influências nítidas do Can, do Suicide e do Kraftwerk, além, claro, de Brian Eno.
O primeiro disco foi “Mix-Up”, de 1979, que não tinha o primeiro single a criar um certo barulho entre a crítica especializada, a viciante “Nag Nag Nag”.
Mas foi só a partir do terceiro disco, “Red Mecca”, de 1981, que Kirk e sua turma ganharam definitivo reconhecimento crítico. Uma crueza impressionante, com poucos elementos e colagem precisa.
O “sucesso” (entre aspas, porque o Cabaret Voltaire jamais foi um sucesso de vendas ou de público) só viria com “Code”, de 1987, que chegou a ser lançado no Brasil oficialmente, que tinha “Don’t Argue” e “Here To Go”, faixas que todo mundo com mais de quarenta anos já certamente ouviu. “Code” mostrava um Cabaret Voltaire mais dançante e acessível.
Quatro anos depois, iniciando a nova década, Kirk já estava em Chicago, no meio da bagunça da house music pra gravar com Marshall Jefferson, pioneiro do estilo, “Groovy, Laidback & Nasty” (1990); e, de volta a Sheffield, “Body And Soul” (1991), seus discos seguintes.
Do primeiro, sai, por exemplo “Searchin'”. E do segundo, “No Resistence”:
No meio dos anos 1990, o grupo foi pro brejo. Mas Kirk seguiu com vários projetos próprios: Sweet Exorcist, Sandoz e Electronic Eye, entre eles.
A banda voltou na segunda década do novo século e chegou a lançar três álbuns: “Shadow Of Fear”, em 2020 (leia mais aqui), e dois neste 2021, os altamente experimentais e barulhentos “Dekadrone” e “BN9Drone”, ambos com uma faixa apenas, como você ouve abaixo:
Como encerra a matéria da Bizz de 1987, “tudo isso não passa de uma introdução superficial ao Cabaret Voltaire. Quem se dispuser a mergulhar mais fundo pode não chegar a encontrar nunca o fundo do poço, mas as recompensas estão espalhadas pelos sulcos desta vasta discografia”.