COSMOPOPLITAN #2 – SER INDEPENDENTE

A ideia pra coluna aqui é manter uma certa periodicidade (digamos, mensal; ou, na melhor das hipóteses, quinzenal), mas meu primeiro texto foi publicado em 3 de março de 2015, ou seja, há alguns poucos dias!

Não espere tanta regularidade assim, afinal tenho uma pequena filha (de um ano) – linda, de quem eu orgulhosamente cuido full time e este ano também voltei a estudar. Ah, até o meio do ano poderei ser convocado para trabalhar na CEF (passei num concurso e estou aguardando ser chamado). E tenho meus projetos (escrevo, traduzo, toco e gravo, faço programa de rádio…), ou seja, a publicação deste texto aqui – assim tão rapidamente – muito provavelmente será uma exceção.

O que me fez escrever agora foi o texto do Fernando Lopes, aqui mesmo no Floga-se. Ele publicou um texto, expondo suas opiniões sobre o que aconteceu recentemente com a banda norte-americana Ex Cops, trazendo o assunto pra nossa realidade, aqui no Brasil.

Como eu fiquei encasquetado com meu primeiro texto, achando que o prezado leitor pudesse me ver como alguém rancoroso e mau humorado, tive o estalo de que escrevendo outro texto, e agora interpolando um texto do meu próprio editor, a coisa toda poderia ficar mais clara pra mim e pra todos – e com isso quero dizer que meu intuito pode ser discordar mas nunca ofender ou provocar pra briga (provocar sim, mas pra reflexão).

O texto do Fernando fala sobre como a banda Ex Cops foi chamada pela empresa McDonald’s pra fazer um show em seu estande no festival South By Southwest (SXSW), no Texas. E como isso deu rolo, deu bafafá. Mas antes vamos apresentar as partes.

Ex Cops é a banda nova iorquina composta pelo norte-americano Brian Harding (ex-Hymns) e a dinamarquesa Amalie Bruun (ex-Minks – olha a Balaclava aí de novo, hehe), formada em 2011 no Brooklyn e com dois discos lançados: “True Hallucinations” (pelo pequeno selo da loja de discos especializada em música underground Other Music, em 2012) e “Daggers” (pelo selo de médio-grande porte Downtown Records, agora no fim de 2014).

No last.fm o som deles é descrito como “pegando emprestado o fino som de artistas vintage de selos como Sarah Records e Flying Nun”, mas pelo pouco que já ouvi posso dizer que tem muito mais de indie rock do tipo “alternativo” do que de indiepop, mas enfim, a banda não me parece ruim. E isso nem vem ao caso aqui (mesmo porque gosto é algo pessoal, subjetivo).

O fato inegável aqui é que após um disco de exórdio mais “roots” – emulando o dreampop revival da Captured Tracks, no segundo disco temos uma guinada brusca; a tentativa de abraçar uma perspectiva mais comercial é evidente em vários fatores: na mudança de selo, na escolha de Billy Corgan como produtor executivo, na mudança no som – algo rumo a um pop um pouco mais descarado com contaminações indie rock.

McDonald’s é a maior cadeia de restaurantes de fastfood do mundo.

A empresa, avaliada em cerca de noventa bilhões de dólares, fatura cerca de trinta bilhões de dólares a cada ano que passa e conta com um milhão e meio de empregados em suas trinta e cinco mil lojas espalhadas em cento e dezenove países países (mas não em Cuba, Bolívia, Vaticano, Gana, Islândia, entre outros).

South By Southwest é o festival que desde 1987 acontece em março de cada ano na cidade norte-americana de Austin (onde já tive a oportunidade de perambular com a mochila nas costas em 2009 – assunto pra um futuro texto). É considerado uma grande vitrine pra artistas novos e/ou pequenos, assim como o festival inglês The Great Escape (que acontece a cada mês de maio em Brighton, cidade onde eu morei por três anos).

O bafafá começou quando, na quarta-feira, dia 4 de março, Harding postou uma carta aberta na página da banda no Facebook relatando que o McDonald’s primeiro convidou a banda pra tocar e depois alegou não ter previsão pra pagamento de cachê. Uma das maiores empresas do mundo queria retribuir pelo show do Ex Cops com lanche e a tal da grande exposição que uma empresa como o McDonald’s poderia tornar possível pro artista. A banda teve culhões de declinar o convite e vir a público divulgar o episódio.

