DISCOS (POP) PERDIDOS #5: SIGUE SIGUE SPUTNIK – FLAUNT IT

“A maior armação da música nos anos 1980”: essa pode ser uma feliz definição do Sigue Sigue Sputinik. Mas ela é equivocada, porque a história não é bem assim. O SSS era o veículo pra um cara muito esperto ganhar um bom dinheiro, mas tinha um teor artístico – discutível, mas tinha. Deu certo. Eram anos yuppies, o dinheiro era uma espécie de deus superior, a sociedade à época não só não escondia isso, como encorajava o “ganhar dinheiro acima de tudo”.

Em 1982, o baixista Tony James, ex-parceiro de Billy Idol no Generation X, já era um punk daqueles muito bem enturmados e com intenções pouco punks, por assim dizer, se questionando como encher o bolso com aquela ideia toda do movimento. Cabelos espetados, integrou em 1975 a London SS, banda que tinha Mick Jones e Terry Chimes (que formariam o The Clash) e o guitarrista Brian James (do The Damned).

Por isso, quando em 1981, após o terceiro disco do Generation X, “Kiss Me Deadly”, Bill Aucoin, ex-agente do Kiss e que havia conseguido o emprego graças a James, levou Billy Idol pra Nova Iorque, a fim de que ele gravasse um disco solo, Tony James se viu sem lenço, nem documento – e traído. Era chegada a hora de fazer alguma coisa diferente. Alguma coisa especial, que desse grana de verdade.

Quando ouviu o single que Idol havia acabado de lançar, “White Wedding”, e viu o estouro que foi, prometeu a si próprio que faria “algo espetacular”, mas não seria outra banda punk. Mas o quê? A resposta, curiosamente, estaria numa banda um tanto punk, a Suicide, que havia adicionado à fórmula elementos eletrônicos, em especial na longa e hipnótica “Frankie Teardrop”; e numa pós-punk na essência, PIL, com seu “Metal Box”, de 1979. Sim, a resposta estava ali.

James chegou a se encantar com Andrew Eldritch e seu The Sisters Of Mercy ao vivo, a ponto de chamar Eldritch pra integrar a banda que imaginava. Eldritch, obviamente, tinha planos audaciosos pra sua própria criação, mas ambos ficaram amigos de tal maneira que James viria a tocar baixo no terceiro disco do Sisters, “Vision Thing”, de 1990.

Mesmo conhecendo gente influente (ou que viria a ser alguém), Tony James teve que apelar pra Melody Maker pra recrutar o guitarrista: foi nas páginas de classificados do periódico que encontrou Neal Withmore, ou Neal X. Mas ainda precisava de um vocalista. Juntos, foram atrás de um. Numa loja de roupas, a YaYa, acharam Martin Degville, um maluco que chegou a dividir o apartamento com Boy George por um bom tempo.

Os primeiros ensaios não tinham baterista. O trio usava uma bateria eletrônica 808 pros coveres de clássicos dos anos 50 turbinados com a drum machine. Embora não houvesse canções ainda, é possível notar o som que viria a ser o Sigue Sigue Sputnik.

Seu bom trânsito pelo meio permitiu que logo conseguisse um show, abrindo pra Johnny Thunders (do New York Dolls)… em Paris! Saíram da Inglaterra sem um baterista e sem muito o que mostrar, a não ser as roupas extravagantes desenhadas pelo próprio Degville e pela namorada de James, Magenta DeVine. O baterista dessa primeira apresentação era o da banda de Thunders. Na volta à Inglaterra, na falta de um único baterista, Tony James juntou logo dois, Ray Mayhew e Chris Kavanagh, que fizeram um catadão de sobras de peças na bateria do The Clash pra montar o kit particular do SSS.

Rob Hallet, o agente original do Generation X, é que arrumou os primeiros shows da banda, em universidades. O grupo, nessa época, chamava-se The Hot Dogs e três desses shows foram abrindo pro New Model Army. Eles, realmente, precisavam de um novo e impactante nome. O batismo veio de uma reportagem do Herald Tribune sobre Fagin, um russo de 23 anos que comandava uma gangue de rua em Moscou envolvida com lavagem de dinheiro e outros delitos leves. O nome da gangue: Sigue Sigue Sputnik. Curiosamente, nas Filipinas, havia uma gangue de motociclistas bastante violenta que também se chamava Sigue Sigue Sputnik.

