“Voa, Canarinho, Voa!”, cantava Junior, o lateral-esquerdo-meio-de-campo da maravilhosa Seleção Brasileira de 1982 (azar da Copa do Mundo que a gente não ganhou aquela taça). O canarinho, claro, era referência à seleção que voaria à Espanha e ao tetra (essa história foi contada aqui).
Lá se vão quarenta anos. De lá pra cá, fiquei fissurado por canarinhos, andorinhas, codornas, maritacas, papagaios, qualquer ave colorida e nem sei bem explicar o motivo. Aves são a expressão da natureza pra seu humor, eu creio. brasileiros têm aves coloridas. Gringos têm aves soturnas. Eu achava isso, mesmo, o que é uma tremenda idiotice. Ou pelo menos até eu ouvir “A Common Turn”, o primeiro disco de Anna B Savage, uma inglesa que também sabe-se lá o porquê canta sobre pássaros.
“Anna B Savage continua escrevendo sobre pássaros, mas não sabe ao certo por quê”, escreve a Rolling Stone. “Seu álbum de estreia, ‘A Common Turn’, lançado em janeiro (de 2021), está cheio deles: andorinhas, codornizes, pombas e, em um caso insignificante, uma música sobre andorinhas-do-mar”.
“Ainda estou tentando resolver isso”, ela disse à reportagem e fico imaginando o quão inusitado deva ter sido esse papo ao vivo. “Quando eu estava escrevendo o álbum, e estava realmente lutando com isso – como arrancar dentes – tive um sonho em que uma versão minha estava na minha frente e dizia: ‘Você tem metade de um álbum, e há muitos pássaros nele'”. Mas em vez de eliminar os pássaros de, ela decidiu continuar adicionando mais.
A despeito dos seres com asas, a própria artista não sabe sobre o que falar. “Minha área de especialização é estar completamente incerta sobre tudo”, no que não podia concordar mais. Minha vida é assim também, uma incerteza só.
Entretanto, enquanto os nossos canarinhos são esperançosos e coloridos, os pássaros dela são tristes ou, no mínimo, melancólicos. É o que nos mostra “A Common Turn”. São dez faixas tão tristonhas quanto podem ser faixas praticamente sem instrumentos e baseadas numa voz grave e quase operística (ou algo do tipo). Não que as músicas sejam realmente tristes, mas não dá pra animar uma festa com elas. Nem mesmo como pano de fundo de um velório. São músicas de quem tem dor e tenta de alguma forma ver uma cura, uma saída e uma luz.
Ela é uma privilegiada, porque quando se tem uma dor tão profunda a ponto de a gente esquecer quem é e os motivos de querer viver, saber escrever músicas (ou qualquer tipo de arte) é um apoio e tanto. Pra muitos, pular do penhasco parece ser a única solução – e, vale lembrar, a gente não tem asas. Enquanto a gente sofre, ela cria. Ela expurga.
“A Common Turn” foi minha companhia na época de festas de final de ano. Uma época triste e solitária pra quem vive longe da família. Não sei se foi uma boa escolha, porque é um disco que agravou minha tristeza e deu asas a uma imaginação bastante deprimente. Mas, passada essa época terrível, olho pro disco no meio do verão (chuvoso e frio por vezes) como uma obra tão delicada e bonita que nem consigo distinguir as faixas. São todas as mesmas músicas dramáticas e frias, carregadas de sentimentos tantos.
É assim que começo meu ano, junto com o primeiro aniversário de “A Common Turn”. Queria que você levantasse voo nas asas dessa voz belíssima, sem saber o motivo, sem saber se vale a pena continuar, só tendo esperanças de que a viagem será prazerosa.