Um dia depois, a Rolling Stone publicou matéria com a resposta do McDonald’s à carta do Ex Cops e a resposta foi simplesmente “seguimos o mesmo protocolo de outras marcas e empresas, convidando artistas talentosos e emergentes pra juntarem-se a nós no SXSW”.

Pronto, só responderam isso.

A banda desmentiu dizendo que não existe protocolo algum entre marcas e empresas pra fazer artistas se apresentarem em troca de apenas exposição e sem cachê.

Obviamente eu concordo com os quase seis mil usuários do facebook que apoiaram a postagem do Ex Cops e claro que concordo com o Fernando; é ridículo o modo como o McDonald’s se comportou. Claro que as empresas não se aliam a eventos culturais por caridade, pelo contrário, fazem isso pra se aproximar do seu público alvo, pra melhorar a imagem.

Mas, curiosamente, o Ex Cops conseguiu atrair mais atenção com a carta (e trata-se de exposição benéfica, engajada) do que jamais conseguiria se tivesse feito o show. E o Mcdonald’s, por sua vez, saiu perdendo um pouco mais em termos de imagem.

Em seu texto Fernando discorre sobre como é bastante comum no Brasil essa história de tocar sem receber cachê, em troca de exposição ou visibilidade, pra divulgar o som etc.

Ele atribui isso à falta de uma cena consolidada, onde as bandas poderiam circular por “bons palcos” e formar público pra fazer sua arte ser sustentável, gozando de uma mídia crítica, independente e madura. Opina que nem mesmo se a oportunidade for pra tocar em grandes festivais como o Lollapalooza, ou abrindo pra banda gringa de grande porte, essa “visibilidade” seria boa o bastante a ponto de valer a pena tocar de graça – a não ser que o artista em questão use seu livre arbítrio pra levar a coisa toda na diversão etc.

Também diz que as casas com palcos pra bandas novas em São Paulo são conhecidas por dar à banda a incumbência de encher a casa e só pagá-la se isso acontecer. E termina o texto dizendo que esse drama dos artistas não é choro gratuito, afinal só o artista sabe o valor de sua arte.

Concordo que é bastante comum tocar sem receber um centavo na cena independente brasileira, em troca de “visibilidade”. Por onde andei, lá fora, isso de ter sua banda tocando de antemão sabendo que não vai receber valor algum, somente em troca de visibilidade, não é mesmo comum, principalmente no underground, na cena independente.

Lá, as bandas independentes geralmente tocam em lugares pequenos e nem um pouco gourmet (mas geralmente com som satisfatório), porém as bandas sabem de antemão que vão receber de acordo com a bilheteria, ou seja, a maioria das bandas toca por pouco mas quase nunca por nada, tudo depende do público que vier ver o show e pagar o ingresso; o que ao meu ver é muito justo, afinal esses lugares também são independentes. Se a banda não atrair público algum a casa estará vazia e sem o valor dos ingressos e das vendas de bebidas, ambos estarão ferrados. Não existe essa visão de que o show é um favor que a casa está prestando à banda, nem essa visão de que o artista coitadinho é esfolado pela casa malvada, ambos os lados estão no mesmo barco, procurando sobreviver dentro de um etos DIY.

Claro que existem outros cenários, mas estou falando da cena independente. No SXSW é diferente, o SXSW não é assim independente ou DIY, no sentido que eu abordei no meu texto anterior sobre a Sacola Alternativa e abordo agora; no SXSW tem muita gente graúda da indústria da música. E agora inclusive além (McDonald’s, por exemplo).

De acordo com a Forbes nenhum artista recebe mais que 250 dólares de cachê pra fazer um show no SXSW; seria uma das seguintes opções pro artista:
1 – esse cachê simbólico que varia de 100 a 250 doletas;
2 – a pulseira com acesso a todos os shows do festival.

E quer saber? Cerca de 80% dos artistas preferem a pulseira! E todos os artistas devem cobrir seus próprios custos de transporte e acomodação!

A atitude do Ex Cops foi legal, mas antes disso já deveria ter havido outra reflexão (pra um artista que quer ser independente ou adepto do DIY): a partir do momento em que uma empresa como o McDonald’s passa a participar do SXSW valeria a pena tocar ali naquele palco (mesmo se fosse com cachê)?

Concordo que nossa cena é precária. Na real, vejo pouca gente agindo como alguém que quer mesmo ser independente – a maioria se diz independente mas vive tentando conseguir depender de alguém que segure suas pontas e proporcione conforto. Na minha opinião, a cena é assim justamente porque o artista fica esperando que o tal valor de sua arte (que só ele sabe) seja reconhecido e provido por quem quer que seja enquanto ele mesmo nada faz em relação a qualquer outro aspecto dessa mesma cena.

