COSMOPOPLITAN #11 – ANDREA SPINELLI

Andrea Spinelli é um pintor italiano, nascido na província de Milão em 1990, que apesar de ter estudado artes desde o colégio, só começou a se dedicar à pintura recentemente (mais precisamente, de um ano para cá). Antes. ele foi o baterista da banda La Nuit, com a qual fez quase cinquenta shows e gravou uma demo e um disco.

O que faz da pintura de Andrea alvo desta cosmoPOPlitan, pra além da qualidade técnica, artística e estética de seus quadros (eu gosto muito e ele têm se tornado muito bem falado na Itália, mas é como eu já esbocei numa coluna anterior: gosto é que nem cu – cada um tem o seu):

– Ele é independente (não vive da pintura e não depende de agentes e editais, faz todo o corre sozinho e haja disposição, pois está sempre pintando e expondo em lugares incomuns);
– Principalmente, porque ele produz de modo muito peculiar, ele pinta músicos e demais agentes do mundo musical ao vivo!

A primeira vez que eu vi algo do gênero foi em 2013, numa das noites da residência Jobson Phelps, no Espaço Cultural Walden, quando o artista plástico Bruno Barnabé pintou as paredes do porão enquanto os músicos tocavam. Bruno encarou aquele ambiente, escuro e enfumaçado, pra retratar na parede aquela apresentação. Foi impressionante, fiquei maravilhado e depois disso, sempre que ali estava (fosse durante um show ou mesmo com o espaço fechado pro público), eu me pegava parado fitando aquelas paredes…

Assim que conheci o trabalho do Andrea veio a ideia de escrever a respeito, pois além da sua proposta ser interessante – um pintor com um cavalete ao lado do palco pintando aquarelas, retratando os músicos enquanto eles fazem o show -, ele também conseguiu a proeza de pintar uma boa parte dos artistas mais respeitados e ativos do rock underground-ou-mesmo-mainstream italiano (analisar a sua obra significa também se deparar com muitos artistas que podem interessar aos leitores do Floga-se).

Após uma conversa com ele, que é um cara muito educado e disponível, marcamos uma entrevista. Logo lembrei do Bruno e cheguei a procurá-lo pra perguntar se ele continuou a desenhar músicos enquanto tocavam, mas ele se dedica à collage (gosto demais de suas obras, inclusive). Infelizmente, os desenhos do Bruno naquele porão devem estar perdidos pra sempre, pois depois do fechamento do EC Walden o imóvel foi ‘redecorado’.

Ah, sim, seis longos meses separam a cosmoPOPlitan anterior desta aqui. Nesse meio tempo, claro, um monte de coisa aconteceu; alguns exemplos:
– toquei com a Magic Crayon em seu show de despedida no Morfina #4, sim, na edição seguinte do objeto da cosmoPOPlitan anterior;
– iniciei o projeto chamado Islanded Underground pra realização de um filme documentário sobre os artistas de São Vicente e Santos que nos anos 1990 faziam música rock do tipo guitar/pós-punk/eletrônico/noise/grunge/shoegaze.

Mas a mudança maior é que estou morando no centro da Itália.

Vim num intercâmbio pela USP pra estudar um semestre na Università Degli Studi di Perugia (linguística, literatura e línguas). Estou procurando emprego e enquanto não encontro estou fazendo busking, tocando ukulele e cantando pelas ruas do centro histórico de Perugia. Fui convidado pra fazer parte da redação de um novo webzine italiano (idealizado por uma jornalista musical muito ativa que decidiu fazer o lance dela agora) que vai tratar de música e outras formas de arte.

E sim, eu presenciei o terremoto. E sim ao quadrado, estou morrendo de saudade da Laura!

Bem, aqui vai a entrevista, pra quem quiser se inteirar sobre os artistas do rock underground ou alternativo italiano, pesquisem sobre os citados na entrevista (são muitos), espero que a leitura seja agradável e proveitosa, até a próxima cosmoPOPlitan aqui no Floga-se!


