Charles Edward Anderson Berry nasceu em 18 de outubro de 1926, algumas décadas antes do rock. Isso porque ele seria um dos criadores. Ou o criador, dependendo da visão do biografista. É como o Fla-Flu, que é o grande clássico, que Nelson Rodrigues afirmava ter surgido “40 minutos antes do nada”.
Pois antes de Chuck Berry, o rock era um “nada”, ou um “quase nada”. Berry foi seu big bang, a explosão antes do “alguma coisa”. Que o digam os Beatles e os Rolling Stones, só duas das maiores bandas de todos os tempos, que desde o berço pagaram reverência às notas, o estilo e à sonoridade de Berry. Sem ele, não existiram eles. Nem o rock. Ou o rock não seria o rock porque seria outra coisa, sabe-se lá o que diabos.
Logo após o anúncio de sua morte, aos 90 anos, em 18 de março de 2017, uma série de textos e homenagens pipocaram pela Internet, merecidamente, mas pintando um homem intocável. Indigno erro. Berry era talvez um artista intocável lá pelos anos 1950 e 1960 (talvez 1970, quando fez seu último grande sucesso, “My Ding-A-Ling”, ouça aqui), mas um homem cheio de defeitos, como o rock precisa, nutre e vende. O rock que Chuck Berry ajudou a criar e deu forma não precisa de homens perfeitos.
O texto do El País (leia aqui) traz o retrato ideal do que era Berry: no embate entre dois deuses, ele e Keith Richards, o ego de Berry ganhou de lavada.
O cantor também chegou a ser preso duas vezes, por motivos nada louváveis. De 1961 a 1963 esteve na cadeia por se envolver com uma menor de idade – e pedofilia nunca foi uma questão a se passar pano (“Sweet Little Sixteen”?). No começo dos anos 1980, foi preso por evasão fiscal, algo que nos Esteites também é bem sério.
É bom saber que Chuck Berry era um cara problemático – nasceu de pai pastor e mãe professora, passou por reformatórios (durante três anos, por roubo à mão armada) e arrumava confusões e brigas. A música, ao que parece, era sua válvula de escape e nela que foi buscar a saída pra algo na vida, quando montou o seu Chuck Berry Trio, rasgou o country pra abraçar de maneira explosiva o rhythm and blues que fazia suar a comunidade negra da época – acabou associando tal estilo à comunidade – e seguiu pra Chicago pra encontrar Muddy Waters. Foi Waters que o apresentou a Leonard Chess, da Chess Records, a gravadora que o lançou à história.
A lista de sucessos conhecidos até hoje é impressionante, como você pode ver na série de vídeos abaixo:
“Maybellene” (1955)
“Roll Over Beethoven” (1956)
“Too Much Monkey Business” (1956)
“School Days” (1957)
“Rock And Roll Music” (1957)
“Sweet Little Sixteen” (1958)
E seguem muitos outros sucessos: “Carol” (1958), “Run Rudolph Run” (1958), “Little Queenie” (1959), “Back In The U.S.A.” (1959), “Memphis, Tennessee” (1959), “Let It Rock” (1960), “Nadine (Is It You?)” (1964), “Promised Land” (1964), todos rockões rasgados, além de blues como “I Got to Find My Baby” (1960).
Os Rolling Stones escolheram “Come On”, de Berry, pra ser o primeiro single da carreira, mas parece que todo mundo que importa na história do rock um dia fez uma versão de alguma música de Chuck Berry, como mostra esse artigo.
O cinema também se rendeu – e ajudou a popularizar outros dois grandes sucessos, em cenas icônicas:
“Johnny B. Goode” (1958), em “De Volta Pra O Futuro” (1985):
“You Never Can Tell” (1964), em “Pulp Fiction” (1994):
As marcas registradas de Chuck Berry foram duas. A maior, o “duck walk” (o “andar de pato”), era o seu jeito de tocar guitarra, imortalizado em centenas de imagens e vídeos: guitarra à frente, corpo arqueado, perna de apoio dobrada e a outra perna “chutando” no ritmo da batida. Talvez só Elvis Presley rebolando e James Brown gingando sejam tão característicos de um artista só. E todos foram constantemente celebrados e imitados.
A outra marca são as introduções de suas músicas, quase idênticas. Hoje, na pressa por “inovação” do novo século, algum incauto poderia apontar o dedo e dizer: “ei, todas essas músicas são iguais, por que você não inova, não muda de estilo?”.
Eis algumas dessas introduções:
O Rock And Roll Hall Of Fame sempre deixa claro que não dá pra atribuir uma paternidade específica do rock, mas se alguém conseguiu juntar todas as peças pra que tal música fosse identificada como “rock”, esse alguém foi Chuck Berry.
Ótimo texto.
Valeu, Guilherme.