Mick Jones, do Clash, deu de presente de aniversário a Tony James um sintetizador PRO1, que podia ser conectado à bateria 808. James foi aos Esteites acompanhar o Clash em turnê com o The Who, deixando como incumbência a Degville e X a criação de algo. Era um teste pra ver se aquilo tudo era uma brincadeira ou se ia pra frente. Na volta, surpresa: a dupla havia criado as bases pras letras já escritas por James. Assim nasceram “Love Missile F1-11”, “She’s My Man” e “Teenage Thunder”.

Ouça “Love Missile F1-11”:

“‘She’s My Man’ era na verdade uma faixa dub e ‘Teenage Thunder’, a mesma faixa, mas com o sequenciador acidentalmente tocado de trás pra frente. Elas tinham a mesma velocidade, 192 BPM. De novo, os efeitos dub foram criados por conta das limitações do estúdio portátil que só permitia os ecos de vocais ou de guitarra um de cada vez”, disse Tony James, no site oficial do grupo. Musicalmente, era isso que dava graça à banda.

Mas o negócio do grupo era colocar a visão de marketing de James pra rodar. O grupo adicionou algumas garotas estilosas, fez por conta própria umas camisetas que venderam como água na YaYa (até Billy Idol, sem saber do que se tratava, comprou uma), e, claro, prevendo o que era importante pros próximos anos, fez um vídeo com suas músicas, roupas e atitude. A EMI ficou de joelhos quando viu. Pra colocar as mãos naquele filme, teve que assinar e dar uma grana pro SSS entrar num estúdio apropriado.

Mas antes disso, a banda ganhou nota entusiasmada numa resenha de show na New Music Express e já começava a ser disputada a tapa pelas grandes gravadoras londrinas. Os primeiros shows eram uma loucura só. Os cartazes emulavam Cramps, Kubrick, “Sexta-Feira 13”; os cabelos e as roupas, a maquiagem, o estilo agressivo contrastando com a eletrônica das músicas; as letras falando de guerra atômica, espaço sideral, propaganda etc.; tudo parecia novo e suculento demais comercialmente.

Grande parte da ideia de que o Sigue Sigue Sputnik era uma “armação” veio desses bastidores, dessa movimentação por espaço na mídia que Tony James cavou. Criar o próprio hype era a forma de cavar um contrato. Ao assinar com a EMI, ele nada fez pra desmentir a matéria do Sunday Times que disse que o valor girava em torno de seis milhões de dólares. Era mentira, mas por que não sustentá-la?

Com tudo, a banda pediu que o disco fosse produzido por Giorgio Moroner, um “gênio”, segundo definição de Tony James, que confessou ao produtor adorar “I Feel Love”, de Donna Summer. As gravações foram rápidas e Moroder alternava Sigue Sigue Sputnik com a trilha de “Top Gun – Ases Indomáveis”, que rolava no estúdio ao lado. Praticamente tudo ficou a cargo de Moroder, afinal a banda era amadora e só James tinha de fato experiência de estúdio, mesmo que uma experiência, por assim dizer, punk.

Mas na hora que o álbum chegou às mãos da banda… decepção. Tony James achou o resultado fraco, frustrante. Ele e Neal X foram pra Los Angeles, ao estúdio de Moroder, refazer tudo. James gravava frases de pessoas desconhecidas com o intuito de colocar no disco, incrementar, preencher os espaços – o que deixava doidos os advogados da EMI.

Pior, depois do segundo corte pronto, Tony James teve a ideia de fazer como o The Who, em “The Who Sell Out”, de 1967: colocar nas entre-faixas comerciais de verdade. Alguns eram reais, outros não (veja a lista abaixo, nos créditos do disco).

O fato é que “Flaunt It” (ou “ostente”, um nome bastante apropriado) era um produto perfeito pra aquela época.

