“A música é o que dá uma liberdade no silêncio… eu só tô sonificando tudo isso que vem do universo através de mim, mas acho que a gente sempre tem que ter o compromisso com o que a gente faz e com o que a gente fala, com o que a gente deixa de verdadeiro; eu sou a mesma pessoa com a música e sem a música, acho que a vida não é tão complicada assim, a música tá aí pra educar e passar as mensagens que tem que ser”.
A fala de MG Calibre, baixista de longa carreira da Amazônia pro mundo, é de uma singeleza (ou pureza) exuberante e qualificadora da música que Arthur José apresenta em “Reverbéro/Sobre-Breve-Viver”. Liberdade e agradecimento pela música estar presente, mesmo (ou por isso) distante do cataloguismo comercial e desamparada pelos ouvidos em busca de facilidades e escapismo.
As seis peças do disco insinuam uma sobrevivência. Não uma sobrevivência física apenas, mas mental. A música como cura, como rebelião, como engrandecimento e testamento. O piano, as colagens, a bateria, os discursos e principalmente o baixo (o protagonista do disco) se sucedem e se abraçam como a construção dos livros de uma bíblia sonora, sem a pretensão de ser. Por ali, se guiam os desejos de expansão sensorial do artista oriundo de Rio Branco, a capital do Acre, com linhas experimentais, jazzísticas, contemplativas e imaginativas de um futuro sonhado.
As passagens de “Colonagem (Rebelião Silenciosa)”, coladas a partir de memórias extraídas de vários momentos e situações desconexas, ministram o silêncio como uma página em branco pra liberdade – de criação, de entendimento. E o artista vai sonificando o que passa e passou por ele.
Curioso como a música permite leituras distintas e ricas com pouca coisa e muitos elementos podem resultar numa riqueza de quase silêncio (e o silêncio não é só pouca coisa, é uma única coisa com muitos despertares, o som mais rico). A música de Arthur José, com tais elementos e liberdade, enriquece o silêncio.
“No Baixo Do Sabiá”, com sua sanfona ilustrativa de uma cena cotidiana, e a “Cura Hermética”, com Hermeto Pascoal e Padrinho Sebastião, mostram que Arthur José escreve os livros de sua bíblia com observação e ouvidos atentos. “Carta Magna” é uma música de protesto sem elevar a voz, só com a “sabedoria” do que se diz por aí. Porque um músico precisa de ouvidos atentos. Mais ouvir do que falar. Mais ouvir do que tocar. Precisa perceber. A sobrevivência está no ouvir – do silêncio ao tudo – e, então, sonificar impressões.
“Reverbéro/Sobre-Breve-Viver” é um exemplo de que a música pode escorrer pelos meandros do cenário porque ela é o que é sem a obrigação de ser o que querem que seja pra se tornar produto. Ela é o que está ao redor pedindo pra ser percebido, pelo viés de cada artista. Ela é a lembrança do passado pra que o passado não seja esquecido e não volte. Ela é a solidificação da liberdade.
“Reverbéro/Sobre-Breve-Viver” foi lançado dia 19 de junho de 2018, via Bandcamp.
1. Reverbéro
2. Calibre Arcanjo Son
3. Colonagem (Rebelião Silenciosa)
4. No Baixo Do Sabiá
5. Cura Hermética
6. Carta Magma