Em novembro de 2020, os Esteites vão às urnas escolher o próximo presidente, naquela que pode ser a eleição mais conturbada dos últimos, sei lá, quatro anos. Sim, toda eleição por lá é conturbada, envolta em acusações, suspeitas e todas sorte de teoria da conspiração.
Neste ano, com Donald Trump tentando uma reeleição que parece cada dia mais distante, e com a oposição tendo um “moderado” como Joe Biden, que seria uma versão estadunidense de alguém sem sal e sem visão social como um Geraldo Alckmin, a coisa pode piorar.
Nos Estados Unidos, não importa que perde ou é eleito, sempre quem ganha são os bancos, as grandes empresas, Wall Street. A bem da verdade, é assim em quase todos lugar do mundo. No Brasil, principalmente.
Quem perde são os mais pobres e, em grande parte, mas em estado de negação constante, a classe média.
Com a pandemia da Covid-19, o evento mais avassalador pra humanidade desde a II Guerra Mundial, os nervos se elevaram até a cútis e o vizinho passou a ser o próprio diabo na Terra, bastando pra isso ele pensar diferente de você.
Não importa se no mundo já morreram setecentas mil pessoas da doença, há sempre alguém (muitos alguéns) tentando minimizar o impacto do problema, atribuindo questões ideológicas em decisões que miram simplesmente barrar o avanço do vírus.
Sim, há gente contra o uso de máscaras. Há pessoas indo a bares e restaurantes e shopping centers só pra mostrar “que podem”. E se dane o próximo. E que se ferre a sociedade.
As eleições de 2020 nos Estados Unidos serão assim.
Trump quer que o comércio todo abra e quem tiver que morrer que morra, vida que segue, máscaras pra quê? Em resumo é isso, embora não seja exatamente isso, com essas palavras, que ele tenha verbalizado.
Bolsonaro, o genocida brasileiro, segue o mesmo padrão. A seu favor, as eleições locais serão daqui a dois anos. Conhecendo bem o brasileiro como a gente conhece, se daqui a dois anos a pandemia for passado, as pessoas terão esquecido todas as atrocidades cometidas pelo presidente e votarão nele de novo.
Mas Trump não terá essa folga do tempo. Ele precisa enfrentar seus pecado já em novembro de 2020. Em meio à pandemia. Sem vacina, sem cura, com a economia em frangalhos, e até aqui com cento e sessenta mil estadunidenses mortos (certamente muitos mais até novembro) e cinco milhões contados como casos confirmados. O pior cenário em todo o mundo.
Se Trump é déspota, que já começa a questionar agora a possível derrota, alegando que o voto pelo correio (uma forma dos estados realizarem a eleição com mais segurança pros eleitores diante da pandemia) é um caminho pra fraudes, Joe Biden não atrai lá muito aqueles que possuem um pensamento progressista.
Bernie Sanders seria o cara, mas foi derrotado nas prévias. Os cidadãos de lá não estão ainda preparados pra qualquer questionamento ao capitalismo. Daí que se vêem diante desse dilema: Trump ou Biden, embora, convenhamos, não parece ser nada perto de “uma escolha difícil”.
De um lado, um truculento bilionário que não tem o menor apreço pela vida e é tosco nas relações internacionais, negacionista da ciência, e egoísta. Do outro, um sujeito mais centrado, que ao menos trataria o mundo com um pingo de civilidade, mesmo que não mude nada no sistema interno. Não, não seria uma escolha difícil, como não era pros brasileiros em 2018 – ou alguém consegue imaginar que o professor universitário e ex-prefeito da maior cidade do país levaria o país pro esgoto como o vencedor fez no seu ano e meio de governo?