Quando nós, artistas, blogueiros/fanzineiros/jornalistas, donos de casa/loja de disco/selo/webradio, começarmos a ter a coragem de dizer aos amigos e nas redes sociais que gostamos de uma banda local contemporânea na mesma proporção que de uma banda gringa famosa; quando passarmos a sair de casa pra ver shows de bandas locais e pagar sem dó nem vergonha o valor do ingresso assim como se paga pra ver os shows no SESC ou ao trombar os amigos em qualquer bar etc; quando passarmos a ter a coragem de pagar pra fazer o download dos discos desses artistas ou de comprar os discos físicos; quando não tivermos a pretensão de ganhar não sei quantos reais pra fazer um show mas a consciência de que deveremos receber o valor justo pro público que estiver ali assistindo; sem a pretensão de se beneficiar da indústria musical, do esquemão baladeiro da noite e da grande mídia, ou seja do que vem de cima; aí então a coisa pode começar a mudar para melhor e ser independente poderá se tornar uma fonte de trabalho duro sem busca por glamour ou regalia, mas sobretudo uma fonte de orgulho.

Afinal, se nem mesmo os participantes dessa tal cena conseguem gostar das obras dos artistas dessa cena e sentir orgulho dela, que público poderíamos esperar? Não acredito em passe de mágica nem sorte grande nem empurrãozinho de cima… Ao menos não com a liberdade do DIY.

Mas pra que os artistas e demais participantes de uma cena consigam ter a coragem de dizer que gostam da arte ou da iniciativa do próximo e apoiar os outros participantes dessa cena, é preciso que haja tesão, que se goste mesmo do que o próximo faz, senão seria só bajulação. E bajulação é o que há de pior já na cena de hoje.

Estou me referindo a ter a coragem de dizer que gosta do que realmente se gosta. E aí mora outra questão ardida: será que nossa cena seria tão árida a ponto de seus próprios participantes não gostarem de nada a não ser o que eles mesmos fazem (e um ou outro amigo)? Prefiro achar que é uma questão de (falta de) coragem, e não de aridez e insensibilidade.

Numa cena sustentável tem de haver abertura e maturidade pra que qualquer um consiga ouvir crítica, aceitar opiniões e impressões desfavoráveis, sem que isso implique em brigas ou rachas que só causam panelinhas e fragmentação.

Em suma, pra mim o problema da falta de uma cena independente consolidada no Brasil (com esse drama do artista incluso) se deve principalmente a esse tipo de mentalidade que costumo descrever como “à espera de ser descoberto pra deslanchar a carreira e/ou o que vem de fora é sempre melhor e/ou não vou dar boi pra quem não é conhecido na cena e/ou pra quem é conhecido na cena é tapinha nas costas porque sinceridade queima o filme”.

O grande público não deve ser o objetivo mirado por alguém querendo ser independente, o objetivo deve ser o núcleo da cena, composto por quem faz a cena (artistas, blogueiros/fanzineiros/jornalistas, donos de casa/loja de disco/selo/webradio) e o pequeno público que acompanha de perto. Quando esse núcleo estiver coeso, uma cena consegue se consolidar e ser autossustentável. Se depois o grande público vai embarcar ou não, é consequência, e fruto de uma série de fatores, inclusive externos…

Pra mim, o termo indie é apenas a corruptela pra independente, isto é, ser independente nada (ou pouco) tem a ver com estilos ou gêneros musicais, tem sim a ver com o modo como o artista opera, como funciona, como se apresenta perante o público e os meios disponíveis.

No lugar do Ex Cops, eu provavelmente teria feito a mesma coisa, ou seja, teria declinado e escrito uma carta aberta. Não, espera, eu provavelmente nem teria entrado em contato com (ou respondido a um convite de) uma empresa como o McDonald’s pra fazer show.

Se em termos de comida, como empresa no ramo de restaurantes, o McDonald’s já deixa a desejar, imagina pra organizar shows…

Ah, de vez em quando eu como no McDonald’s, mas prefiro o milk-shake de Ovomaltine do Bobs.

Sim, eu deveria me alimentar melhor.

Até a próxima cosmoPOPlitan!
Yeah!

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Comentários

comentários

Um comentário

  1. A grande conclusão deste texto para mim é: para sermos independentes, precisamos ser coerentes.

    Está faltando coerência para desenvolver competência.

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