Era Phil Spector que usava os lados B dos singles pra qualquer bizarrice, pra deixar o lado A em destaque absoluto. Mas nem todo mundo pensava assim. Os artistas, na maioria das vezes, usavam o espaço pra ousar, inventar e tentar capitalizar em cima da promoção do lado A.
É uma lógica que o tempo tratou de deixar de lado, por conta dos avanços tecnológicos. Será que as novas gerações, principalmente as nascidas no novo século, têm ideia do que se trata?
Excetuando-se aquelas pessoas que de alguma forma ainda prezam o vinil como mídia, milhões não fazem a menor ideia de como é (e até mesmo pra quê) virar o disco. A era dos singles em vinil “morreu” com a chegada do CD (que não precisa virar de lado), que por sua vez “morreu” com a chegada do MP3 e do streaming.
Pois houve uma época em que na estratégia de divulgação de um álbum, retirava-se uma canção com maior potencial de execuções em rádio e televisão, e consequentemente de vendas, e lançava-se um produto mais barato: uma “música de trabalho” de um lado, uma ou duas “tapa-buraco” do outro, e uma estampa de preço mais acessível. O início do rock se fez assim e assim perdurou até o começo da década de 1990.
Não que hoje não existam mais os singles. É só que a estratégia mudou. Agora, solta-se na Internet, faz-se um vídeo e publica-se no YouTube, os sites, blogues e revistas eletrônicas pulverizam a informação. Não há mais o “outro” lado pra preencher, nem pra ousar, nem pra surpreender.
Sim, porque ao preencher o “outro lado”, muitos artistas acabavam surpreendidos com um sucesso inimaginável. Seja porque o DJ da rádio se engraçou com o lado B e tocou-o, a despeito do lado A; seja porque a letra do lado A se mostrou comercialmente não aceitável e partiu-se pro lado B na promoção; seja porque o lado B realmente era comercialmente mais viável; volta e meia acontecia uma reviravolta, pra alegria de todos.
As exceções que fizeram alguns lados B um sucesso incentivaram promoções de duplos-lados A, muito usados pelos Beatles e Rolling Stones, que carregavam músicas de sucesso em ambas as faces do pequeno vinil, e por outros artistas, que chegaram a promover dois álbuns com um mesmo disquinho, como aconteceu com o Kraftwerk em 1981, que colocou “Computer Love” num lado, pra promover “Computer World”, e “The Model” no outro, pra repromover o disco anterior, “The Man Machine”, de 1978.
Com o fim da tática, o tempo tratou de colocar a distância certa pra uma análise de importância no universo pop de algumas canções que se tornaram exceções: lados B que se acabaram mais importantes (não necessariamente melhores, porque isso é uma questão de gosto) que seus protagonistas no lado A. Aqui estão dez exemplos. Existem muitos outros mais. É só pesquisar – uma pesquisa simples – e, se quiser, deixe sua dica aí nos comentários.
Aqui no Floga-se, sempre preferimos os lados B (bandas subterrâneas, discos esquisitos, músicas estranhas). Já que todo mundo só olha pro lado A da produção musical, algumas pessoas têm que dar espaço pros lados B. É divertido. E é provável ainda que o tempo acabe pinçando obras tão especiais quanto essas abaixo. Tomara.
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THE ROLLING STONES: “YOU CAN’T ALWAYS GET WHAT YOU WANT”
Lado A: “Honky Tonk Women”
Disco: “Let It Bleed”
Ano: 1969
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THE SMITHS: “HOW SOON IS NOW”
Lado A: “William, It Was Really Nothing”
Disco: “Hatful Of Hollow” e “The Meat Is Murder”
Ano: 1984
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BILL HALEY & HIS COMETS: “(WE’RE GONNA) ROCK AROUND THE CLOCK”
Lado A: “Thirteen Women (And Only One Man In Town)”
Disco: “Rock Around The Clock”
Ano: 1954
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DONNA SUMMER: “I FEEL LOVE”
Lado A: “Can’t We Just Sit Down (And Talk It Over)”
Disco: “I Remember Yesterday”
Ano: 1977
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THE BEACH BOYS: “GOD ONLY KNOWS”
Lado A: “Wouldn’t It Be Nice”
Disco: “Pet Sounds”
Ano: 1966
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THE RIGHTEOUS BROTHERS: “UNCHAINED MELODY”
Lado A: “Hung On You”
Disco: “Just Once In My Life”
Ano: 1965
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PRIMAL SCREAM: “VELOCITY GIRL”
Lado A: “Crystal Crescent”
Disco: Não saiu em nenhum disco oficial
Ano: 1986
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GLORIA JONES: “TAINTED LOVE”
Lado A: “My Bad Boy’s Comin’ Home”
Disco: Não saiu em nenhum disco oficial
Ano: 1964
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GENE VINCENT AND HIS BLUE CAPS: “BE-BOP-A-LULA”
Lado A: “Woman Love”
Disco: Não saiu em nenhum disco oficial
Ano: 1956
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THE BEATLES: “I AM THE WALRUS”
Lado A: “Hello, Goodbye”
Disco: “Magical Mystery Tour”
Ano: 1967
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