CONVERSE RUBBER TRACKS – UM TIRO NO PÉ

Por alguma infelicidade do destino, trabalho com marketing, na criação de eventos, promoção e afins desde 1996. Lá se vão quase vinte anos. Nesse tempo todo, qualquer que seja o briefing que o cliente passe, a equação que se busca resolver é: a marca deve ganhar atingindo seus objetivos, mas a ferramenta utilizada pra isso – as pessoas – também deve ganhar, na forma de algum encantamento.

Nessa relação empresa-público, deve haver clareza, sinergia e, principalmente, respeito.

Respeito. Em ações de marketing, respeito não pode ser uma palavra bonita jogada no meio do projeto. Ela deve ser levada a sério.

Um bom exemplo é o marketing verde, ambiental. Uma marca não pode vender-se “verde”, fazendo ações que envolvam as pessoas nessa ideia, se nos seus processos, lá no dia a dia, há desperdício de energia, de material, de recursos naturais. É falta de respeito. É enganação.

Da mesma forma, num país tão desigual, ações de marketing social são uma boa estratégia. Mas, seguindo a lógica, a empresa tem que olhar pro próprio umbigo e respeitar seus trabalhadores, observando corretamente a legislação e os direitos deles.

E num país onde os ingressos dos shows internacionais são muito caros pro poder aquisitivo do público-alvo, eventos gratuitos, promovidos por marcas, são bem-vindos e ideias inteligentes. Se a marca quer abraçar o público jovem, é uma boa pedida.

O Brasil vem observando essa estratégia há um bom tempo. Yuck, Tokyo Police Club, Fatboy Slim, Franz Ferdinand, Jesus & Mary Chain, muita gente já veio animar festas de marcas diversas, de olho em um público específico. Eventos gratuitos abertos a clientes, fornecedores, acionistas e, de quebra, público-final: quem não curte ver o ídolo na faixa e ainda tomando uns birinaites por conta da marca?

O residual que se tem ao final pode gerar pessoas fiéis à marca e futuros consumidores. Uma marca boa de vendas que seja ao mesmo tempo bem quista, bem vista pelos seus valores, mais do que pelos seus produtos, é muito mais valorosa.

Entretanto, quem disse que é fácil? Uma coisa é o que está no projeto, outra coisa é como se materializa esse projeto.

Uma mecânica ruim pode destruir uma boa ideia. Foi exatamente o que vimos no Converse Tubber Tracks, que acabou nesse domingo, 3 de agosto de 2014, após cinco dias de evento.

A ideia era ótima. Juntar nesses cinco dias algumas bandas nacionais, que trafegam no subterrâneo, e outras gringas, colocando um medalhão no meio – no caso, o Dinosaur Jr. Melhor ainda se for de graça.

Tão boa, que logo após o anúncio, quase todos os blogues e sites de música só falavam nisso. Pergunte-se quanto custaria fazer sua marca ficar em evidência dessa forma, se ela fosse pagar por publicidade em todos esses blogues e sites. Pergunte-se quantas pessoas foram impactadas com o anúncio da ação.

A Converse é bacana fazendo isso? É. Oferece uma boa oportunidade pra fazer seu público se divertir, entrar em contato com seus ídolos e conhecer coisas novas. Em troca, nada de grana do bolso desse público, apenas comentários, entusiasmo e elogio à marca pelas redes sociais, o que pode até culminar em vendas – essa é a ideia.

Em tese, é um ótimo negócio, todos ganham, todos ficam felizes.

Mas o que aconteceu aqui foi uma falta de respeito com o consumidor. A marca prometia entregar os ingressos por ordem de cadastro no site. Eis que os e-mails de confirmação começaram a chegar pra uns e pra outros não.

Veio o dia da confirmação: pra uns os ingressos foram recusados, e começou a gritaria. Não parecia por ordem de cadastro. O processo parecia randômico. Não foram poucos os casos de gente se dando conta disso.

Pra piorar, o aviso: “A entrada vai depender da capacidade do Cine Jóia, por isso recomendamos que você chegue cedo no dia do evento para o qual você obteve ingresso”. Ou seja, o ingresso não garantia a entrada, já que a Converse havia distribuído mais ingressos do que a capacidade do Cine Joia. O resultado foram filas insanas na frente da casa de espetáculos e muita frustração.

Não há lógica nisso. Nenhuma. A não ser o entendimento de que a Converse queria criar um mailing gigantesco – o que, convenhamos, é uma idiotice sem tamanho, já que há outras ferramentas mais eficientes pra isso.

Qualquer que tenha sido o briefing passado pela empresa pra(s) agência(s) responsável(is), nenhuma solução incluía desrespeitar o público de forma tão vil. Isso não estava na equação. No final, não é só a marca que deve ganhar.

Parecia que a aposta estava no burburinho que ia causar a partir de quem entrasse e visse os shows. Não tinha como dar errado – essa brilhante análise da apresentação do Dinosaur Jr. mostra que pra quem foi, ainda vale o consolo do “apesar dos pesares”. Por um show gratuito e pra ver o ídolo, vale qualquer provação e desrespeito (os festivais nacionais de música estão aí pra provar que a máxima é verdadeira). O que justifica um troço desses?

Eu não fui a nenhum dos dias (recusei quatro ingressos pra entrar nessas “VIP lists” – dois de bandas, um de um amigo e um de uma assessoria: quem lê o Floga-se, sabe que sempre vou recusar esse tipo de coisa). Portanto, não posso analisar os espetáculos. Tenho certeza de que foram ótimos. Os artistas não têm nada com isso. Quem conseguiu honestamente seu ingresso também não. Tem mais é que curtir e se divertir.

Depois da imbecilidade vista no show gratuito do Franz Ferdinand, a Cultura Inglesa parece ter aprendido a lição nos anos seguintes. Na entrega dos ingressos gratuitos, reclamação zero.

As agências que cuidam da Converse e a própria empresa precisam aprender com o erro cometido no Rubber Tracks. O público está disposto a aceitar essa aproximação da marca. Mas, diante do absurdo que foi, há até quem prefira pagar pelo ingresso, embora isso não seja, no Brasil e principalmente no Cine Joia, sinônimo de respeito, como já sabemos.

Os números da ação podem contestar os reclamões e a aparente besteira abissal vista aqui, mas a impressão que se dá é que a empresa de calçados deu um tiro no pé, deixando o dedão necrosado pra fora do All Star.

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