Evitando qualquer associação “escolhas difíceis”, uma série de artista se uniu pra exigir que só se use suas obras com autorização: Aerosmith, Alanis Morissette, Amanda Shires, Ancient Future, Andrew McMahon, Artist Rights Alliance, B-52’s, Beth Nielsen Chapman, Blondie, Butch Walker, Cake, Callie Khouri, Courtney Love, Cyndi Lauper, Dan Navarro, Daniel Martin Moore, Duke Fakir, Elizabeth Cook, Elton John, Elvis Costello, Erin McKeown, Fall Out Boy, Grant-Lee Phillips, Green Day, Gretchen Peters, Ivan Barias, Jason Isbell, Jewel, Joe Perry, John McCrea, John Mellencamp, Keith Richards, família Kurt Cobain, Lera Lynn, Lionel Richie, Linkin Park, Lorde, Lykke Li, Maggie Vail, Mary Gauthier, Matt Nathanson, Matthew Montfort, Michelle Branch, Mick Jagger, Okkervil River, Pearl Jam, Panic! At The Disco, Patrick Carney, R.E.M., Regina Spektor, Rosanne Cash, Sheryl Crow, Sia, Steven Tyler, T Bone Burnett, Tift Merritt, Thomas Manzi e Train.
Todos estes nomes assinaram uma carta de repúdio e alerta aos comitês das campanhas políticas contra o uso de suas músicas em publicidade eleitoral sem autorização.
Parece algo além da polarização atual. Parece algo básico. Só se usa música com autorização de quem fez a música. Mas era algo que vinha acontecendo, inclusive no Brasil.
Esse ano, os artistas resolveram dar um basta.
Cada um deles, por certo, tem sua preferência ideológica e eleitoral. Isso não quer dizer que tal lado possa se apropriar da obra e usá-la pra convencer eleitores. É preciso o básico. É preciso pedir autorização.
A carta aberta da Aliança dos Direitos do Artista (Artist Rights Alliance, ARA), dirigida aos comitês nacionais dos partidos democrata e republicano, pede a todas as partes que ponham fim à apropriação de canções populares pra fins políticos sem autorização.
“Nenhum político se beneficia em forçar um artista popular a renegá-lo publicamente e rejeitá-lo”, diz a carta.
“No entanto, essas controvérsias desnecessárias inevitavelmente afastam até os artistas mais relutantes ou apolíticos, obrigando-os a explicar como discordam dos candidatos que usam suas músicas de maneira errada. E nas mídias sociais e na cultura em geral, são os políticos que geralmente acabam do lado errado dessas histórias”, segue.
Essa é uma questão que surgiu em pleitos anteriores, disse Ted Kalo, diretor executivo da Artists Rights Alliance, à Variety.
“Mas aconteceu com muito maior frequência nesse ciclo e chamou nossa atenção. Numa época em que os americanos estão se unindo pra defender seus direitos e exigir mais de políticos e grandes instituições, o ímpeto agora foi esmagador. Achamos que era hora de enfrentar esse problema em números com um simples pedido: peça e receba permissão primeiro”.
Os Rolling Stones têm trabalhado pra determinar que o uso político exige uma licença separada das permissões normais de uso, e Neil Young nesta semana ameaçou processar Trump se ele continuar usando suas músicas em eventos de campanha.
Kalo diz que a equipe da ARA redigiu a carta “consultando advogados do setor que acompanham esse problema há anos”.
Ele acrescenta: “Rosanne (Cash) é uma defensora incansável e ajudou nisso, assim como outros membros do conselho da ARA. R.E.M. foi o primeiro fora da associação da ARA a se inscrever – o envolvimento deles em qualquer coisa envia um sinal da importância do problema. Uma rede de gerentes da indústria espalhou a palavra pros artistas. Essa questão, abordagem e tempo ressoaram e apenas rolaram bolas de neve.
“Os artistas nunca estiveram mais conscientes de seus direitos e da necessidade de se defenderem e se unirem”, disse Kalo.
“A música conta histórias poderosas e gera conexão emocional e engajamento – é por isso que as campanhas a usam, afinal! Mas fazê-lo sem permissão reduz esse valor”, diz a carta.
Abaixo, o manifesto, na íntegra.
