Em 1982, quando comecei a ouvir música com, digamos, mais interesse, o punk era um menino recém-nascido – e já morto: já havia a new wave e lá vinha o pós-punk.
E vamos além. “Fleetwood Mac”, o disco, tinha sete anos apenas. O mesmo vale pra “Physical Graffiti”, “Fruto Proibido”, da Rita Lee, “A Night At The Opera”, bem como o enorme “Sabotage”, do Black Sabbath. “High Voltage”, do AC/DC, é um ano mais novo, assim como o “Destroyer”, do Kiss, e, veja, o “Cartola II”. Discos que hoje consideramos clássicos eram bebês: “Faith”, do The Cure, e “Killers”, do Iron Maiden, são de 1981; “Talking Heads: 77” e “Never Mind The Bollocks” tinham só cinco anos. “London Calling” tinha só três anos.
O tal 1982 é o ano de lançamento de “1999”, do Prince, “Rio”, do Duran Duran, do disco de estreia do Bad Brains, do “Coda”, o último do Led Zeppelin (uma banda ainda ativa na época!) e de tantos mais.
Com dez anos, tínhamos o impressionante “Acabou Chorare”, do Novos Baianos, “Talking Book”, do Stevie Wonder, o fodão “Exile On Main St.”, com o Rolling Stones em forma impecável, o último e maravilhoso de Nick Drake, “Pink Moon”… Alguém pode dizer que um disco de dez anos é “velho”?
Na era da Internet, parece que sim. Discos de 2012, de cinco anos atrás, já cheiram um tanto de naftalina – pra “Get Lucky”, do Daft Punk, tocar numa baladinha hoje, só se for em pistas menos descoladas, e ela é de 2013.
Meu ponto é baseado numa sensação. Estava tomando cerveja com meu irmão e uns amigos na casa de meu irmão. Seu filho de dezessete anos estava em outra sala com os amigos dele. Na sala, colocamos o “Room On Fire”, segundo disco dos Strokes, de 2003. Considero o melhor disco deles, com grandes canções como “What Ever Happened?”, “Reptilia” e “The End Has No End”. Um dos rapazes passou pela sala e comentou que aquele disco era uma velharia, mas era bom. Uma velharia… de quatorze anos!
Entendo que todos os discos citados nos primeiros parágrafos deste texto possam ser considerados “velharias” pras gerações já nascidas nesse século – se levarmos em consideração que pra minha geração não havia nem música gravada no século anterior (a luz elétrica é de 1879!), essa nova geração tem coisas, digamos, bem atuais vindas do seu século anterior – mas discos com menos de quinze, vinte anos, podem ser considerados “velharias”? Essa, obviamente, é uma discussão muito vaga e inócua, vale apenas pra mesa de bar, mas todos ficamos impressionados com o que seria considerado novo.
A noite tornou-se deliciosa, com a molecada mostrando-nos discos “atualíssimos”, de 2016 e 2017, que emulam os sons de 1980 e tantos. Perguntamos o que eles tinham de pós-punk, como o Strokes (o Strokes pode ser considerado pós-punk? Nem sei mais…). São moleques safos, curtem The Cure, Joy Division, Sisters Of Mercy, Television (ok, não é pós-punk), tanto quanto gostam de Daft Punk, Run The Jewels e Kendrick Lamar – coloco isso na minha conta e na do meu irmão, que fomos domesticando dessa maneira. Eles vieram com algumas sugestões que nos pareceram incrivelmente modernas e entusiasmantes.
Não sou de fechar os ouvidos a modernidades. Só não tenho tempo pra tantas assim – o exercício da descoberta exige tempo. Mas definitivamente não conhecia aquelas bandas que vieram até os nossos já alucinados cérebros, turbinados por determinadas substâncias. Creio que o leitor deste site já tenha ouvido falar de algumas delas, já que o Floga-se parece se preocupar com tais modernidades.
A molecada que acha Strokes e Arctic Monkeys “coisa do passado”, veio com três bons nomes pra ouvir. Começamos com Priests, um quarteto de Washington DC, que lançou seu primeiro disco, “Nothing Feels Natural”, em janeiro de 2017, embora venha lançando cassetes desde 2012. É uma novidade novinha em folha, por assim dizer.
