“No lugar de intensa instrumentação ou da valorização de gestos coesos o que ganha à frente (sic) no disco são sons produzidos pelos próprios mecanismos das máquinas utilizadas. O pulso da variação de corrente elétrica, o ‘hum’ causado pelo mal contato de cabos, sons de rolagem e da ‘marca d’água’ do reprodutor de fita k7, suas falhas de reprodução e seus botões sendo pressionados, risos de fundo, toque, suor, silêncio e distância. A valorização do que seria maquiado ou descartado. À medida que o álbum se desenrola, começam a surgir os rastros de uma formação musical (ritmo, voz, texturas) mas que tendem a se esvaziar. Foram utilizados no processo uma bateria eletrônica, fitas cassete, sintetizador e microfone de contato”.
A explicação na página do Bandcamp do selo QTV, por onde saiu o disco “Vazios”, parceira entre Bella e Cadu Tenório, já seria suficiente pra orientar sobre a experimentação intencionada. Entretanto, cabe dizer que o resultado segue quase a contento.
Escute com fones de ouvido, é preciso dizer, antes de tudo, no intuito de captar detalhes que os sons cotidianos ao redor podem obliterar. Com a imersão, é possível então perceber a evolução dos “rastros de uma formação musical”, como definido, o que é surpreendente como saldo bem-sucedido do experimento. Mas é curiosa a confusão que o título causa. Com fones, seria imaginável captar com maior vulto os silêncios – utilizando-se silêncios como sinônimo de vazio sonoro, algo que a princípio é equivocado, mas não exatamente ao ouvinte. Há poucos “vazios” na obra que se chama “Vazio”.
Não que isso seja exatamente um equívoco. Como disse, pode ser reflexo de uma confusa interpretação da palavra. Porém, em “Vazios”, conforme as faixas avançam e os ruídos vão se apresentando, há mais um fluxo constante do que interrompimento. Há mais realidade do que suspense ou expectativa. Ao final da faixa “5”, tem-se o primeiro contato com o silêncio efetivo.
Os vazios, todavia, são as intermitências resultantes da “variação de corrente elétrica”, do “mal contato de cabos” (especificamente na expressiva faixa “6” e na faixa “7”), são “interpretações naturais do som”, ou da ausência dele, por assim dizer. É tudo o que sobra após o descarte e o uso. Ao mesmo tempo em que não é ausência pura e simples, porque é algo, tanto quanto o vácuo não é o nada, pois é ausência de ar e isso já é alguma coisa.
A cola que liga tudo sem deixar “vazios” é o sintetizador, uma máquina (manipulável), tão máquina quanto o sistema não-programado (cabos, energia, atrito). De preenchimento quase constante, a beleza de seu uso – hipnótico, sombrio, apaziguador – transforma a imaginada rudeza peremptória do projeto em algo leve e acessível. “Vazios” é, assim, um trabalho que se equilibra bem entre o laboratorial e a aprazibilidade musical.
Bella é autora do magnífico “Facies”, de 2016 (vá aqui) e de “In\On”, com Thomas Rohrer (escute aqui). Este é o primeiro disco com Cadu Tenório.
A dupla foi responsável pela execução, gravação e mixagem. A masterização é de Emygdio Costa.
O lançamento é de 4 de abril de 2018, via QTV e Coisas Que Matam.
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