Diante do pop imediatista que a MTV massificou dos anos 1980 em diante, até soa pretensioso tratar a música como arte (da maneira que se fazia com o The Velvet Underground, por exemplo), como forma de colocar a música popular – ou jovem – num patamar de expressão que vai além da diversão simples e passageira. A transforma em algo reflexivo, como pilares artísticos usualmente assimilados por museus e carecendo de entendimentos mais rebuscados.
A música é arte, como qualquer outra, e são projetos como esse da Kim Gordon e Bill Nace que aproximam música pop de uma normalmente ausente erudição. Gordon, todo mundo sabe, é uma legítima Sonic Youth, ex-esposa de Thurston Moore e que se viu, de repente, sem a banda e sem o marido.
Se pra ela fazer música pop, dessas de rápida assimilação, não é uma estranheza total (seu Sonic Youth lambeu o sucesso massivo na era grunge/Geffen, lá no início dos anos 1990), o mesmo se pode dizer da música torta – sua banda cansou de dar exemplos de ousadia, distorção e experimentalismo, principalmente em cima do palco. Está no DNA.
Então, quando, em 2011, 2012, Gordon começou a tocar com Nace, amigo do seu ex-companheiro, houve uma certa naturalidade nos caminhos seguidos: arte acima do comercial.
Cinema é um hobby de Gordon. Após a ausência da rotina com o Sonic Youth, participou (e participa) de curtas experimentais e se diz grande admiradora da obra da francesa Catherine Breillat, de “Romance” (1999), assim como Nace. A aproximação de ambos se afinou por aí, não pela música, que, claro, acabou sendo a expressão final.
O primeiro show, com o neozelandês Michael Morley, cunhou o formato: duas guitarras aplicando o noise sobre bases e estranhezas de Morley ao computador. Ao fundo, um filme de Breillat, “Une Vraie Jeune Fille” (1976), passando numa velocidade tão lenta, mas tão lenta, que parecia ao público que nada estava acontecendo na projeção.
Ao Stereogum, disse: “eu estava lendo um livro que analisava os filmnes dela, e de alguma forma o termo ‘body/head’ surgiu. Também estávamos vendo uns vídeos do início da carreira do Pink Floyd, da era Syd Barrett, e eram incríveis, por mostrar pessoas bascicamente dançando com aqueles ruídos, meio que moldadas pelas luzes psicodélicas ao redor delas. Esses vídeos meio que foram uma inspiração. E começamos a compartilhar essas preferências artísticas”.
O BODY/HEAD, formado pela dupla, começou assim: sem pretensão, sem nenhuma intenção de agradar o mesmo público do Sonic Youth, embora isso acabe sendo inevitável, se você pensar nos mais “radicais”, e, eventualmente, como uma veia artística, no sentido de “anti-pop”, pulsando forte.
O resultado principal, além de um EP homônimo, de 2013, é esse “Coming Apart”, o primeiro disco cheio, lançado em 10 de setembro de 2013, via Matador Records (em formato digital, CD e vinil duplo). Gordon e Nace empunham suas guitarras e ela canta e tudo se mistura: cinema, música, história.
É impressionante o noise que a dupla consegue durante todo o álbum, sem arrefecer – ou quando diminui o ímpeto, como em “Everything Left”, o vocal de Gordon, fantasmagórico, vira um terceiro efeito a ruir qualquer estrutura normativa de uma canção pop.
São dez faixas e não há nada de fácil aqui. O barulho e a experimentação predominam, mesmo nas peças mais curtas e calmas, como “Murderess” e “Untitled”, ambas de menos de dois minutos. As letras são de Gordon, exceto “Murderess”, de Nace; “Ain’t”, uma variação de “Ain’t Got No, I Got Life”, escrita por James Rado e Gerome Ragni e cantada por Nina Simone; e “Black”, uma releitura do canto tradicional estadunidense “Black Is The Colour (Of My True Love’s Hair)”, interepretado por um bocado de gente, incluindo, de novo, Nina Simone.
Kim Gordon diz que a estrutura de algumas canções, como “Abstract”, se baseia na estrutura de obras de John Coltrane, e que o disco tem muito de jazz. Mas tem também de Sonic Youth, de noise japonês, de experimentalismo nova iorquino, de Glenn Branca.
O cinema dá a cara em duas frentes. “Last Mistress” é o título de um filme de Breillat, “A Última Amante”/”Une Vieille Maîtresse” (2007). “Actress” faz alusão à carreira bissexta de Breillat como atriz (tem uma ponta em “O Último Tango Em Paris”). E, claro, os vídeos.
O diretor e fotógrafo Richard Kern (famoso por seus retratos e livros de nus artísticos) é responsável pelos dez vídeos do álbum, um pra cada faixa. Não são exatamente filmes. São pequenos momentos de um casal captados em câmera lenta, em frente-e-reverso de poucos frames, alguns bem doces (como os closes dela em “Untitled” e dele em “Actress” e em “Ain’t”), outros violentos (como em “Frontal”).
Assim, o Body/Head tenta transpor pra casa do ouvinte a sensação daquele primeiro show com Michael Morley. Você pode ver cada um dos vídeos logo abaixo do serviço do disco, na ordem das faixas.
A eficiência da arte, em qualquer forma, está na capacidade de expressão, mas também na de compreensão de cada um. O Body/Head, com “Coming Apart”, oferece ao gosto pop uma ampla experiência artística musical e visual. Aproveite essa raridade.
01. Abstract
02. Murderess
03. Last Mistress
04. Actress
05. Untitled
06. Everything Left
07. Can’t Help You
08. Ain’t
09. Black
10. Frontal
01. Abstract
02. Murderess
03. Las Mistress
04. Actress
05. Untitled
06. Everything Left
07. Can’t Help You
08. Ain’t
09. Black
10. Frontal