A história imputaria ao ano de 1991 grande importância pra música jovem. Um ano como poucos. Foi nesses doze meses em particular que o mercado recebeu uma lista extensa de discos impressionantes: “Bandwagonesque” (Teenage Fanclub), “Apocalypse 91…The Enemy Strikes Black” (Public Enemy), “Temple Of The Dog” (Temple Of The Dog), “Make A Jazz Noise Here” (Frank Zappa), “Just For A Day” (Slowdive), “Screamadelica” (Primal Scream), “Badmotorfinger” (Soundgarden), “Blood Sugar Sex Magik” (Red Hot Chili Peppers), “Achtung Baby” (U2), “Arise” (Sepultura), “Ten” (Pearl Jam), “Spiderland” (Slint) e, claro, “Loveless” (My Bloody Valentine) e “Nevermind” (Nirvana).
Com uma concorrência dessas, é compreensível que as pessoas tenham “se esquecido” de uma pérola como o “God Fodder”, do Ned’s Atomic Dustbin.
A banda começou engatinhando no final da década de 1980, começo da 1990, quando lançou três singles arrebatadores: “Kill Your Television”, “Until You Find Out” e, do EP “The Ingredients”, “Green Cell Grey”. Todos pelo importante Chapter 22, selo que tinha no currículo gente como The Mission, The Wild Flowers, Loop, Suicide, The Pastels e obviamente o Pop Will Eat Itself.
Clipe oficial de “Kill Your Television”:
Clipe oficial de “Until You Find Out”:
O Pop Will Eat Itself era uma banda de Stourbridge (perto de Birmigham, Inglaterra), a mesma cidade onde se encontraram Dan Wharton, Alex Griffin, Mat Cheslin, Gareth “Rat” Pring e Jonn Penney pra formarem o Ned’s Atomic Dustbin, em 1989. O NAD se inspirou na banda de Clint Mansell, Miles Hunt e Graham Crabb, que começou fazendo barulho em 1981, mas virou Pop Will Eat Itself de fato apenas em 1986, e misturava eletrônica e grooves com punk, embalando tudo numa maçaroca que acabou sendo conhecido como “movimento grebo”.
“Grebo” foi um termo inventado pelo PWEI – e citado em várias músicas do grupo – que gerou uma cultura de rua, industrial (pela região da Inglaterra), e incluía desde longos dreadlocks em cabeças parcialmente raspadas até roupas largadas, que misturavam jaquetas de couro, jeans largos (baggy) ou bermudas coloridas e, veja só, camisas quadriculadas parecidas com as do grunge.
Ao contrário dos jovens depressivos de Manchester (com exceção do Happy Mondays e do Stone Roses, claro), os filhos da vida industrial dos arredores de Birmingham (a segunda mais importante e rica cidade da Inglaterra) não eram introspectivos – eram desiludidos, sim, sem perspectivas estimulantes de vida, mas um tanto mais seguros de si. Eles usavam as ruas pra expressões artísticas ou esportivas variadas, e trocaram a escuridão e o baixo astral por muitas cores, estética vista nas capas dos álbuns, nos clipes e nas roupas. Era reflexo do quanto eles se lambuzavam com drogas sintéticas.
Nesse “movimento” (entre aspas porque, de fato, não foi nada arquitetado ou levado a sério como tal) acabaram incluídas bandas como Jesus Jones, Carter The Unstoppable Machine e o Ned’s Atomic Dustbin. Todas tinham, ao menos, sonoridades bastante parecidas, com grandes doses de hip hop, pop, rock, punk e “cultura de rua”.
Clipe oficial de “Grey Cell Green”:
A New Music Express logo percebeu o fervor que vinha do lado oeste da Inglaterra e foi insuflando o movimento. O barulho em torno dessas bandas foi crescendo. Tanto que o PWEI conseguiu um contrato com a RCA e lançou os dois primeiros discos, “This Is the Day…This Is The Hour…This Is This!”, em 1989 (da sensacional “Def.Con.One” e do hit “Can U Dig It?”), e “Cure For Sanity”, em 1990, com supervisão do estimado produtor Flood, responsável por sucessos de crítica e público do Depeche Mode, U2, Nick Cave, Erasure, Ministry, Nine Inch Nails e muitos outros.
