Os fãs do INXS que hoje tentam se hospedar no quarto de número 524 no Ritz-Carlton Hotel encontram bastante dificuldade. O hotel passou por muitas mudanças nos últimos vinte anos. O Ritz-Carlton virou Stamford Plaza e agora é o InterContinental, ainda mais luxuoso que o original. Porém, o maior problema pro fã é justamente encontrar o quarto 524, tendo em vista que aparentemente a gerência do hotel trocou as plaquetas que indicam a numeração das habitações (leia essa bizarra matéria aqui).
Acredite: a direção do hotel teve que tomar certas precauções porque há muita gente doida que quer porque quer ficar no quarto 524, o local exato onde Michael Hutchence, o vocalista do INXS, se enforcou em 22 de novembro de 1997.
A história de Hutchence é um conto de fadas típico da historiografia do rock’n’roll. Em 1977, o grupo nasceu como The Farriss Brothers, criado pelos irmãos Andrew Farriss (teclado), Tim Farriss (guitarra) e Jon Farriss (bateria). O sexteto era completado com Kirk Pengilly (guitarra), Garry Gary Beers (baixo) e Michael Hutchence, que cuidava dos vocais e das letras.
Foi só no quarto álbum, em 1984, “The Swing”, com a varinha mágica de Nile Rodgers, que o INXS explodiu mundialmente. “Original Sin” virou um hit e seria uma prévia pro estrondoso sucesso que se seguiria. “Listen Like Thieves”, de 1985, virou uma febre entre os surfistas, com “What You Need” e, principalmente, a ótima “This Time”.
Mas nada comparável com o que aconteceria com “Kick” (1987) e “X” (1990), discos que levaram o INXS a um “patamar U2” de megaestrelas. “Kick” (ouça na íntegra), produzido por um dos responsáveis pelo “Never Mind The Bollocks”, do Sex Pistols, Chris Thomas (e de discos do Brian Ferry, Roxy Music, Pretenders, Elton John, Pete Townshend etc.), tinha em suas fileiras sucessos como “New Sensation”, “Devil Inside”, “Need You Tonight”/”Mediate”, “Never Tear Us Apart” e “Mystify”, quase todos no top 10 da Billboard, e vendeu quase vinte milhões de cópias no mundo todo (e contando), além de fazer de Hutchence um símbolo sexual.
“X”, mais uma vez produzido por Thomas, tinha “Suicide Blonde”, “Disappear”, “By My Side” e “Bitter Tears”. Não foi tão bem sucedido em vendas quanto “Kick”, mas não ficou muito atrás. O INXS era uma das bandas do momento.
O nome do grupo resumia bem o modo Hutchence de viver, “em excesso”. Mulheres, noitadas e drogas à vontade.
Curiosamente, a derrocada do vocalista se deu por dois motivos combinados: uma turma ainda mais doida aparecia pra roubar o protagonismo – o Nirvana, o Pearl Jam, o Soundgarden – e a intenção desafiadora de Hutchence largar a montanha-russa de estrela da música e tentar formar uma família, mesmo que por linhas tortas.
(atualização em maio de 2020)
O documentário “Mystify: Michael Hutchence”, de lançado em 2019, com direção de Richard Lowenstein, revela uma informação que não estava no original deste arquivo. Quando estava na Europa, namorando a modelo Helena Christensen, Hutchence foi atacado na rua por um taxista, tomou um soco e bateu a cabeça no chão.
Com o impacto, teve um problema cerebral que o fez perder o olfato e o paladar definitivamente. Isso teria sido o estopim da sua depressão, que se acentuou com os problema musicais e pessoais.
Tal problema só foi revelado após autópsia.
(fim da atualização)
Enquanto o grunge roubava a cena de maneira arrebatadora e colocava “Welcome To Wherever You Are”, o disco que o INXS lançou em 1992, num incômodo segundo/terceiro/quarto/quinto plano (só “Beautiful Girl” ganhou destaque), Hutchence se envolvia com Paula Yates, bela apresentadora do Channel 4, casada com o criador do Live Aid e ídolo britânico Sir Bob Geldof, com quem ela tinha três filhos.
O relacionamento com Geldof obviamente degringolou. E Geldof fez jogo duro. Lutou pra conseguir a guarda dos filhos. Em 1996, o casal se separou oficialmente e Hutchence e Yates tiveram Heavenly Hiraani Tiger Lily, sua única filha.
Em 1997, na última perna da turnê pra divulgar o décimo disco, “Elegantly Wasted”, lançado em abril daquele ano, Hutchence já demonstrada um preocupante quadro de depressão. Os anos de astro haviam rapidamente ficado pra trás. Havia outros símbolos-sexuais nas manchetes das revistas adolescentes. A concorrência na tela da MTV era ampla. Além de tudo, o jogo-duro de Geldof impediu que Yates viajasse pra Austrália com as filhas, inclusive Tiger Lily, o que irritou ainda mais o vocalista do INXS.