Foto: Clara Parmigiani Photography

CosmoPOPlitan: Mesmo que “pintor ao vivo de rock” me pareça um modo preciso pra descrever o que você faz, você poderia explicar o seu trabalho em outras palavras?

Andrea Spinelli: Geralmente respondo esta pergunta explicando que retrato os músicos enquanto eles se apresentam ao vivo. Mas você tem razão, vamos tentar uma outra definição: procuro traduzir a musicalidade e a energia dos shows em algo visível, através do uso da pintura em aquarela, que considero a técnica plástica mais mágica e misteriosa.

CosmoPOPlitan: Como e quando surgiu a ideia?

AS: Mais ou menos um ano atrás, durante um período de mudança na minha vida: a minha banda tinha acabado depois de quatro anos de shows e grandes sacrifícios. Eu me sentia abatido, precisava reemergir, mas estava apreensivo em relação a formar uma nova banda. Então por acaso percebi que essa história de eu ir a shows e desenhar em cadernos poderia deixar de ser apenas um costume estranho e se transformar num projeto mais ambicioso. Decidi pegar uma estrada um pouco diferente e aqui estou.

CosmoPOPlitan: Nesses quase cem quadros, quando você pensa na sua relação com os produtores/artistas/amigos/público, o que mudou e o que permaneceu igual desde o início?

AS: Esta é uma pergunta realmente bonita. É verdade que a minha relação com estas categorias de pessoas que você citou mudou, não muito com os amigos, pelo menos espero que minha percepção não me traia, mas é também verdade que graças a este projeto eu acabei mudando também. E digo isso porque toda a força que eu tinha perdido foi reencontrada construindo algo novo e peculiar. Neste último ano conheci agentes do setor musical de grande nível que são apaixonados pelo trabalho que fazem. Pessoas incansáveis que te fazem parar de destilar “lamentações” e que te trazem vontade de arregaçar as mangas, de ralar mesmo, saindo da zona de conforto e mostrando suas ideias e sua capacidade. Por exemplo, o pessoal da produção do Afterhours. De qualquer forma, voltando à sua pergunta, as relações com as pessoas ao meu redor estão mais maduras, baseadas na estima recíproca e muitas vezes também na confiança. Aliás, acho que confiança é a coisa mais difícil de se conquistar, principalmente quando você está tentando emergir como artista.

CosmoPOPlitan: Quais materiais você usa pra retratar os músicos?

AS: Menos é mais: procuro usar o mínimo possível, sobretudo por uma questão de versatilidade. Uso principalmente três pincéis de tamanhos diferentes, papel pra aquarela não muito espesso, um cavalete de mesa barato e Ecoline, que são aquarelas já diluídas à base de nanquim. E, claro, água, muita água!

CosmoPOPlitan: Onde e como você se arruma quando chega no local do show? O público que vai ver os shows pode ver você também?

AS: Depende das ocasiões e do tamanho do evento. Por exemplo, quando retratei recentemente o Verdena no parque Tittoni, me arrumei ao lado do palco depois de me consultar com os técnicos e os organizadores. Há toda uma avaliação a ser feita que quase sempre acaba otimamente. Mas não é simples: se fico aqui atrapalho os artistas? Cubro a visão do público? Ou é o público que não me permite ver bem os artistas? Eu preciso ser isolado porque o pessoal poga? São perguntas que faço e que recebo dos organizadores. De qualquer forma, sim, o público pode ver o que faço e acompanhar o show ao mesmo tempo. E isso me agrada muito!

CosmoPOPlitan: A quais gêneros pertencem as suas obras? Quais são as suas maiores influências?

