Um par de semanas atrás, no movimentado grupo Sinewave no caralivro, eu bem que tinha visto um link pra um texto com um título no mínimo pitoresco: “Porque (sic) eu deveria escutar a sua banda?”.
Uma pergunta retórica, vazia, afinal antes de se perguntar o motivo deveria saber que não tem o dever de escutar banda alguma. Me cocei de curiosidade mas eu estava tão corrido com minhas coisas que acabei deixando pra lá.
Hoje me deparei, de novo no grupo da Sinewave, com outro texto do mesmo autor, Marcos Xi, intitulado “(…) Uma geração inteira perdida musicalmente”. E mesmo eu tendo uma porção de coisas para fazer, acabei lendo alguns dos comentários e então fui ao texto.
Marcos tece elogios à qualidade artística e ao esmero da banda Quadro Negro e lamenta que “provavelmente não vai chegar a lugar nenhum (sic)”. Segundo Marcos, “é difícil sair do ponto médio que (sic) eles estão atualmente, apesar do claro esforço que fazem”. No texto, ele diz que tem “observado isso como o mal da nossa geração”.
A seguir, o texto aponta o motivo pelo qual o Mr. Catra decidiu fazer seu projeto de rock com “um som totalmente desalinhado com a música mundial”: (ainda citando Marcos XI) “basicamente porque ele (Catra) não tem mais referencias sonoras brasileiras pra se atualizar e acabou procurando inspiração no último sopro de relevância orgânica do rock br no mainstream“.
Daí pra frente o texto aponta o que seriam as causas desse “problema tão grave”, envolvendo “a mentalidade das bandas, das gravadoras, das rádios, TVs, produtores e tantas outras vírgulas que assusta pensar quando iremos realinhar o mercado da música” (sic).
Pra Marcos, a culpa é da Internet, da “inclusão digital desordenada e acelerada num país com desvalorização cultural forçada pela política, registrada pela retirada gradual de recursos da área, na falta de planejamento e busca de entendimento do mercado”.
Pra Marcos, “o mercado independente sofre um grande inchaço de bandas sem o menor preparo graças a Internet (sic), home studios e facilitação de amostra musical. Não há nenhum tipo de profissionalização para o artista e a forma de se apresentar, viver e se manter; e a qualidade passa a ser o menor dos diferenciais, ganhando status de ‘artsy’ e ‘conceito'”.
Ainda tem mais: “a forma como a Internet entrou nas nossas casas dificultou muito o caminho das rádios e gravadoras, atrapalhando diretamente o investimento em novas músicas, bandas, artistas e carreiras no geral”.
Então, ele cita Marcelo Costa: “como se fala algo inteligente para a massa hoje em dia?”.
O texto termina com Marcos se perguntando quem será o salvador (ou quem serão os salvadores).
Sim, o texto do Marcos Xi acabou assim.
São tantas as coisas que considero equivocadas nesse texto, que fica até difícil escolher por onde começar.
Assim que terminei de ler o texto, deixei cinco comentários, curtos, na sequência, sobre o que eu achava. Marcos se sentiu ofendido e por mais que eu tenha tentado me manter nas questões que o texto dele levantam, não houve jeito, ele seguiu sofista e combativo e eu também não fui capaz de manter uma discussão produtiva; acabei desistindo de tentar escrever as mesmas coisas com palavras diferentes (minha esperança era que ele pudesse parar de direcionar energia em me “vencer” na discussão pra que pudesse se concentrar no que eu estava dizendo).
Proponho a você, leitor, que me avise caso considere ofensivo o que vou escrever a seguir, ok?
Qualquer um é livre pra trabalhar do modo como faz Marcos Xi, isto é, um assessor de imprensa que pretende ajudar seus clientes a se tornarem profissionais, visando a saída do underground e chegando ao mainstream. Isso definitivamente não é a minha praia, mas ok, não tento censurar.
O problema é quando ele tenta atrelar essa postura ao modo de ser independente, como se a tal profissionalização em busca pelo sucesso no mainstream não afetasse a independência desses músicos; ainda mais usando sua condição de jornalista/crítico musical pra tal.