Naquele dia 22 de novembro, uma testemunha hospedada no quarto ao lado relatou ter ouvido Hutchence gritando com Yates e logo depois com Geldof. O cantor foi encontrado morto por uma funcionária do hotel, enforcado por seu cinto. Paula Yates discorda da versão oficial de que ele se matou propositalmente. Pra ela, ele estava se masturbando e sentia prazer em extremos nessa hora, de modo que o enforcamento foi um acidente. Mas a polícia alega que o Prozac encontrado no local é indício de alguém que lutava contra a depressão e que naquele dia o remédio não foi suficiente.
Paula Yates morreu três anos depois, vítima de uma dose exagerada de heroína. Sua filha com Hutchence acabou aos cuidados de Geldof, que lhe deu o sobrenome, ao mesmo tempo em que proibiu que a criança visse ou falasse com os avós paternos. Peaches Geldof, a segunda filha de Yates, morreu de uma dose ainda mais exagerada de drogas em 2014, aos 25 anos.
Tiger Lily, hoje com 21 anos, é modelo e aspirante a atriz. Teria à disposição uma fortuna estimada em 227 milhões de dólares, se não fosse o escândalo Paradise Papers bater à porta e milhões do astro terem sumido ou não poderem mais ser resgatados (leia a matéria aprofundada aqui).
O INXS esteve no Brasil em três ocasiões: em 1994, quando passou pelo Rio, São Paulo e Curitiba; em 2002, já sem Hutchence, pelo Rio e São Paulo; e no Rock In Rio II, em 1991, no Maracanã, cuja plateia, estima-se, beirou as cem mil pessoas.
Na apresentação do Rock In Rio, a banda estava no auge, com o “X” tendo sido lançado apenas quatro meses antes. Mesmo assim, o cachê foi de duzentos mil dólares, menos do que o pago pro New Kids On The Block.
O show aconteceu no dia 19 de janeiro de 1991. A abertura foi do Engenheiros Do Hawaii, igualmente no auge, seguido por Billy Idol e Carlos Santana. Enquanto o New York Times apontava os muitos problemas da segunda edição do festival – dos prejuízos financeiros enormes da organização, com milhares de pessoas entrando com ingressos falsos, à morte e o relato de um estupro -, lá dentro, a despeito de toda desorganização, a festa foi memorável.
O INXS tocou dezesseis canções, pouco mais de uma hora e quinze no total. A Rede Globo transmitiu a apresentação quase na íntegra, da entrada do palco até antes do bis (que teve apenas “New Sensation”). É o vídeo dessa apresentação que você vê ao final do artigo, com o bis em separado. Ainda há uma entrevista de Hutchence e Tim Farriss pra TV-AM inglesa, durante a passagem pelo Rio.
Duas décadas depois da morte de Hutchence, aos 37 anos, os companheiros de banda assistem a uma diluição quase total daquela adoração que um dia levou o INXS a ser uma das grandes bandas do mundo. O cantor hoje deixa mais frustração do que propriamente um legado de idolatria, que por certo persiste, mesmo que em pequena escala. O INXS ficou guardado na memória como uma banda divertida, de sucessos radiofônicos certeiros, mas sem impacto artístico pras gerações futuras.
Depois da morte de Hutchence, em 2005, o grupo tentou uma última cartada, criando o “Rock Star”, um reality show pra encontrar um novo vocalista. Venceu JD Fortune. O INXS ainda excursionou até terminar em definitivo, em 2011.
Ao fim de suas atividades, a banda havia vendido mais de 35 milhões de discos.
O setlist do Rock In Rio II:
01. Suicide Blonde
02. Calling All Nations
03. Guns In The Sky
04. Hear That Sound
05. Wild Life
06. Bitter Tears
07. Need You Tonight
08. Mediate
09. Shine Like It Does
10. Faith In Each Other
11. On My Way
12. Tiny Daggers
13. Original Sin
14. Never Tear Us Apart
15. Don’t Change
Foto que abre o artigo: Luciana Whitaker/Folhapress
Que texto bom de se ler. Uma história triste e que terminou em tragédia. Infelizmente, essa é mais uma banda que conheço pelo motivo de suicídio de algum integrante.
Ola.Muito bom o texto.
Apreciava o INXS até que eles fizeram – como muitas bandas – um disco apenas para estourar nos EUA. “Kick” tem seus momentos, mas é fraco se comparado ao “The swing” ou mesmo a “Kiss the dirt”. O show no Maracanã…eu estava lá, mas foi tão previsível, com a banda querendo o público num coro em todas as músicas, que saí antes lamentando por eles não terem feito um show aqui antes do estrelato mundial. E “Original sin” é uma baita canção pop! Deixo o convite para que visitem meu blog. saudações!