AS: Você diz em nível plástico/estético? Amo tantos artistas diversos, adoro contaminações. Vou citar os primeiros que me vêm à mente agora: Francis Bacon, Chagall, Rothko, Picasso, William Turner, Sergio Toppi, Bruno Brindisi… Com certeza esqueci de tantos importantes… Mas a nível de influência conceitual eu não saberia dizer quem e o quê me influenciou mais… São tantas coisas juntas! O fato de eu já ter tocado com uma banda num palco e de ter vivido essa energia, seguramente foi determinante. E também a meditação, que, nos últimos dois anos e meio da minha vida, se tornou um ritual importante pra mim. Sim, com certeza a meditação me deu muito, seja na vida cotidiana que no âmbito criativo.

CosmoPOPlitan: Você conhece outros pintores que fazem exatamente como você faz?

AS: Descobri recentemente, principalmente porque amigos ou outros artistas me disseram. Os Concerti Disegnati de Baronciani e Colapesce, por exemplo. Conheci também um cara que retrata os músicos durante os shows, mesmo que em modalidades diferentes: nos encontramos no backstage de um show em Milão, ambos tínhamos retratado os músicos naquela noite e estávamos surpresos de encontrar outro que fazia a mesma coisa (risos)! Tem também Jesse Mosher, arrtista punk rock que sobe ao palco com as bandas e pinta se movimentando como se estivesse fazendo um solo de guitarra. Da hora.

CosmoPOPlitan: Em que tipo de lugar você gosta de expor os seus quadros? Quem seria o seu público-alvo?

AS: Até agora sempre expus em casas de shows ou lugares associados à música independente. Eu gostaria de conseguir expor também em lugares mais “institucionais”, pra que meu projeto seja reconhecido como de “importância cultural”, inclusive pra benefício dos artistas retratados. A muitos deles devo muito em termos de formação artística, antes mesmo de tê-los encontrado e pintado. Nunca pensei num público-alvo mas vejo que os músicos, de qualquer gênero musical, e as pessoas criativas, como pintores, estudantes de arte, ilustradores… gostam muito do que faço. É fantástico!

CosmoPOPlitan: Você poderia contar algo de bonito ou peculiar do seu encontro com o Afterhours?

AS: (rindo) Acho que sim! Mas sempre em relação a como eu vivi a experiência emocionalmente… Foi emocionante! Me senti parte de um ambiente que sempre quis conhecer de perto. Aprendi muito vendo o que tem por trás de um show “normal” de rock desse porte. E tudo isso será realmente útil futuramente pra mim. Eu escuto Afterhours desde o primeiro colegial, mais ou menos. Conheço todos os discos a partir do “Germi” (1995). Então você pode imaginar como foi quando os conheci pessoalmente… Eu tinha estrelinhas no lugar dos olhos! Trocamos algumas impressões sobre os retratos que eu tinha feito, falamos sobre como foi no palco. Fiquei impressionado com a simplicidade e humildade deles.

CosmoPOPlitan: Você poderia contar algo de bonito ou peculiar do seu encontro com o Verdena?

AS: Eu estava um pouco preocupado de encontrá-los. São conhecidos por terem uma personalidade reservada e eu me perguntava como eles encaravam o fato de eu estar ali ao lado deles fazendo retratos deles no palco. Acabei simplesmente impressionado: se demonstraram muito curiosos, gostaram muito e falamos sobre música e shows, principalmente Luca (o baterista). Eles também são pessoas realmente únicas.

CosmoPOPlitan: E sobre seu encontro com Il Teatro Degli Orrori?

AS: Eu os conheci anos antes da ocasião em que os retratei. Há mais ou menos oito anos, fundei a comunidade virtual italiana dedicada a Il Teatro Degli Orrori, que se chamava “StaseraMiSbronzoDiBrutto” (em português ficaria algo como EstaNoiteVouEncherACaraPraValer, que é o verso de uma das canções da banda). Era muito ativa, ainda é, mas eu não a gerencio mais. Mas eu cheguei no Big Bang Fest de Nerviano muito cedo, tipo no horário de passagem de som. Capovilla (líder da banda) me viu no backstage e me chamou. Conversamos por uns dez minutos e ele me contou que estava contente e ao mesmo tempo exausto por conta da turnê que estavam fazendo. Então, escapou pro hotel e eu fiquei ali até o início do show, que como previsto, foi explosivo! Consegui retratar num caderno todos os integrantes da banda e em casa terminei as ilustrações em aquarela; então propus à XL Repubblica (seria o equivalente italiano à revista da Folha), que pouco depois publicou. Foi a primeira publicação verdadeira numa revista assim importante.