Puxado pelo sucesso de “Love Missile F1-11 (que chegou ao terceiro lugar nas paradas britânicas) e pelo segundo single “21st Century Boy” (que vendeu mais de cem mil cópias), “Flaunt It” fez boa carreira, ficando seis semanas entre os mais vendidos e chegando ao número dez da parada – e ganhando disco de platina no Brasil, fato que fez a banda homenagear o Rio de Janeiro no disco seguinte, com “Rio Rocks!”. Aparecer na trilha de “Curtindo A Vida Adoidado”, na voz de Ferris Bueler, um clássico do cinema adolescente, ajudou um bocado.

Ouça “21st Century Boy”:

Mas a crítica odiou. Na Inglaterra, “Flaunt It” foi recebido com frieza. A exposição maciça que o Sigue Sigue Sputnik conseguiu por conta da moda, do visual, dos cabelos, das entrevistas, fez com que o produto se desgastasse em dois anos. A banda era vítima da própria causa irônica defendida: música é visual, é estilo, mas também é arte, canções.

Curiosamente, Tony James, depois de três mixagens, sentiu que “Flaunt It” não ficou a altura de seu desejo, e resignou-se. A turnê de divulgação não foi o estouro que imaginava, mas a EMI ganhou um bom dinheiro com o disco – a banda, nem tanto.

No final das contas, Tony James se mostrou consciente do que queria e, mão à palmatória, nem era exatamente por dinheiro: “nossas atitudes levavam a crer que era tudo por dinheiro, tudo por um bom negócio, mas a triste realidade é que naquela época e ainda hoje quem ganhou dinheiro mesmo foi a EMI. Todos nós recebemos a mesmíssima soma – insignificante, considerando o sucesso que tínhamos na época, e eu não recebi um centavo a mais do que ninguém, até hoje”.

Mas o disco é realmente ruim, salvo uma ou outra canção memorável, como “Love Missile F1-11”, “Rockit Miss U.S.A.” e “21st Century Boy”, com suas batidas retrô, meio oito-bit, e principalmente por “Atari Baby”, uma canção em parceria com Moroder e a mais brilhante música do disco.

No bojo, apresenta solos bregas de guitarras, samplers deslocados, vocais forçados e uma sensação de que foi planejado como desculpa pra compor base pro produto principal, a própria banda. Nem a capa, mais uma ideia de Tony James, que colecionava uns robôs japoneses e queria que a arte remetesse a mangás, sobreviveu ao tempo.

“Flaunt It”, porém, tem lá seus méritos. O principal dele é antecipar em vinte anos a tendência dos anos 2000, de colocar no mercado produtos passageiros, fugazes, que no fim não valem nada, mas divertem.

Ouça “Atari Baby”:

Sigue Sigue Sputnik é:
Chris Kavanagh (bateria)
Ray Mayhew (bateria)
Yana Ya Ya (programação)
Neal X (guitarra)
Tony James (guitarra e baixo)
Martin Degville (vocais)

Álbum – Flaunt It
Lançamento – 15 de março de 1986
Gravadora – EMI Records
Tempo total – 41 minutos e 46 segundos
Produção – Giorgio Moroder

LADO A
1. Love Missile F1-11 (Re-Recording Part II)
(propaganda: Tempo Magazine)
2. Atari Baby
(propaganda: Network 21)
3. Sex-Bomb-Boogie
(propaganda: Pure Sex)

LADO B
1. Rockit Miss U.S.A.
(propaganda: The Sputnik Corporation
2. 21st Century Boy
(propaganda: ID Magazine)
3. Massive Retaliation
(propaganda: The Sigue Sigue Sputnik Computer Game
4. Teenage Thunder
(propaganda: Studio Line From L’Oreal)
5. She’s My Man
(propaganda: EMI Records)

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Comentários

comentários

2 comentários

  1. nunca ouvi falar desta banda louca, e olha que ja fui antenado pacas em punk, quando ouvi achei sigue sigue sputnik genial, a frente do tempo, pra epoca foi um fiasco, hoje em dia algo foda pra se ouvir, considere uma banda cult.

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