Lloyd Cole nasceu em Buxton, uma cidadezinha de vinte mil habitantes no norte da Inglaterra. Só com vinte anos foi pra Glasgow, Escócia, depois de estudar Direito por um ano, pra cursar Filosofia. Seria ali que encontraria Blair Cowan (teclado), pra, em dois anos (1983), resolver ser músico profissional.
Nascia o Lloyd Cole & The Commotions. Aos dois juntavam-se Neil Clark (guitarra), Lawrence Donegan (baixo) e Stephen Irvine (bateria). Surgia uma das bandas mais elegantes da história, um filhote de classe do Roxy Music – não musicalmente, e sim no estilo, no garbo.
Ok, Lloyd Cole era um jovem bonitão, imponente, mas não era um Bryan Ferry, nem se inspirava nele. Tinha mesmo era os ouvidos voltados pra Bob Dylan, de quem buscou inspiração pra compor – e o primeiro single do grupo, “Perfect Skin”, de 1984, vinha daí: “se eu jamais tivesse ouvido ‘Subterranean Homesick Blues’ nunca escreveria ‘Perfect Skin'”, disse.
E completou: “nos dois anos anteriores ao LP eu escutei um monte de Bob Dylan fase metade-final-dos-1960, e algumas das canções estavam definitivamente beirando o pastiche, liricamente, eu digo, não musicalmente. Eu sempre levava Bob Dylan como um critério a ser seguido. Se eu consegui uma vaga comparação com as letras de Bob Dylan desse período, então eu acredito ter feito algo de bom”.
Logo no início, Lloyd Cole já era identificado pelas boas letras, acima da baixa média que o pop e o rock sempre apresentam. Nela, havia citações de autores famosos, de obras que a crítica amava, e de filmes antigos. Mas ele admite nunca ter lido algumas dessas referências, até o momento, como Truman Capote ou Normam Miller, apesar dos entusiastas de primeira hora apontarem semelhanças. “É difícil escrever letras concisas na música pop sem ser banal. O Style Council escreveu ‘when are you gonna find the strength in your nature’ (em ‘Strength Of Your Nature’, single do disco ‘Café Bleu’, de 1984) – e essa é uma tentativa terrível de ser conciso”, ele disse, em entrevista de 1985.
Ele preferia ser conciso assim: “At the age of ten she looked like Greta Garbo and I loved her”, em “Perfect Skin”. Funcionou perfeitamente pra uma época de nascimento dos new romantics que sucederam os punks “sujos e mal vestidos”. Essa turma mais letrada e “cabeça”, de Lloyd Cole, Aztec Camera e Prefab Sprout, se destacava. Lloyd Cole parecia ideal naquele cenário.
Já em agosto de 1984, a banda assinava com a Polydor. Em maio, “Perfect Skin” já alcançava o número vinte e seis da parada britânica. A música, junto com “Forest Fire”, foi escrita em um final de semana.
“Rattlesnakes”, o disco, sairia em outubro do mesmo ano, já com a banda causando empolgação na imprensa britânica com dois singles – “Forest Fire”, sairia em agosto e galgaria boa posição na parada.
O trabalho todo foi composto em um mês no estúdio The Garden, de propriedade do ex-vocalista do Ultravox, John Foxx. Paul Hardiman produziu (e ele havia produzido outra pérola pop, “Soul Mining”, do The The, de 1983) e o processo todo fluiu de forma fácil, sem atritos, sem desavenças, sem empecilhos criativos. O bom clima se reflete em todo o disco.
Quase todas as quatorze músicas da sessão, incluindo uma readaptação de “Perfect Skin” e “You Will Never Be No Good”, foram escritas apenas por Lloyd Cole, exceto a faixa-título e “Are You Ready To Be Heartbroken?” (ambas com Neil Clark), “Four Flights Up” (com Lawrence Donegan) e “Patience” (com Blair Cowan). Lloyd Cole já se destacava como um grande compositor.
O disco é tido como uma das mais perfeitas estreias da história. Dos anos 1980, sem dúvidas. O Courier Mail escreveu sobre: “dez canções pop quase perfeitas. A banda proporciona o tipo de configuração de folk-rock onde não há uma nota que pareça fora do lugar. Felizmente, o produtor Paul Hardiman teve o bom senso de capturar toda a exuberância juvenil da banda sem essas loucuras de gravação da moda que apresentam tantos registros daquela época, como teclados pasteurizados”.