CosmoPOPlitan: Fale sobre seu encontro com Cesare Basile.

AS: Encontrei Cesare Basile pela primeira vez faz seis anos no Bloom de Mezzago, no meio do público, num show. Pedi a ele um autógrafo e ele ficou sem graça, acabou fazendo um desenho de uma águia. Ainda guardo este desenho na minha “gaveta das recordações”. Na noite que eu fiz os retratos, quase um ano atrás, ele tocava na Salumeria Della Musica com Camminanti: Enrico Gabrielli, Simona Norato, Rodrigo D’Erasmo, Massimo Ferrarotto e Luca Recchia. Era a véspera do meu aniversário. Quando deu meia-noite comemorei sozinho comendo uma fatia de um doce crocante com creme, ótimo.

CosmoPOPlitan: Você poderia contar algo de bonito ou peculiar do seu encontro com Paolo Benvegnù?

AS: Eu adoro Paoloa Benvegnù. É uma pessoa que me inspira um grande senso de compaixão, diversão e proteção. Eu o considero um dos pais da cena independente italiana. Quando eu o retratei no parque Tittoni, me aproximei dele no fim do show e mostrei minha pintura. O nosso encontro terminou num abraço, imortalizado numa fotografia do bom Andrea Caristo. Repito, eu adoro aquele homem!

CosmoPOPlitan: E sobre Marlene Kuntz?

AS: Infelizmente eu nunca os encontrei todos juntos. Conheci Cristiano Godano no Music Inside Art de Rimini, uma feira pra apaixonados e profissionais do setor musical. Quando viu a pintura gostou muito e eu quis dar de presente. Agora talvez esteja pendurada em uma parede da sua casa… Ou então na sala de ensaio do MK!

CosmoPOPlitan: Selton?

AS: Encontrar o Selton foi muito “decepcionante”! Este foi o termo que Ricardo usou de brincadeira pra descrever a sua banda quando fomos apresentados no festival Lungo La Strada de Landriano. Devo dizer entre influências prog, folk brasileiro e contaminações eletrônicas, o Selton foi tudo menos decepcionante ao vivo! Ricardo gostou muito do retrato e decidimos fazer uma troca nele por uma merch deles.

CosmoPOPlitan: Quais são os próximos eventos dos quais você vai participar?

AS: Falta menos de uma semana pro MEI de Faenza (um dos maiores festivais sobre a música independente italiana, senão o maior). Estarei ali para expor oitenta e um dos meus quadros e pra fazer outros ao vivo. Espero conseguir retratar principalmente Daniele Silvestri, mas também o Luminal, que estão na minha lista! Mas terão muitos outros, ainda estou no aguardo da escalação oficial.

CosmoPOPlitan: Quais artistas você gostaria de retratar no futuro próximo?

AS: Eu gostaria de retratar o Negramaro, que na minha opinião é uma síntese muito inteligente entre rock e pop. Gostaria tmabém de retratar o Negrita e o Liftiba. E então começar a retratar bandas estrangeiras.

CosmoPOPlitan: Você já chegou a pensar em retratar outros sujeitos? Ou levar o seu projeto para o exterior?

AS: De vez em quando, retrato sujeitos mais comuns, como panoramas de cidades ou primeiros-planos de rostos. Mas é outra coisa, bem diferente, pois falta a adrenalina dos shows, sinto falta dos decibéis da música ao vivo. No que diz respeito a levar meu projeto ao exterior, digo a você o seguinte: não vejo a hora! Aliás, aproveito a ocasião pra lançar um apelo a quem quer que queira me ajudar a divulgar meu projeto também fora do meu país.

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