O termo “independente”, quando usado em referência ao mercado da música, quer dizer justamente não dependente de corporações e de agentes do mainstream. O que acontece quando um músico se profissionaliza em busca do sucesso no mainstream é justamente deixar de ser “independente”, afinal esse músico passa a depender de corporações e de agentes do mainstream pra crescer e/ou se manter.
Marcos tentou anular minha argumentação dizendo que pra existir algum músico independente, seguindo minha visão, esse músico deveria construir seus próprios instrumentos e equipamentos, não usar Facebook, Bandcamp e demais plataformas, e manter distância de tudo e todos, praticamente.
Trata-se de um sofisma.
Essa definição, que ele tentou atribuir como sendo minha, me parece mais com o termo “eremita” e nada vejo em comum com a definição de “independente” que eu uso.
Não sou contra o comércio, todos precisamos de dinheiro e é por isso também que existem as empresas. O problema é quando empresas passam a tratar funcionários, fornecedores, produtos, relacionamentos comerciais e público meramente como números, passando de provedor de produtos/serviços pra incentivador de consumismo desenfreado, sem valores que não o dinheiro e o poder decorrente.
Nesse contexto é que uso o termo “corporações”.
E é isso que vejo no mainstream do mercado da música.
Acredito ser possível movimentar dinheiro razoavelmente numa cena independente mantendo princípios humanistas. Logo abaixo, volto nesse assunto.
Marcos Xi argumenta que mesmo tendo se profissionalizado em busca do sucesso no mainstream, o músico que não pensa de “maneira pequena” continuaria sendo “independente”.
E aqui temos outro sofisma, pois além de ser muito claro pra mim que um músico mainstream (que por exemplo faz Faustão ou editais mil etc.) não poderia ser considerado “independente”, o fato de não querer sucesso no mainstream não deveria ser encarado como “baixar a cabeça” ou pensar de “maneira pequena”.
Por que não?
Primeiro porque seja no mainstream ou fora dele, o legado principal do músico é mesmo a música, não o que está ao redor dela. Claro que o músico dependente do mainstream, por ter sido gasto uma grana com produção, divulgação e marketing, tem mais apelo, mas já é claro pra muita gente que ser famoso não é garantia de qualidade artística.
Assim como há músicos famosos (e outros amadores também) que eu considero de péssima qualidade artística, há músicos amadores (e outros famosos também) que eu considero excelentes. E acredito que assim também funcione com os demais.
Sabe o motivo disso ser assim?
Porque cada um de nós vai construindo seu próprio gosto musical de acordo com o grau de satisfação e prazer que determinados artistas nos proporcionam, e isso é único de pessoa pra pessoa, afinal gosto é algo subjetivo.
Tem gente que não gosta de produção polida, que não gosta de marketing, e isso não é necessariamente pensar de “maneira pequena”.
O parâmetro usado para definir a tal “maneira pequena” de pensar não deveria ser (a falta de) fama, glamour, estrutura grandiosa de produção e comercial.
Mas tem mais, não querer sucesso no mainstream não deveria ser encarado como pensar de “maneira pequena” principalmente porque não querer sucesso no mainstream nem sempre é o mesmo que “sou músico amador e encaro isso de fazer música como hobby“.
Pode parecer irreal ou “utópico”, mas tem gente que quer construir um mercado independente – rock – no Brasil (com isso quero dizer “independente” do “mainstream“).
Digo construir porque isso ainda não existe no Brasil, mas seria perfeitamente possível, pois apesar de todas as tentativas por parte do mainstream de massificar e/ou denegrir e/ou elitizar e/ou prestigiar determinados artistas (com motivação em nada relacionada com mérito artístico, apenas comercial), e sim, apesar de muita gente se deixar influenciar pelo mainstream, mesmo assim sempre tem uma minoria (que inclusive pode ser relativamente numerosa e consistente) que vai querer outra coisa, que pode sim gostar de um artista fora do mainstream, que vai querer o lo-fi, o anti-glamour.
