Wilson Alencar (guitarras e vozes), Stéfany Martins (sintetizador e vozes) e Renato Araújo (baixo) formam a CÉUS DE ABRIL, banda de shoegaze que canta em português e que nasceu no improvável calor de um dos municípios mais importantes do Pará, Parauapebas, no sudeste do estado.
Parauapebas, a 660 quilômetros de Belém, tem mais de duzentos mil habitantes e vive muito da extração de minério (ferro e manganês). É uma cidade caótica, não tem nada de bucólica, como são normalmente as praças interioranas do Sul e Sudeste do país. O comércio, a violência, a grana e o atrito social são fortes. Mesmo assim, não seria num lugar desses do Brasil, afastado das colonizações culturais gringas, que se imaginaria ser o lugar pra nascer uma banda de shoegaze.
Wilson conversou com o Floga-se sobre esse improvável: “Parauapebas é uma cidade caótica, extremamente industrial”, diz, “estamos longe dos grandes centros, e é a maior dificuldade (pra receber e trocar informação), mesmo com a Internet”.
A ideia surgiu anos antes, em 2010, quando Wilson morava no município vizinho, Marabá. Ele havia acabado de “juntar as escovas de dentes” com Stéfany. “Como a cidade era tediosa, nós tínhamos bastante tempo livre para escrever e pensar em melodias”, conta Wilson, rindo.
No ano seguinte, acabaram voltando pra Parauapebas. Juntos, tiveram que se virar pra conseguir grana e pagar as contas. O projeto esfriou. Prioridades, certo? Foi só na virada de 2013 pra 2014 que a dupla conseguiu tempo e forças pra retomar as composições. “Depois, foi mais um ano e meio pra terminar o primeiro EP”, lembra.
O trio tem hoje de 23 a 28 anos de idade. Wilson o mais velho, Renato o mais novo. Não havia expectativas de que a banda pudesse chegar tão cedo a ouvidos alguns milhares de quilômetros dali. Talvez ninguém chegasse a conhecer tais composições. E com mais idade, vem mais responsabilidade. Música de guitarras barulhentas é geralmente coisa de gente muito jovem.
Mas Wilson era fã do blogue de Renato Malízia, o The Blog That Celebrates Itself (um dos dez melhores sites de música do país, na opinião do Floga-se); e eles começaram a bater papo por rede social, até que Wilson resolveu mostrar umas demos. Malízia agora lança o primeiro EP do trio, “Último Adeus”.
Barreiras transpostas, a Céus De Abril começou a chamar atenção. Uma banda de shoegaze em português. A começar pelo nome, uma tradução da famosa música do Jesus & Mary Chain, “April Skies” (lançada no segundo disco dos irmãos Reid, “Darklands”, de 1987), que Wilson jura que não teve essa intenção.
“Esse nome veio em minha cabeça do nada… Mas depois de um tempo percebi que era o mesmo nome de uma das músicas que eu mais gostava do J&MC, aí só fortaleceu a ideia (risos). Foi uma ideia aleatória que ganhou força com a coincidência”, revela.
Cantar em português já é uma ideia mais pensada: “sempre tive isso comigo, sempre quis fazer um som que soasse como as bandas estrangeiras, mas que pudesse ser cantado em nosso idioma; vejo poucas bandas fazendo isso no Brasil e sentia falta. Às vezes, nossas músicas começam a ser compostas pela letra e só depois vem a melodia, nunca pensamos em fazer música em inglês”.
Ouvindo as quatro músicas do EP, só com esforço consegue-se perceber o idioma ali cantado, elevando o conceito de que no shoegaze o vocal trabalha com mais força como instrumento e não como ferramenta de mensagem poética.
Mas, a saber, ele e Stéfany compõem as músicas, que falam sobre desilusões e, às vezes, “de amor transcendental, sobre partir… não seguimos um tema especifico”.
As influências, assim, são óbvias: The Jesus & Mary Chain e principalmente My Bloody Valentine. “Mas também amamos bandas como Asalto Al Parque Zoológico, Fleeting Joys, Autolux, Ringo Deathstarr, entre outras do estilo. E das menos óbvias gostamos de música brasileira como João Gilberto, Mutantes, Adriana Calcanhoto, Cadu Tenório, Lupe de Lupe, Caetano Veloso, e toda a nova safra de música barulhenta brasileira”, conta Wilson.
O disco é bem bonito, com texturas de guitarra que possivelmente não são tão simples de se reproduzir ao vivo. Mas essa ainda não é a maior preocupação da banda, que tem um show – um único show – realizado no currículo. “Assim que comecei a gravar em 2014, começamos a pensar em como seria isso tudo ao vivo, aí convidamos um amigo pra tocar baixo (Renato Araújo) e continuamos até hoje a procura de um baterista (no show a bateria ficou com Eric Vieira)”.
O problema que a banda enfrenta agora é justamente encontrar público pra ouvir suas guitarras chiando. Na região, não há público pro som deles: “não ter público e nem lugar para tocar na cidade onde se vive é o que mais nos entristece”. E tem a questão Brasil. Num país enorme como o nosso, viajar pros centros onde há público pra esse som, torna-se custoso demais. Belém está a mais de 600 quilômetros. Imagine Natal, Brasília, Recife, Porto Alegre, Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, centros onde a música subterrânea ainda pulsa, de uma forma ou outra… É complicado.
Por isso, Wilson tem consciência das amarras do futuro da Céus De Abril: “procuro não gerar muitas expectativas sobre o futuro da banda, pois hoje eu trabalho pra sustentar a minha música. E se um dia isso se inverter será o meu sucesso”.
Ouça o disco na íntegra, lançado pela The Blog That Celebrates Itself em 31 de agosto de 2015:
1. Mãe
2. Falso Amor
3. Último Adeus
4. Vodka
[…] a banda falou ao Floga-se, “não ter público e nem lugar para tocar na cidade onde se vive é o que mais nos […]
[…] Da Paraupebas, Pará, vem a Céus de Abril – referência a uma canção dos escoceses do The Jesus And Mary Chain – que tem à frente o guitarrista Wilson Alencar. Formada em 2010, a banda tem em seu currículo o EP “Último Adeus” (2015) e “Hidden Tracks” (2017) e participação em várias coletâneas de covers lançadas pelo selo/site The Blog That Celebrates Itself. Em entrevista a banda afirma influências de diversas bandas barulhentas em sua música: as clássicas, The Jesus & Mary Chain, My Bloody Valentine; e as bandas mais atuais, Asalto Al Parque Zoológico, Fleeting Joys, Autolux, Ringo Deathstarr, dentre outras. Além de ” João Gilberto, Mutantes, Adriana Calcanhoto, Cadu Tenório, Lupe de Lupe, Caetano Veloso, e toda a nova safra de música barulhenta brasileira”. :: Mais sobre a banda: Facebook Bandcamp Matéria no Floga-se […]
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