Quando você é adolescente é aquela merda, e não importa a classe social: você tem necessidades de adulto – basicamente, fazer sexo com todo mundo que você queira fazer sexo e transtornar seu cérebro com alguma substância que nunca é legal juridicamente falando – mas não tem a maleabilidade de um adulto – basicamente, grana, porque ainda não tem idade pra ter uma profissão e os trabalhos que você consegue sequer pagam uma cesta básica, que também já não dá pra muita coisa.
Talvez seja por isso que adolescente é muito louco, pelo menos os adolescentes normais. O adolescente vive numa briga homérica com os seres da vida adulta, que exigem dele responsabilidade de adultos, mas o tratam como crianças incapacitadas de um julgamento positivo.
Acho que é por isso que o rock e o punk se popularizaram. E o grunge. E qualquer tipo de música que seja minimamente agressiva. Adolescente de verdade não fica com frescura de ouvir baladinha porque ele consegue sexo de outra forma, quando consegue. E isso se dá quando os adolescentes ficam chapados.
Olha, os adultos já foram adolescentes um dia, claro, e sabem disso. Dificilmente o adolescente vai conseguir sexo levando o cara ou a garota ao cinema e tomando um sorvete depois. Dificilmente, vai gozar fora da masturbação se ficar com papos existencialistas de cara limpa.
Eu, quando adolescente, nunca me dei muito bem com as drogas tradicionais. Maconha é coisa de criança. Cocaína é coisa de perdedor. Crack, nem pensar. Sobram as bolinhas, os barbitúricos, os ácidos. E o álcool, claro, mesmo que a mistura dos dois quase nunca resulte em algo louvável.
E sempre fui um cara solitário. Esse troço de “ir pra balada” em gangue me deprimia. Nem mesmo com um amigo ou amiga. Sozinho é que você tem que enfrentar seus sucessos – mesmo que raros – e seus fracassos. Além do mais, eu sempre gostei de ir a endereços menos atraentes. Com dezessete anos, comecei a frequentar um bar que parecia de beira de estrada, embora ficasse no estômago de São Paulo. Ali, ninguém perguntava sua idade, bastava sentar numa mesa, pedir uma bebida qualquer e esperar ela começar a matar seus neurônios.
Nunca soube o nome dos garçons (eram só dois), nem do cara que ficava atrás do balcão, que eu supunha ser o dono, mas um dos três era o responsável pela trilha sonora daquele lugar. Eu já conhecia das rádios o The Cure, The Smiths, The Clash, essas coisas, mas de alguma forma inexplicável nesse universo, nas miúdas caixas de som daquele lugar, tais bandas andavam em alta rotação. Era, o que os anos de convívio naquele palacete faziam supor, uma ou duas fitas cassete, no máximo, rolando sem parar. Terminava o lado A, vira o lado B. Termina o lado B, trocava de fita, e assim ia a noite inteira. Nos anos que vivi ali, jamais ouvi outro tipo de música e as pessoas simplesmente não se importavam com o que estava tocando. E nunca pediram pra mudar, pelo menos não que eu tenha visto.
Pra mim, aquilo era o retrato da suprema felicidade. Os frequentadores daquele lugar não eram vencedores na vida. Estavam longe sequer de cogitar empatar na vida. Alguma coisa naquele ambiente, durante aquelas horas da noite, faziam com que eles se sentissem livres pra serem exatamente o que a chibata do labor diário não deixavam que eles fossem. E não há nada que traga mais felicidade a alguém do que experimentar a liberdade, mesmo que fugaz.
O bar não existe mais. Quando fui pro Rio de Janeiro morar algum tempo (foi só onde eu consegui arrumar emprego, graças a um amigo de um amigo que gostava do que eu escrevia), achei outros lugares semelhantes, mas nunca como aquele endereço sem nome. Quando voltei a São Paulo, corri pra lá e o bar já não existia mais. Hoje, é uma loja de móveis.
Isso me dá uma profunda tristeza. Uma pessoa precisa ter um bar pra chamar de seu. Aquele era o meu.
Um amigo que tem rede social me contou que hoje em dia existe um troço chamado “rock triste”. Fiquei abismado com tamanho idiotice. Como um negócio que é feito pra chutar canelas, enfrentar os pais, cuspir na cara da polícia, derrubar governos e conquistas galáxias pode virar uma coisa triste? No meu bar, o The Cure e o The Smiths – que são bandas basicamente melancólicas, trilha pra certos suicídios e enforcamentos, a trajetória cantada dos perdedores – ofereciam músicas pra momentos alegres e pra pessoas que simplesmente se transformavam na personificação da felicidade, escarrando involuntariamente felicidade na cara de uma sociedade que resolveu vender felicidade até em propaganda de sabonete (eu já escrevi propaganda de sabonete vendendo felicidade, então, acredite em mim).
Não dá pra se conformar com adolescentes que fazem rock triste. Na verdade, qualquer música triste. A música adolescente tampouco tem a obrigação de ser alegre, veja bem. A felicidade, como eu disse, hoje é coisa pra publicitário. Adolescência é uma fase triste pra caralho, eu sei disso. Mas se felicidade virou argumento pra publicitário vender produtos, por que tristeza virou rótulo pra vender música?
As pessoas estão mais preocupadas em perseguir sua redenção da maneira que quiserem – e isso não é fácil, normalmente é um beco sem saída, e pra tristezas eu aconselho o blues, algumas pérolas do jazz ou até mesmo o tango, mas jamais, em hipótese alguma, eu recomendaria qualquer rock pra uma pessoa triste. Quanto mais uma excrescência como essa de “rock triste”.
Pra não parecer um idiota completo, eu fui ouvir o que chamam de “rock triste”, mas já imaginando o que me esperava do outro lado. Sei que o editor deste site até curte umas coisas (pobre alma) e publica em suas páginas as músicas dessa turma, mas essa gente não precisa de espaço, talvez precise de compreensão, de carinho ou mesmo de uma palmadas. Ou arrumar um emprego. Ou arrumar um bar pra chamar de seu, pra perceber a sua vida de uma outra maneira.
No disco novo do Jesus & Mary Chain tem uma música chamada “Always Sad”. Ela é a imitação de uma outra música que eles fizeram vinte anos atrás, sem tirar nem por, “Sometimes Always” – o que é deprimente, afinal como pode uma banda carecer tanto de criatividade a ponto de ter que se autoplagiar? – mas mesmo assim tem uma letra que vale o destaque, que é simplória como qualquer letra do Jesus & Mary Chain: “acho que sempre estou triste / acho que estou sempre triste / porque você é o melhor que eu posso ter”.
É aí que aprendemos a mecânica dos novos tempos: há quem use a tristeza como ferramenta de criação e há quem use a tristeza como uma trampolim de aproximação e rótulo de identificação. A depressão é uma doença e esse pessoal trata como se fosse algo nobre.
Vou roubar um conselho já dado: “jovens, por favor, cresçam!” – mas não todos, só alguns.