Nunca me dei com psicólogos, mas é óbvio que a culpa é minha, diriam eles. Fiz sessões suficientes pra manter meu emprego, porque havia prometido pro meu chefe – a agência achava que eu tomava meus mickeys por problemas pessoais e não necessariamente pra aguentar o tranco de trabalhar nessa área.
Um dos profissionais do divã, ao menos, deixou sua marca, mesmo que na forma de um conselho infantiloide: “quando a cabeça estiver te traindo, não pense num elefante amarelo”. Trago o conselho até os dias de hoje. Se esforçar pra não pensar num elefante amarelo, todo mundo sabe bem, é justamente pensar num elefante amarelo antes de tudo. E isso ajuda porque você não pensa em mais nada, nem mesmo nos problemas. Leva tempo tirar o tal elefante amarelo da cabeça e você, se até lá já não esqueceu os problemas, ao menos se acalmou. Comigo funciona, tanto quanto funcionam meus amiguinhos orelhudos ácidos.
Meus maiores problemas eram de rejeição. Não suportava as usuais do dia-a-dia. Meu primeiro psicólogo fez eu entender o quão mimado eu era, sou, havia sido, nem sei mais. Acho que ainda sou, mas naquela época era pior. Precisava trabalhar bem com isso porque o que mais existe nesse meio é rejeição. Os clientes normalmente acham que conhecem bem de criação e métricas usadas pra dizer o que é “bom” ou “ruim” no material criado.
Veja, são os clientes que assinam o cheque, de modo que eles querem receber exatamente o que o cheque assinado deve pagar. E não o eu quero que eles recebam. Além do mais, esse é um dilema que acontece basicamente comigo. Outros profissionais da área tiram de letra. Mas minha vontade era cuspir na cara daqueles malditos cheios de empáfia e camisas-polo e cabelo engomadinho.
Nos tempos de Internet e de pós-verdade, a vida real infecta a vida virtual e a vida virtual agrava a vida real: as pessoas só compartilham o que já acreditam. Não há diálogo com o pensamento contrário, nem com o diferente. A pessoa já acorda sabendo. Vive num mundo encantado de Trump, cheio de muros de pretensa sabedoria.
Vejo em alguns textos o editor do Floga-se se desdobrando pra explicar que o site é isento, que não tem rabo preso com banda, com assessoria, com selo, com ninguém. Isso é louvável. Mas também é um absurdo que ele deva vender isso como um diferencial editorial. Devia ser condição sine qua non.
A resposta é em forma de porrada de todo mundo que recebe críticas negativas. As pessoas não estão acostumadas com rejeição. Não sabem lidar. Daí, bandas chiam, rejeitam o site, xingam nas redes sociais, tiram sarro, tentam denegrir de toda sorte. Faz parte. Mas pensar num elefante amarelo pode ajudar também. Ou crescer. Ou mudar de profissão, sei lá.
Talvez seja por conta de elefantes amarelos – ou vários mickeys, ou unicórnios – que Wayne Coyne e sua turma sobrevivem. Depois de virar uma das grandes bandas a ser admirada por quem tem um mínimo de massa encefálica, com “Clouds Taste Metallic” (1995), “The Soft Bulletin” (1999) e, principalmente, “Yoshimi Battles TYhe Pink Robots” (2002), o Flaming Lips entrou numa corrente de loucura, provocação e foda-se, que afastou o público médio.
Seus discos posteriores foram recebidos com frieza, no melhor dos cenários, e com desprezo, o pior dos castigos, a morte lenta do esquecimento.
Cometeu deslizes imperdoáveis, segundo os críticos, de refazer à sua maneira o clássico do Pink Floyd “The Dark Side Of The Moon” e depois o “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”. “The Terror” ganhou bocejos (e é possível até ouvir alguns críticos rindo do disco pelas costas, durante o cafezinho).
Mesmo assim, Wayne Coyne seguiu em frente. E em 2017 fez uma obra-prima, “Oczy Mlody”, uma viagem de fadas, unicórnios, mágicos, bruxas, sapos, castelos e todo o ideário de contos infantis, mas de uma maneira psicodélica, ácida, viajante ou sei lá qual termo a gente possa usar aqui. Um disco doidão, em resumo.
Miley Cyrus está nele e a moça é um bom retrato do que esse disco representa: de tchuchuquinha atriz mirim, mandou um sonoro foda-se no início da maioridade, provocando e se portando como achava que deveria se portar, a despeito das críticas e dos ovos e tomates em sua direção. Coyne em “Oczy Mlody” faz o mesmo. Há muito tempo. Deve ter cansado de “se encaixar”. Que se dane, então.
O Flaming Lips é uma grande banda porque não só não diz que dá de ombros pra crítica especializada e pro público, como de fato dá de ombros. Mas não é excludente, é inclusiva. No seu mundo recriado em disco, a banda convida as pessoas a participarem. A banda oferece um mundo de amor e compreensão, momentos de sexo proibido e sem tabus, litros de suor lisérgico e sonhos inconfessáveis, um porre homérico de vida e liberdade.
Não há espaço pra rejeições. E se houve, ao invés de elefantes amarelos, é em suas drogas e seu mundo que Coyne busca refúgio e expansão.