Somos induzidos a acreditar que um músico, ou um agente (o pessoal dos selos, blogues/zines, estúdios, lojas, webradios/podcasts, casas/espaços), não teria a capacidade de viver dignamente (pagar suas contas como qualquer trabalhador) fora do mainstream, afinal na enorme maioria dos casos é algo realmente improvável.
Mas tem muita gente que caberia perfeitamente num mercado independente, num mercado alimentado por cenas independentes autossuficientes. Gente de bandas, selos, blogues/zines, estúdios, lojas, webradios/podcasts, casas/espaços…
Acontece que no Brasil eu vejo que a grande maioria tem medo ou mesmo ojeriza ao conceito de comunidade. Sabe, a maioria acha esse conceito bonito mas ele somente é visto como possível nas cenas lá de fora, pois aqui, cada vez que alguém tenta falar a respeito, é taxado de utópico, de provinciano, de comadre, de fake, de “cabeça baixa” (o tal pensar pequeno), de incentivador de oba-oba ou de esmola, de comunista, de formador de panelinha e outras coisas mais.
É como a história das ciclovias em São Paulo…
O primeiro passo para a formação de cenas autossustentáveis, na minha opinião, é todos os agentes dessas cenas, isto é, as pessoas por trás de bandas, selos, blogues/zines, estúdios, lojas, webradios/podcasts, casas/espaços, conseguirem perceber e aceitar que além de agentes (que produzem e trabalham), são também público. Não adianta esperar que o público apareça de fora da cena pra dentro, como mágica, cheio de vontade de consumir o que se produz. Isso não deu certo antes e cheira a enganação. É preciso descobrir-se público pra então formar público.
Marcos Xi tentou anular minha comparação das cenas daqui com as cenas independentes nos EUA e na Europa, que eu pude vivenciar nos oito anos em que morei no exterior, alegando que o texto dele “fala do cenário daqui e todas as particularidades políticas e estruturais daqui. Então não cabe usar de exemplo”. Mas ele claramente faz esse mesmo tipo de comparação quando seu texto advinha as motivações de Mr. Catra e seu “som totalmente desalinhado com a música mundial”…
O que eu vejo como o mal de nossa geração é essa falta de apego e essa necessidade de glamour.
O tal “inchaço” de bandas “sem o menor preparo graças a Internet (sic), home studios e facilitação de amostra musical” que o Marcos Xi aponta como parte do problema, eu acredito ser parte da solução; essas bandas são justamente a cena que temos.
Marcos defende uma estrutura que foi posta em prática por muitos anos (algumas grandes gravadoras oferecendo mordomias pra poucos músicos felizardos enquanto a maioria dos músicos se esfarrapava pra conseguir um lugar ao sol, num esquema pirâmide), mas que não se sustenta mais.
O advento da Internet, do MP3, das plataformas, dos home studios, isso tudo é o que de melhor aconteceu na música nos últimos tempos, porque proporcionou uma janela, uma oportunidade única de democratizar o acesso à produção, à distribuição e ao consumo de música, rumo a uma realidade onde todos com talento e vontade possam lançar e ter sua arte apreciada mas que eles mesmos se reconheçam como público e se sintam orgulhosos de apreciar a arte dos próximos também.
Como seria pra Marcos Xi, assessor de imprensa, caso os artistas passassem a formar público eles mesmos?
Já pensou uma cena onde assessorias e demais atravessadores entre o artista e os patrões do mainstream não tivessem vez?
Uma cena onde o artista e o jornalista e todos os demais agentes (casas, selos, lojas, estúdios etc.) seriam remunerados diretamente pelo público e onde esses mesmos artistas e agentes fariam parte desse público.
Seria lindo. E isso não ia querer dizer que o mainstream seria derrubado numa revolução. O mainstream continuaria lá, atendendo a maioria, ganhando dinheiro, concentrando a renda e as atenções.
Deveria haver espaço pra todo mundo, pra cenas independentes e pro mainstream, mas sem misturar as bolas.
É por conta de “profissionalismos” como esse apregoado por Marcos Xi que eu me orgulho de ser amador.
Há mais de uma forma de se buscar excelência. E mais de um conceito pra excelência.
Os tais salvadores estão bem próximos, demais da conta; só precisam despertar e perceber que devem começar por si próprios.