CLINT MANSELL: A LUA, O SILÊNCIO, A LINGUAGEM

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“Lunar” (Moon, 2009) é o primeiro filme de Duncan Jones, filho de ninguém menos que David Bowie. A história é um tanto simplória até. No futuro, a Lua será usada pra extrair energia limpa pra Terra, e a empresa Lunar manda Sam Bell, interpretado por Sam Rockwell pra sozinho comandar a operação no satélite do nosso planeta.

O filme começa com Bell ansioso pela aproximação do fim do contrato de três anos. Ele finalmente poderá voltar pra Terra e pra sua esposa e filha. Mas algo dá errado e uma descoberta bizarra vai levar o astronauta a um pesadelo.

Com ele, nesses três anos, apenas um mecanismo de inteligência artificial chamado Gerty, que emula descaradamente o HAL de “2001 – Uma Odisseia No Espaço” (“2001, A Space Odissey”, 1968, de Stanley Kubrick), e conversa naturalmente com o astronauta.

Tirando Gerty, tudo o que Bell pode ouvir é só o que o espaço pode oferecer: o silêncio.

Mas o filho de Bowie não tinha como não herdar do pai a habilidade de, pelo menos, saber o quão importante a música influencia nas emoções e nos ambientes. É aí que entra a figura de Clinton Darryl Mansell, ou Clint Mansell, assinatura que dá ao seu trabalho nas trilhas sonoras pro cinema.

O inglês nasceu em 7 de janeiro de 1963 e faz aniversário um dia antes de David Bowie, que nasceu em 8 de janeiro de 1947 e morreu em 10 de janeiro de 2016.

Ele fez parte do Pop Will Eat Itself, grupo de rock alternativo dance-punk dos anos 1980, cujo segundo disco, “This Is the Day…This Is the Hour…This Is This!”, de 1988, rendeu o sucesso “Def. Con. One”, escrito por Mansell.

Com o término da empreitada, em 1996 (a banda voltou a se reunir em 2010, mas sem ele), mudou-se pra Los Angeles, onde conheceu Darren Aronofsky, o que mudou radicalmente sua vida.

O diretor nova-iorquino colocou Mansell pra fazer a trilha de “Pi” (1998), seu aplaudido entusiasmadamente filme de estreia, e a parceria não se desfez mais.

Depois, a dupla fez o também aplaudido “Réquiem Para Um Sonho” (“Requiem For A Dream”, 2000), “Fonte Da Vida” (“The Fountain”, 2006, pelo qual Mansell foi indicado ao Globo de Ouro), “O Lutador” (“The Wrestler”, 2008), o premiadíssimo “Cisne Negro” (“Black Swan”, 2010), e o fraco “Noé” (“Noah”, 2014). Só não estiveram juntos em “Mãe” (“Mother”, 2017).

A carreira de Mansell no cinema está consolidada. “Lunar” é a sua vigésima segunda trilha escrita pra um filme, o que dá uma ideia da escolha segura que Duncan Jones teve pra sua estreia.

Até porque o diretor precisava lidar com um algo que poderia incomodar a audiência: a total ausência de som na maior parte do filme, por ele ser ambientado na Lua. A sensibilidade de Mansell conseguiu dar à obra “uma atmosfera lúcida e sobrenatural”, segundo a imprensa.

“Lunar” é uma homenagem ao gênero clássico de ficção científica com uma história pessoal de fundo. Mansell se lembra de ter recebido o roteiro de Jones “do nada” e ser imediatamente atingido por sua exploração do isolamento celestial e da solidão, e as questões que isso levanta sobre o que significa ser humano. “Ainda acho que é um dos melhores – senão o melhor roteiro que já li”, disse ele, em 2019, quando o filme completava dez anos e sua trilha acabou servindo como pano de fundo pra homenagem aos cinquenta anos da Apolo 11 e sua primeira aterrissagem na Lua.

A London Contemporary Orchestra acabou interpretando a trilha ao vivo, enquanto o filme passava.

“Pra ‘Lunar’, a trilha sonora de Mansell envolve a rotina e as revelações de um humano solitário trabalhando em uma instalação espacial automatizada, encontrando expressão por meio de linhas de piano cintilantes, porém lamentosas, percussão fervente e gritos etéreos de cordas. Lindamente melancólico, o tema ‘Welcome To Lunar Industries’, que abre o disco, é como um solilóquio de piano pro protagonista Sam. ‘Esperançosamente, captura a repetição de sua vida’, disse Mansell”, em matéria pro site Barbican.

A habilidade de Mansell assimila um tanto do Pop Wiil Eat Itself, com momentos empolgantes e até dançantes, mas em “Lunar” ele acha espaço até mesmo pro krautrock, como na faixa final, “Welcome To Lunar Industries (Three Year Stretch….)”.

É como se ele buscasse a “modernidade” de um cotidiano lunar na melancolia dos sons do passado – e a escolha do kraut é justamente pelo o que kraut representa: uma elegância moderna, embora com décadas de poeira musical.

Quando solicitado a definir seu processo como compositor, Mansell deixa claro que confia em sua intuição: “a trilha está aí, você só tem que fazê-la surgir”, ele pondera. “O filme dirá a você onde precisa que você vá – se consegue lidar com a emoção, se precisa ser mais austero, se precisa ser mais rápido ou mais lento”.

“Lunar”, apesar da trama simplória, é um filme astuto. Tira muito de onde pouco se espera. É divertido e, sim, levanta questionamentos sobre a solidão e o isolamentos em uma sociedade cujas ferramentas de comunicação não conhecem mais obstáculos, muito menos da distância.

Ao preencher os silêncios, o diretor Jones fez uma escolha fácil (é de se imaginar como o filme poderia ser sem a música de Mansell, substituída, por exemplo, pelo som da respiração do personagem de Rockwell). Foi uma escolha que poderia destruir a reputação do filme, porque a música (desculpe-me pelo clichê) se tornou de fato um personagem, caso não tivesse encontrado um compositor tão habilidoso.

“Escrever uma trilha de filme é um passatempo bastante solitário, na maioria das vezes, mas também é muito colaborativo. Não só com o diretor, mas também com o próprio filme. Você não pode simplesmente colocar o que quiser lá – o filme dirá se está respondendo a ele ou não. Suponho que seja uma questão de saber se você está em sintonia com isso”, explicou, quase dissecando a história do próprio “Lunar”.

Outro ponto alto do filme, a direção de arte, com cenários que beiram o sombrio, com a Terra iluminada volta e meia ao fundo, um deserto desesperados (ainda mais por três anos!), e o interior da estrutura meio sujo, embora amplo e sem a sensação de claustrofobia, ajudou a orientar Mansell.

“Do meu ponto de vista, ele construiu a estrutura, as fundações, o telhado e eu tive que embelezá-lo”, explicou. “Você se inspira no que os atores fazem e no que as palavras dizem, e no ritmo, direção e iluminação, o que o ajuda a ter essas ideias melódicas e temáticas. Mas é trabalhar com eles em torno das performances e da atmosfera do filme, onde tudo se junta”.

A distância entre a Lua e a Terra é de pouco mais de trezentos e oitenta e quatro mil quilômetros. A estrada que Jones e Mansell construíram de lá até aqui nos aproxima e é estranho como liga os quase oito bilhões de seres humanos: uma lua nos ilumina todos os dias e ela pode ser sintetizada por uma língua única, a música.

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