É radiante a leveza de “Speedboat”, “Down On Mission Street” e “Charlotte Street”; é empolgante o country inocente de “Four Flights Up”; são tocantes o dedilhado de “2CV” e a batida chorosa que nos questiona “Are You Ready To Be Heartbroken?”.
Apesar de hoje Lloyd Cole se dizer envergonhado da ingenuidade de algumas músicas, como o refrão de “Rattlesnakes” que diz “she looks like Eva Marie Saint in On the Waterfront / she reads Simone de Beauvoir in her American circumstance”, não há como negar que são versos que escapam da obviedade juvenil da época. E é essa junção de pseudo-intelectualidade, austeridade pop, leveza, senso de comunhão da banda, elegância e canções pop assoviáveis e acessíveis que faz do disco algo sublime raramente alcançado na esfera pop.
De fato, ele não deveria se envergonhar de nada que vem desse disco.
Ouça na íntegra:
O LP original saiu com dez faixas. Mas seis meses depois de lançado, aproveitando a nova mídia que aparecia no primeiro mundo, “Rattlesnakes” surgiu também em CD, com mais quatro faixas, todas lados B de singles prévios ao álbum. Lançar “Rattlesnakes” em CD em 1985 (uma mídia cara) dava com clareza a visão que a gravadora tinha do produto: era pra gente madura, não pra molecada.
A Geffen Records, detentora dos direitos da obra nos Esteites, lançou o disco com três músicas com remixagem de Rik Ocasek, do The Cars: “Perfect Skin”, “Four Flights Up” e “Patience”. A capa também era diferente (não lembra a de “Darklands”, do The Jesus & Mary Chain, de 1987?). É essa a versão que saiu no Brasil, em 1985, pelas mãos da Polygram.
Na capa original, há uma foto do fotógrafo Robert Farber, escolhida pelo estúdio de design Da Gama, a partir de um banco de imagens (veja abaixo). A Da Gama foi responsável por capas como do “Nocturne” (1983) e “Hyenna” (1984), da Siouxsie And The Banshees.
Depois de “Rattlesnakes”, o Lloyd Cole & The Commotions lançou apenas mais dois discos, antes de Lloyd Cole se lançar numa não tão aclamada carreira solo: “Easy Pieces”, em 1985, que tem, pra mim, uma das cinco músicas mais bonitas do pop em todos os tempos, “Perfect Blue”, além de “Lost Weekend” e “Brand New Friend”; e “Mainstream”, em 1987, com a magnífica “Jennifer She Said”. Os dois discos carregam a mesma classe do álbum de estreia, mais fizeram mais sucesso, chegando às quinta e nona posições nas paradas de álbuns da Inglaterra, respectivamente.
Entretanto, passados mais de trinta anos do seu lançamento, é “Rattlesnakes” que sobrevive altivo ao tempo. Não empenou ou empoeirou nem um pouco – os outros dois discos possuem uma faixa ou outra que o ouvinte não se importa e não se arrepende de pular. “Rattlesnakes” está limpo, lustroso, brilhante como sempre.
Elegância, ao contrário da estampa, não envelhece.
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Lloyd Cole & The Commotions em “Rattlesnakes” é:
Lloyd Cole (vocal e guitarra)
Neil Clark (guitarra)
Blair Cowan (teclado)
Lawrence Donegan (baixo)
Stephen Irvine (bateria)
Ann Dudley (arranjos de cordas)
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Álbum – Rattlesnakes
Lançamento – 12 de outubro de 1984
Gravadora – Polydor
Tempo total – 35 minutos e 59 segundos
Produção – Paul Hardiman
VERSÃO ORIGINAL
01. Perfect Skin
02. SpeedBoat
03. RattleSnakes
04. Down On Mission Street
05. Forest Fire
06. Charlotte Street
07. 2CV
08. Four Flights Up
09. Patience
10. Are You Ready To Be Heartbroken?
VERSÃO DO CD (lançado em abril de 1985)
11. Sweetness (lado B de “Rattlesnakes”)
12. Andy’s Babies (lado B de “Forest Fire”)
13. The Sea And The Sand (lado B de “Perfect Skin”)
14. You Will Never Be No Good (lado B “Perfect Skin”)
Depois dos Smiths, é meu grupo de rock favorito