“Caros Comitês de Campanha:
Como artistas, ativistas e cidadãos, pedimos que vocês prometam que todos os candidatos que vocês apóiem buscarão o consentimento dos artistas e compositores antes de usar sua música em campanhas e cenários políticos. Essa é a única maneira de proteger efetivamente seus candidatos contra riscos legais, controvérsias públicas desnecessárias e o atolamento moral resultante de reivindicar ou implicar falsamente o apoio de um artista ou distorcer a expressão de um artista de maneira pública tão importante.
Este não é um problema novo. Ou partidário. Todo ciclo eleitoral deixa histórias de artistas e compositores frustrados ao descobrir que seu trabalho está sendo usado em contextos que sugerem endosso ou apoio a candidatos políticos sem sua permissão ou consentimento.
Ser arrastado de má vontade pra política dessa maneira pode comprometer os valores pessoais de um artista e, ao mesmo tempo, decepcionar e alienar os fãs – com grande custo moral e econômico. Pra artistas que optam por se envolver politicamente em campanhas ou outros contextos, esse tipo de uso público não autorizado confunde sua mensagem e prejudica sua eficácia. A música conta histórias poderosas e gera conexão emocional e engajamento – é por isso que as campanhas a usam, afinal! Mas fazê-lo sem permissão reduz esse valor.
Os riscos legais são claros. O uso de músicas em campanhas pode violar os direitos autorais federais e (em alguns casos) estaduais, tanto em gravações sonoras quanto em composições musicais. Dependendo da tecnologia usada pra copiar e transmitir essas obras, vários direitos autorais exclusivos, incluindo desempenho e reprodução, podem ser violados. Além disso, esses usos afetam os direitos de publicidade e marca dos criadores, potencialmente criando exposição por violação, diluição ou mancha de marca registrada nos termos da Lei Lanham e dando origem a reivindicações por endosso, conversão e outras leis comuns e tipos legais. Quando comerciais ou anúncios de campanha estão envolvidos, todo um conjunto adicional de regras e regulamentos relacionados à angariação de fundos da campanha (incluindo contribuições ‘em espécie’ não divulgadas e potencialmente ilegais), finanças e comunicações também pode ser potencialmente violados.
Mais importante, o apoio ou o apoio falso de um artista ou compositor é desonesto e imoral. Mina o processo da campanha, confunde o público votante e, finalmente, distorce as eleições. Qualquer candidato honesto deve ser contra esse tipo de incerteza, contra deixar falsamente a impressão de apoio de um artista ou compositor.
Como todos os outros cidadãos, os artistas têm o direito fundamental de controlar seu trabalho e fazer escolhas livres em relação à sua expressão e participação política. Usar o trabalho pra propósitos políticos sem o consentimento deles viola fundamentalmente esses direitos – uma invasão dos interesses pessoais mais sagrados.
Nenhum político se beneficia em forçar um artista popular a repudiá-lo e rejeitá-lo publicamente. No entanto, essas controvérsias desnecessárias inevitavelmente afastam até mesmo os artistas mais relutantes ou apolíticos, obrigando-os a explicar as maneiras pelas quais discordam dos candidatos usando sua música de maneira errada. E nas mídias sociais e na cultura em geral, são os políticos que geralmente acabam do lado errado dessas histórias.
Por todos esses motivos, recomendamos que vocês estabeleçam políticas claras que exijam que as campanhas apoiadas por seus comitês busquem o consentimento de artistas, compositores e proprietários de direitos autorais em destaque antes de usar publicamente suas músicas em um cenário político ou de campanha.
O financiamento, o apoio logístico e a participação em programas, operações e eventos do comitê devem estar sujeitos a isso, e seus termos devem ser claramente estabelecidos por escrito em seu estatuto, diretrizes operacionais, manuais de campanha ou onde você estabelecer outras regras relevantes, requisitos ou condições de suporte”.
Obs.: a imagem que abre este artigo foi retirado deste post.