A PLACE TO BURY STRANGERS NO BECO RS – COMO FOI

E assim, com esta resenha sobre o show de Porto Alegre, cobrimos por completo a passagem do A Place To Bury Strangers pelo Brasil.

Há quem possa argumentar ser um exagero três resenhas sobre uma banda, digamos, desconhecida. Não é. O APTBS é uma das mais eloquentes expressões da força de uma guitarra na música atual. A turnê pelo Brasil é uma raridade: dificilmente os produtores abrem espaço pra um grupo com pouco apelo pop ou “indie”. Merece, pois.

Melhor ainda se há a possibilidade de trazer aos leitores do Floga-se a visão do show feita pela vocalista da banda de abertura (no caso, a Lautmusik, já uma das preferidas por aqui).

Além do mais, parece haver uma quase unanimidade com relação ao impacto dessas apresentações. Pra todos que estiveram no Beco de SP ou de RS, foram os shows do ano.

A BANDA BARULHENTA MAIS MELÓDICA DO MUNDO
Texto e vídeo: Alessandra Lehmen
Fotos: Daniel Andres (veja as originais aqui)

O A Place To Bury Strangers é, de longe, minha banda shoegazer contemporânea favorita, e possivelmente minha banda contemporânea – de qualquer gênero – favorita. Digo isso já na primeira frase pra que o leitor possa entender que se trata de uma resenha escrita por uma fã. Esse filtro não deve me impedir, entretanto, de relatar com justiça o que vi, ouvi e senti na noite da última quinta-feira, dia 12 de julho de 2012, no Beco 203 em Porto Alegre.

O APTBS veio ao Brasil saudado por muitos como uma banda “nova”. Não é verdade. Formada em 2001, tem na bagagem três álbuns (o mais recente é o recém-lançado “Worship”), uma penca de EPs e, no caso do vocalista/guitarrista Oliver Ackermann, uma passagem anterior pelo também excelente, e quase igualmente ensurdecedor, Skywave.

Moradores do Brooklyn – mais especificamente da casa-estúdio-casa de shows-manufatura de pedais Death by Audio, que pude visitar em 2009, durante uma série de shows de bandas locais e que me pareceu algo tão peculiar quanto bem-sucedido – foram apropriadamente apelidados de “a banda mais barulhenta do mundo”.

Mas não é só de barulho, felizmente, que é feito o APTBS, e é precisamente essa a razão da minha intensa admiração pela banda: o noise, longe de ser, aqui, uma batalha de “quem-tem-mais-pedais” e um fim a ser perseguido, serve a um propósito mais nobre, que é o de adicionar peso e uma carga, ouso dizer, dramática a músicas extremamente melódicas. Melodia – e não barulho – é o que torna o APTBS uma banda tão especial. Essas melodias são fortemente calcadas, pro meu ouvido e o de outros que se dedicaram a escrever sobre eles, no melhor do pós-punk dos anos 80: algo como um encontro entre The Jesus & Mary Chain e New Order, o que fica especialmente evidente em “In Your Heart”, segunda de um set de dez músicas executadas na quinta-feira.

Os vocais entoam belas e pungentes letras em frases bem articuladas, em contraste com as excessivas (e, como tal, um tanto irritantes) vocalizações usadas pela maioria dos expoentes do shoegaze. Aqui e ali é possível ouvir influências dos Sisters Of Mercy, o que, longe de ser disparatado, só aumenta a intensidade do resultado final.

O epíteto de banda mais barulhenta foi um tanto prejudicado pela substancial diferença do som entre a passagem e o show. Na passagem de som (que assisti porque minha banda, a portoalegrense Lautmusik, teve a enorme honra de abrir a noite, junto com os conterrâneos Cartolas), os volumes eram ensurdecedores – a banda, providencialmente, vende protetores auriculares em seus shows, que dispensei porque, precavida, tinha levado o meu próprio. No show, prevaleceu a justificável preocupação dos técnicos em garantir o conforto acústico dos presentes. O som esteve bastante bom mas consideravelmente mais baixo, a ponto de ser possível até, vejam só, trocar algumas palavras (gritadas) com o vizinho de pista.

De qualquer modo, foi melhor do que o do primeiro show deles que vi, em 2009, no Bowery Ballroom, em Nova Iorque, promovendo o então recém-lançado – e meu favorito – “Exploding Head”. Naquele, as guitarras (incompreensivelmente baixas) e todo o resto foram sobrepujados por uma caixa eletrônica altíssima; neste, tudo era audível na medida certa. Disse isso, depois do show, ao simpaticíssimo Ackermann, que pareceu genuinamente satisfeito.

A postura de palco da banda em nada lembra, felizmente, o shoegaze tradicional: em vez de fitar os próprios pés, Oliver Ackermann e os membros mais recentes, Dion Lunadon (baixo) e Robi Gonzalez (bateria), assumiram devidamente seu papel diante do público, conectando-se com ele e demonstrando fisicamente a emoção e o punch de suas composições. A experiência foi amplificada por luzes e projeções, usados com a iluminação de palco da casa completamente apagada.

O Beco 203 vem sendo responsável, ao longo dos últimos anos, por incluir Porto Alegre em uma rota de shows que, a depender de outras produtoras, jamais veríamos por aqui. A iniciativa de trazer o APTBS à cidade foi arrojada, já que a (injusta) obscuridade da banda por estas bandas e o cognome “the noisiest band in the world” não são lá grandes chamarizes, exceto pros mais musicalmente curiosos e abertos. Mas ainda assim a noite teve bom público, e esse foi um público atento: se numericamente inferior ao que a banda mereceria, era composto de pessoas que de fato estavam ali para vê-la. Não se viu indiferença, e assim se fez um grande show de rock – pra mim, o melhor do ano.

Leia aqui a resenha do show de São Paulo – e uma outra visão sobre o mesmo show de São Paulo.

Setlist:
01. So Far Away
02. In Your Heart
03. Ego Death
04. Revenge
05. You Are The One
06. Keep Slipping Away
07. Deadbeat
08. Onwards To The Wall
09. I Lived My Life To Stand In The Shadow Of Your Heart
10. Ocean

Veja “Onward To The Wall”:

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