COSMOPOPLITAN #14 – ROCKCONTO 1: THE FALL

Até meados de 1990, eu gostava daquela banda e nem sequer tinha escutado (naqueles tempos sem Internet, colecionávamos mentalmente nomes e causos antes mesmo de conseguir escutar os sons). Tanto conceitualmente quanto esteticamente o lance me atraía.

Mas quando fui escutar, acabei desgostando. Achei tosco, mal composto, mal tocado, mal cantado e mal gravado. Diziam que era pós-punk, mas pra mim aquilo era outra coisa, era tranqueira mesmo.

Lembro de ter tentado dar uma segunda chance – havia a sede de conhecer o máximo possível. Montei uma cassete com o que consegui copiar de um LP e cassetes dos amigos, mas a impressão que ficou foi mesmo que a banda fazia questão de estragar as ideias. E isso era inadmissível pra minha versão adolescente.

Depois do primeiro Rock’n’Rio, um bom punhado de bandas gringas veio tocar em lugares de médio-grande porte, como o Projeto SP. Em 1989, eles vieram ao Brasil e lembro de nem ter ficado triste por ter perdido o show (aquela viria a ser a única vez em que tocariam por aqui).

Antes mesmo de eu decidir viver no exterior, na primeira metade dos anos 2000, porém, me peguei cada vez mais gostando da banda. Eu já começava a ver aquela tosqueira com outros olhos. Tanto que com o passar do tempo passou a ocupar o posto de minha preferida em absoluto. E quando digo que me tornei um fã, acredite, passei a pesquisar tudo o que podia.

Então, fui morar no exterior. No meu terceiro ano de vida na Itália, a banda foi anunciada no Primavera Sound Festival. Era a realização de um sonho. Até a véspera do show corria o boato do cancelamento no fórum sobre a banda, pois apesar do festival ser considerado meio avant/showcase/celeiro, eles tinham sido escalados pro palco principal.

Eu estava lá na frente, de cara pro palco. Além da ansiedade natural, como primeira experiência no universo da minha banda preferida, eu poderia testemunhar a reação da maioria do público que estava ali era pra ver os headliners famosos e hypados nas redes sociais.

O show começou e eu comecei a chorar. Eu estava preocupado em não causar risadas na minha amada, que estava ali comigo, mas também contemplativo. Então bateu: gritei pedaços das letras, balancei o corpo, filmei trechos. O figura que personifica a banda, Mark E. Smith, fez o que costuma fazer, isto é, balbuciou as letras fora do tempo (do tom então, nem se fala), trocando trechos pra ironizar ainda mais as cenas e outras bandas; no meio das músicas mexeu nos amplificadores dos outros músicos, em pé de costas pro público “tocou” os pratos com os dois microfones no lugar de baquetas (enquanto o bateria continuava tocando), fez o show todo abastecendo-se com pints de cerveja. O repertório era o material atual, coisa forte.

Saí de lá feliz, sentindo que foi uma experiência estranha pra todos, banda e público.

Mais dois anos se passaram e chegou a oportunidade de ver outro show, mas agora no Koko em Londres. Ano, 2009. Eu morava em Brighton e fui sozinho. Outro clima: show no país natal, sem abertura, em local fechado, de médio-grande porte mas não enorme como o Primavera.

A banda começou a tocar e logo na segunda música, o figura sai do palco depois de manquitolar. Retorna na terceira música, numa cadeira de rodas (depois vim a saber que ele vinha se recuperando de uma lesão na bacia). Na música seguinte, ele bota um dos seus dois microfones no walkman, circula pelo palco desregulando todos os amplificadores e se coloca atrás do amplificador de guitarra, onde fica por boa parte do show. Na parte final do show eles costumam fazer um cover e no meio da música ele saiu do palco empurrando sua cadeira de rodas enquanto cantava. Ainda tocaram mais uma, um clássico recente da carreira deles, com a letra adaptada pra algo como “uma hora eu me recusei a ficar no palco, mas vocês vão superar isso” – e cantou do camarim mesmo.

Foi uma experiência e tanto. Som, forte, alto, banda coesa, estranheza reluzente.

Minha terceira – e até agora última – experiência ao vivo foi no ano seguinte, pertinho de casa. Dessa vez meu filho adolescente também foi. Ficamos lá na frente. Tocaram clássicos, inclusive uma do segundo disco (“Psykick Dancehall”, do “Dragnet”, de 79) e o cover dos Sonics (“Strychnine”), foi sensacional. No fim, como de costume, ele passou o microfone pra platéia. Mais precisamente pra mim. Eu fiquei paralisado e meu filho riu. Eu sorri com os olhos rasos d’água e devolvi o microfone a ele, que passou pro cara a meu lado.

Um monte de coisa aconteceu e minha vida mudou completamente mais de uma vez nestes últimos anos desde o show de 2010 em Brighton. Dias atrás meu amigo-irmão no Canadá me deu de presente um ingresso pra ver o show do The Fall em março próximo em Bristol, cidade onde talvez eu vá morar, caso eu consiga mesmo o emprego de faxineiro no hospital lá.

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