CAMILLE CLAUDEL, a banda, finalmente chega ao primeiro disco, homônimo, vinte e três anos depois de iniciar suas atividades, em 1994, em Volta Redonda.
O grupo é um retrato fiel das dificuldades de mercado dos artistas subterrâneos brasileiros, ao mesmo tempo que, paradoxalmente, expõe a facilidade (e a salvação) que os novos tempos e tecnologias oferecem pra quem não tinha como, nem por onde, gravar naqueles árduos anos.
O grupo, de óbvia homenagem à escultora francesa, nasceu com Frederico Griman, Henry Farani e os irmãos Maria Stella e Bruno Ribeiro. Mais de duas décadas atrás, com alguns shows no currículo e nenhuma gravação (pelo elevado custo), o caminho foi a dissolução. Pra, então, renascer em 2013 com nova formação e novas possibilidades.
O quarteto agora é Frederico Griman (guitarra e vocal), Luiza Griman (baixo), Rafael Inácio (guitarra) e Daniela Magalhães (bateria) e o primeiro disco apareceu, esse “Camille Claudel”, de forma independente, dia 5 de março de 2017.
Antes, porém, a banda foi soltando singles, se ambientando à nova era. Shows foram alguns, com várias bandas ilustres do subterrâneo nacional, de Lupe De Lupe a The John Candy (duas das preferidas aqui da casa). Houve até a participação em um longa coletânea-tributo ao My Bloody Valentine (ouça aqui), com uma música que também entrou no disco, “What You Want”.
No álbum de oito canções, todas produzidas por Bruno Giacomim e gravadas num estúdio caseiro (agradeçamos às facilidades tecnológicas, pois!), o grupo tenta equilibrar suas influências diversas e escapar do rótulo auto-imposto de shoegaze – o Bandcamp da banda é “Camille Claudel shgzr”.
Nas declaradas influências, além da óbvia My Bloody Valentine, estão Sonic Youth, Deafheaven, Tom Jobim e Cartola. As guitarras, porém, lutam pra se desvencilhar da sombra de Kevin Shields. Em alguns momentos, é homenagem pura, como em “O Que Você quer (What You Want)” e “Shoegazer” (que não poderia ser de outra forma), e tais homenagens funcionam muito bem. Em outros, ainda há que aparar arestas, embora seja louvável a amplitude que se tenta – pesando a mão no final, digamos, black metal de “Céu Laranja”, e nas estripulias deliciosamente saudosistas pós-punk oitentistas de “Porta Do Inferno”.
O disco começa muito bem com “Porta Do Inferno” emulando o pós-punk cru e rasgado do The Fall (com uma letra megafonada emitindo um único verso: “Nada faz sentido. Tudo se desfaz.”), o experimentalismo do Sonic Youth (na segunda parte declamada) e nas guitarras rasgadas do MBV no intercâmbio entre as partes. Parece uma salada sem nexo, mas a banda conseguiu a proeza de deixar tudo encaixadinho.
“Balada Borderline” vem na sequência e quase põe tudo a perder: uma letra em português, inocente, sem nenhum atrativo, além do vocal acima da altura “desejada”. Lembrou algumas das bandas pós-punk subterrâneas dos anos 1980, como Hojerizah e Finis Africae. Poderia ser um elogio, mas é possível que a canção não passasse no crivo nem delas.
Por sorte, esse é o (único?) ponto baixo do disco. “Camille Claudel” segue numa vibrante ascensão a partir daí. “C’mon Die Young” é um shoegaze que recebeu muito bem o vocal de Griman, por trás das distorções. “Novo Qualquer” consegue a mesma façanha, com letra em português (também sem atrativos), num shoegaze-pop pra tocar em FM, o que é um baita feito, visto que a maior negação ao estilo é a premissa de que “todas as músicas soam iguais”. No caso de “Novo Qualquer”, com sua vocação ao acessível, ainda faz uma segunda negação, dessa vez à própria vocação, com um final amplo.
Ouça o disco na íntegra:
“Céu Laranja” é talvez a melhor canção dessa coleção. Mais uma vez, a produção deixou o vocal de Griman em segundo plano, com as guitarras se arrastando, ao melhor estilo Shields, e a bateria tocando uma outra canção (aliás, que baterista sagaz tem essa banda!). Porém, o melhor está no trecho final da música. Camille Claudel mostra que shoegaze não é tudo igual, nem um estilo fechado em si. Com os vocais guturais, uma bateria acelerada e a guitarra que se mantém como se nada estivesse acontecendo, a banda afaga algo como um blackgaze, que logo é cortado por um pianinho alentador.
Há, nessa mesma linha, o final de “O Que Você quer (What You Want)”, só que aqui a mistura é de música popular brasileira. Embora remeta aos belos dedilhados do Durutti Column, a guitarra tem uma ginga triste e melancólica, algo bossa nova, que Shields jamais imaginaria em sua canção original.
Talvez um vocal feminino mais suave (que desse molho às letras pouco inspiradas), talvez experimentações mais radicais entre estilos, talvez com mais ousadia no desvencilhamento das amarras do shoegaze… A banda visualizou um caminho. A partir daí, conseguirá fazer explodir sua própria criação, como Claudel, a escultura, conseguiu com relação a Rodin?
A homenagem não pode ser à toa.
1. Porta Do Inferno
2. Balada Borderline
3. C’mon Die Young
4. You’re Always In The Heart
5. Novo Qualquer
6. Céu Laranja
7. Shoegazer
8. O Que Você quer (What You Want)
Awesome