Preciso confessar que o melhor do Cadu Tenório está em sua capacidade de transformar espaços vazios em sons. Se forem sons hipnotizantes e inebriantes como esse, ainda melhor. “孤立: Room Memoirs”, um disco introspectivo (pra quem ouve), é a sua surpresa lançada em 5 de abril de 2020, pelo japonês Ukiuki Atama.
Das memórias dele, nada sei. Das suas noites em claro produzindo no escuro, só imagino. A madrugada é inspiradora, pois silenciosa e contemplativa. Mas ok, de novo, como o artista lida com isso, é só da parte dele.
E é aí que Cadu tem uma habilidade talvez inesgotável de manuseio de suas ferramentas. Seja no já clássico “Anganga”, com Juçara Marçal, seja com o seu perfurante VICTIM!, ou no (agora) acessível Sobre A Máquina ou em todos os seus codinomes e alter-egos, você está em seus ambientes. Breve tempo, mas lá, imaginativo e perceptivo.
“孤立: Room Memoirs”, isolado, distante, como o mundo pandêmico exige, porém não por obrigação, e sim por lógica. O isolamento agora é vida? Sempre foi, talvez. O bicho do mato não é urbano, pois. Mas não se pode deixar iludir, ele se mimetiza com a habilidade de quem compreende o necessário à existência.
O isolamento dolorido na temerosa relação humana de 2020 é resgate do interno. O vazio, esse espaço deixado pela sociabilidade, é preenchido, cada um com suas formas. Aqui, em sons intensos e constantes. Em que faixa estamos? Numa única e longa e constante. Um looping prazeroso de vazios intermináveis, pedindo o preenchimento contra a loucura.
Viver em isolamento não é fácil. Não estamos moldados e talhados pra isso. Somos fervo, confusão, esbarrão, muvuca, atropelo. Puxar o freio é uma necessidade mental.
Isole-se. E admire.
Parece que é isso que Cadu Tenório quer nos dizer dessa vez. Mais uma vez, com requinte.
Como usual, o próprio Cadu executou e produziu todas as faixas. A masterização ficou com seu companheiro de longa data, Emygdio Costa.
A capa é de Hiroki Yamasaki, dono do selo.
1. Shy
2. Sun
3. Jacket
4. Patrol
5. Moon