O disco é bom, sem dúvidas. Mas não é um pós-punk “puro”, como se imaginaria num Espaço Retrô ou Madame Satã – São Paulo tinha os melhores lugares. Que se dane, oras! Eu ouço “JJ” com prazer, com aquele baixo emulando uma surf music tímida qualquer, e uma voz limitada, mas esforçada.
Se a gente não se empolgou tanto, daí vieram músicas de um quarteto chamado Nots. Na veia! Dois discos matadores, mais punks do que pós-punks, por certo, principalmente o urgentíssimo primeiro, “We Are Nots”, de 2014.
As quatro meninas de Memphis, Tennessee, parecem ter nascido pra ter dezesseis, dezoito anos em 1977, 1978. Ou pra ter nascido agora mesmo e renovar essa velocidade que a música tanto precisa. Jovens, jovens, jovens, perguntamos aos amigos do nosso filho/sobrinho: do que adianta ser jovem e não ser inconsequente? Nots é justamente isso. Ser agradável e obedecer sempre é desperdiçar a porra da juventude, manto sagrado de qualquer inovação e avanço da sociedade.
Tá certo, ser jovem é estado de espírito, tem pouco a ver com a idade em si, mas é mais fácil ser jovem com vinte anos, sem ter contas pra pagar e filhos pra criar. Então, é melhor aproveitar. Nots é um bom exemplo de como aproveitar.
Os dois discos pra ouvir:
Eu tava intrigado com um nome que eles tinham em CD (os meninos ainda ouvem CD!): Viet Cong. Que baita nome! Mas os meninos disseram que após o enorme sucesso do primeiro disco, de 2015, eles tiveram que mudar de nome e adotaram Preoccupations, o que me pareceu de uma ironia ultrafina. Os dois discos, sob os dois nomes, são muito bons. Mas o segundo, o “Preoccupations”, de 2016, é muito mais refinado, no sentido de variações do som.
Caramba, os moleques fazem músicas com temas como ansiedade, monotonia, degradação, esquecimento… Esses moleques têm mais problemas que eu! E não são como o Interpol (que nutro certa admiração) era no começo do século, emulando de maneira distante um distante Joy Division: eles parecem sentir tudo isso mesmo.
A banda nasceu em 2012, depois da morte do guitarrista da banda anterior que eles haviam formado. Um troço terrível que, mesmo sem ser proposital, joga no ouvinte a associação e tudo parece fazer ainda mais sentido. “Monotony” é uma daquelas músicas perfeitas pra tocar de madrugada – sozinho! Solidão total, bem entendido? Só não é aconselhável se matar.
Por fim, o melhor. Coincidentemente, a mais rodada, com mais estrada, a “mais velha”: o Sleaford Mods tem, veja só, dez anos, embora apenas cinco no formato atual, uma dupla formada por Jason Williamson e Andrew Fearn. Eles são ingleses, como sotaque mostrará logo de cara. E parecem uma mistura de The Fall com Happy Mondays, Prodigy e, hmmm, Carter USM.
O estilo do vocal é desleixado e provocativo. O som é basicamente baixo, teclados e uma bateria eletrônica dissimulada. Mas é um som que poderia muito bem ser feita em 1982.
O disco novo, “English Tapas”, é o primeiro por um selo decente, a Rough Trade (a mesma dos Smiths), e é de 2017. É vigoroso como me pareceu o outro disco que a crianças mostraram, “Key Markets”, de 2015, pelo selo Harbinger Sound.
Olha as figuras em ação:
Também gostei muito dessa, de um disco de 2014:
Esse é só um recorte de estilo da produção recente, esse pós-pós-punk. Discos de, sei lá, no máximo três anos (como o exemplo do Sleaford Mods). Em 1982, eu teria alcançado o “London Calling”, do Clash. Hoje, os meninos já estão à procura da “nova grande coisa” a acontecer. A mídia, massiva ou subterrânea, estimula essa ansiedade: será que você está a par do que de mais excitante está acontecendo?
A resposta é: não. Nunca. Até porque é provavelmente uma reformulação do que já foi feito décadas atrás. O que se renova é o entusiasmo, a força de se expressar e a maneira de fazê-lo e apresentar o novo conteúdo. O maior problema, porém, é renegar aos museus da percepção tudo aquilo que se valeu de apenas uma semana de audições. As obras musicais necessitam de história com os ouvidos que se dedicam a ouvi-la. Sem história, não é que elas logo se tornam um passado: elas passam como se nunca tivessem existido.