Era óbvio que bandas com sonoridade parecida ganhariam uma chance na cola desse sucesso. O Ned’s Atomic Dustbin já estava pronto. Mas o selo Chapter 22 não conseguiu distribuição satisfatória pros três singles/EPs da banda, e mesmo assim ele bateram em boas posições nas paradas inglesas (“Kill Your Television” foi ao número 53, e “Until You Find Out”, ao 51). O sucesso não foi maior por conta da falha de distribuição. A banda sabia disso. A Sony também, e acabou oferecendo um contrato de distribuição vantajoso, a ponto dos Neds (como os fãs chamavam o grupo) poderem lançar-se pelo seu próprio selo, o Furtive, com estrutura de divulgação e distribuição da Sony. Um belo negócio, de fato.
A liberdade criativa que vinha embutida em tal contrato rendeu o primeiro single, “Happy”, e o resultado foi um número 16 na parada de singles, a posição mais alta que a banda atingiu. Era março de 1991. “God Fodder” já estava pronto: viria à tona em maio do mesmo ano, do jeito que a banda queria fazer, sem intervenções.
Clipe de “Happy”:
A cena que se segue é de clipe de filme: flashes, capa de revista (NME), apresentações no Tops Of The Pops, vídeos na MTV (a primeira geração que soube explorar com naturalidade as vantagens do videoclipe, após os oitentistas criarem o modelo), disco lançado nos Esteites. Tudo parecia dar certo e os cinco integrantes tinham em média 18, 19 anos.
O que diferencia o Ned’s Atomic Dustbin é uma curiosa característica. Os Neds tinham dois baixistas, um tocando a linha da canção e outro… bem, o outro fazia a loucura que tinha que fazer. De fato, isso ajudava nos graves, o que funciona bem pra volumes bem altos, nas pistas de dança, nos shows, mas com o passar do tempo, os Neds acabaram ficando conhecidos como “aquela banda de dois baixos”, o que não é nada original e é uma definição bastante injusta e preguiçosa.
A energia dos shows, ideal pras necessidades juvenis de desabafo e explosão, os hits sucessivos que emergiram de “God Fodder”, além dos singles já citados, como “Less Than Useful”, “Selfish” (que começa com o sampler de um diálogo do filme “Duro De Matar”, de 1988; a fala é de Reginald VelJohnson), “Throwing Things”, “Capital Letters” e “Nothing Like”, fizeram o disco chegar ao número 4 da parada de álbuns da Inglaterra.
Os tempos pré-explosão total do grunge indicavam alguma coisa e essa coisa ficaria bem clara com o lançamento de “Nevermind”, seis meses depois, em 24 de novembro: nunca, desde o punk, os jovens se viram diante de tantas opções de vozes pra dizer e cantar o que lhes era caro, mesmo que a mensagem em si pouco importasse – o som é que era vital.
O Ned’s Atomic Dustbin lançaria só mais dois discos, “Are You Normal?”, em 1992, que fez ainda mais sucesso nos Esteites do que “God Fodder”; e “Brainbloodvolume”, em 1995, quando a graça havia acabado. A banda, pois, se separou em 95.
Apesar de algumas tentativas frustradas de volta nos dez anos seguintes, foi apenas em 2008 que a formação original tornou a se reunir pra apresentações ao vivo. Em 2013, a banda tem três importantes apresentações marcadas com grande procura. Mas todos os integrantes já passaram dos quarenta, bem como seus fãs. A magia certamente não é mais a mesma.
Porém, “God Fodder” continua sendo uma celebração, mesmo com sabor de memória, saudosismo – homenagem a uma época que mudou a música e o comportamento jovens pra sempre.
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Ned’s Atomic Dustnin é:
Dan Wharton (bateria)
Alex Griffin (baixo)
Mat Cheslin (baixo)
Gareth “Rat” Pring (guitarra)
Jonn Penney (vocals)
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Álbum – God Fodder
Lançamento – 14 de maio de 1991
Gravadora – Furtive/Sony/Columbia
Tempo total – 40 minutos e 41 segundos
Produção – Jessica Cocoran e Ned’s Atomic Dustbin
LADO A
1. Kill Your Television
2. Less Than Useful
3. Selfish
4. Grey Cell Green
5. Cut Up
6. Throwing Things
LADO B
1. Capital Letters
2. Happy
3. Your Complex
4. Nothing Like
5. Until You Find Out
6. You
7. What Gives My Son?
Que tempos, cara, que tempos
Conheci o Ned’s Atomic Dustbin através do programa Labo B, da MTV. Em 1993, estava numa loja de discos de Ipatinga/MG garimpando algo pra comprar. Eis que encontro ‘God Fodder’ perdido entre dezenas de vinis com temas de novela. Foi como se o gênio saísse da lâmpada e me concedesse um pedido.