A MORTE DE STEVE JOBS: ELE MUDOU O EIXO DA TERRA

Ele não tocava profissionalmente nenhum instrumento e mesmo assim mudou pra sempre a história da música. Por causa de seus investimentos e ideais, músicos, artistas, produtores, consumidores, fãs etc. tiveram que mudar seus modos de ver e tocar a indústria da música. Nada muito radical, ninguém passou a ser mais ou menos rico por causa disso – tirando ele. Mas foi bom todo mundo nessa área rever conceitos. Nada mais seria como antes.

É uma idiotice pensar em Steve Jobs apenas como um “gênio” (entre aspas porque é um conceito bastante massacrado). Ele era um ser humano com defeitos como todos. Antes disso, porém, era empresário (é, e normalmente, o empresário vem antes do ser humano). Empresário que, falido, teve que se virar pra interpretar seu sonho como sucesso. Conseguiu, mas, dizem, à custa de algumas cabeças, orgulhos e até preceitos éticos. Paradoxalmente, é errôneo pensar que um empresário qualquer faria diferente. A sociedade aceita assim e até exige que seja assim, transformando a ambição numa valorosa virtude. O segredo do sucesso é não ter escrúpulos na hora de equilibrar na balança a ética e os lucros.

Levando a cabo seus preceitos e ideias, Jobs fez aparelhinhos pra gerações – aparelhinhos que nas mãos deles são mais do que produtos. Um deles boliu pra sempre com a indústria, que hoje luta pra se rearranjar: ele inventou o modo democrático de consumir música. Compra-se hoje uma canção e não um disco, não um conceito. Discos não deixarão de existir, mas se tornaram obsoletos e objetos de colecionador (embora com viés de alta nas vendas, embalados por algum saudosismo ou moda que tente a equilibrar as coisas). Os artistas sabem que é preciso ser assertivo: com uma música é possível fazer fortunas. Em 1950 também era, mas agora a comparação é desleal.

Steve Jobs fez isso, ao dar em centavos ao consumidor o valor de uma criação musical. Assim, se tornou possível comprar exatamente o que se queria. Uma, duas, três músicas, ao invés do álbum inteiro. Veja, a noção de “single” já existia, sempre existiu, mas não assim. A Apple propôs algo diferente e acertou em cheio. Era o produto certo na era certa.

Se você é do tempo da agulha, jamais poderia imaginar algo assim. Até mesmo um guri da idade do CD jamais poderia imaginar algo assim. A música se concretizava como algo etéreo, sublime, não mensurável apenas na quantia que Jobs e sua empresa quantificaram. Uma música é só uma música, seu valor ficou intangível.

Ele não inventou o MP3 (isso é atribuído a Karlheinz Brandenburg, embora não com precisão), mas fez do formato e sua “evolução”, a linguagem que mudaria o mundo da música, justamente porque era dele que prescindia seu aparelhinho revolucionário, principalmente no desenho, o iPod.

O iPod era só mais uma sabe-se-lá-que-tentativa da Apple comercializar algo relevante. Deu certo. Não poderia dar errado. “Pod” é uma abreviação de “Portable On Demand”, algo como “portátil como se quer”. Era o convite pra se carregar “música da forma que se quer”, democraticamente. Era tudo o que um consumidor de música queria: comprar só o que lhe conveniaria. O nome que se dá a isso é “liberdade”, algo que no capitalismo e no significado de “livre arbítrio” consumista é essencial.

Porém, o que Steve Jobs fez – ou sua equipe fez – de mais impressionante não estava só na área da tecnologia. Estava no design. O que as pessoas viam como revolucionário não era nem a tecnologia, era a tal da click wheel, aquela roda que simplificava tudo e permitia que o usuário realizasse todas as funções do aparelho, sem segredos, sem complicações. E, enfim, ouvisse música num apetrecho leve, prático, pequeno, discreto e, veja só, bonito, cool, enigmático, invejável. Steve Jobs criou um conceito.

Se você ouve música num tocador de MP3, qualquer tocador, deve isso a Jobs. Se baixa músicas diretamente no seu celular, foi maus, mas também deve isso a Jobs. Se você vive hoje num mundo em que um toque na tela diminui seu tempo operacional, deve isso a Jobs.

Comercial do iPod + iTunes com “Are You Gonna Be My Girl”, do Jet

É impossível escapar das ideias de Jobs. Das ilusões que Jobs criou. Hoje, ele está em todo lugar, em um bocado de mãos, ouvidos e mentes. Mais do que isso, ele está naquela parte do seu cérebro onde mora o desejo. O desejo de querer ter o mais moderno e eficiente aparelho que a empresa dele, a Apple, concebeu, mesmo que nada tenha mudado entre um modelo e outro. “If you don’t have an iPhone, well, you don’t have an iPhone” (“se você não tem um iPhone, bem, você não tem um iPhone”), dizia uma das propagandas recentes, o que quer dizer basicamente que se você não tem um iPhone, você não tem nada – se você não tem um “iAlgumacoisa”, você não tem nada.

“Pense diferente”, então, clamava o slogan. Sim, pense diferente: essa é uma ideia que rivaliza, ou joga junto, com o “faça você mesmo” do punk. O que está aí, hoje, pode e deve ser mudado. Se Steve Jobs assinava embaixo tal propaganda, é porque ele já estava pensando em mudar o que sua própria empresa havia concebido como “inovador”. Então, faça igual: pense. Pense diferente.

Isso é tão contestador quanto um soco no estômago do governo vigente. Pensar é imperceptível até que se coloque em prática e, por isso, é impossível de ser tachado como subversivo, por mais que realmente seja.

Experimente pensar diferente. Não conheci Jobs pra saber se ele levava a sério tal preceito. Poderia ser na vida pessoal um pulha dos mais intragáveis, um patrão dos mais indesejáveis, mas ele juntou várias peças do seu cotidiano, mais sua empáfia de acreditar em si próprio, contra os obstáculos da realidade, e fez algo diferente. Assim, mudou o eixo da Terra. No final, todo mundo queria o que ele dizia pra gente querer.

É algo que seus filhos e netos tomarão como cotidiano, mas que você terá que explicar como foi. Antes, até 1990, mais ou menos, música era só na base da agulha. Disco se comprava de vinil. Depois, veio o CD, algo mais apresentável às novas gerações. Mas ainda não era estritamente “portável”. Com os aparelhinhos de Jobs, sim. Não só a música, claro: ele “inventou” o tablet e propôs uma nova forma de leitura, mesmo chegando depois da concorrência; com a Pixar, reinventou o que Disney havia feito há quase cem anos no cinema; com os Macs, criou alternativa equivalente em fama pra computadores pessoais.

Steve Jobs criou uma marca, criou um estilo. É difícil um empresário ter tantos fãs assim. Normalmente, ídolos nascem dos meios esportivos e artísticos. Jobs se diferenciou até nisso. Virou ícone como a maçã mordida que eternizou em seus produtos. Morreu aos 56 anos, na noite dessa quarta-feira, 5 de outubro de 2011. Os iPods fizeram, então, um minuto de silêncio. Seu legado vai continuar.

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