EDITORIAL – O FLOGA-SE É CONTRA O GOLPE

Um site de música (bem pequeno, ainda por cima) talvez não tenha muito a ver com a bagunça protagonizada pela classe política brasileira. Mas tem. E, como qualquer pessoa nascida no Brasil, diante da gravidade e da importância do tema, deve se posicionar. O Floga-se se posiciona contra o golpe em curso, o golpe que quer depor a presidente Dilma Rouseff. E é veemente nesse posicionamento.

Reside sobre mim uma incoerência: se há governo, sou contra, já de cara, de partida. Não apoio nenhum governo, nenhum governante, embora tenha admiração por alguns – Dilma não está estre eles, apesar de eu respeitar enormemente sua trajetória de luta e vida. Voto por afinidade, ou contra aqueles cuja ideia de sociedade desprezo.

Normalmente, são esses xaropes que têm coragem de versar contra minorias e contra desprovidos de direitos. Xaropes assim não podem chegar ao poder. Daí, voto em quem batalha contrariamente a eles e que olha por minorias e desprovidos de direito.

Não sou de nenhuma minoria: homem, branco, classe média alta, tive oportunidades muitas na vida, graças aos meus pais, avós, irmãos e amigos. Se falhei na vida, o problema foi de incapacidade minha, não de oportunidades. Não é o caso da maioria dos brasileiros pobres, negros, das mulheres, do movimento LGBT e por aí vai. Historicamente nunca se olhou por eles, ou pouco se olha, ou – pior – muito se luta pra alijar-lhes o pouco que conquistaram.

Daí que voto. Mas, contraditoriamente, se há governo, sou contra. Mesmo sabendo que governos é que fazem essas políticas públicas de inclusão. Sem governo, não há inclusão, porque a “iniciativa privada”, afora movimentações de filantropia que apaziguam o coração, se lixa pra quem já não tem direitos e oportunidades.

Nas últimas quatro eleições, apesar de eu não ter votado nos vencedores em primeiro turno (no caso de Dilma, nem no segundo), deu uma certa tranquilidade em saber que ao menos havia algumas políticas nesse sentido.

A contrapartida, pelo visto, foram os seguidos escândalos de corrupção. Sem ingenuidade, é preciso compreender que provavelmente ninguém se elege sem vender a alma ao diabo. Não no nosso sistema político-eleitoral. Tenho pra mim que é certo que todos os partidos políticos, de forma ou outra, cometem suas irregularidades. Alguns, como os protagonistas PT, PSDB, PMDB, PP, PR, PSD, devem cometer crimes mesmo, daqueles de merecer extinção da vida pública.

O brasileiro tá escolado. Em 1992, quando fomos às ruas pra apear Collor do poder, fomos, como hoje, movimentados pela mesma revista Veja e pela mesma Rede Globo. A favor da nossa consciência, Collor cometeu o equívoco de ele mesmo se beneficiar do esquema de corrupção desenhado pelo seu tesoureiro Paulo César Farias. PC pagava contas pessoais do presidente e da primeira-dama com grana de propina. Uma CPI foi instaurada na Câmara e os deputados saíram com provas de que Collor, já na presidência, utilizava-se desse dinheiro pra benefício próprio. Era o tal crime de responsabilidade que justificou seu impeachment: o presidente dolosamente e diretamente utilizava do seu cargo pra conseguir benefícios indevidos.

Piorou quando PC Farias e Collor forjaram documentos pra tentar provar que a grana usada pras despesas do casal mandatário vinha de um empréstimo do Uruguai. Virou falsificador.

Tirar Collor do poder foi pouco traumático pra democracia brasileira, ainda cheirando a talco de neném, na sua primeira eleição direta à presidência depois da acintosa ditadura militar que durou mais de vinte anos. Itamar Franco assumiu, com suas peculiaridades (topetes, fusquinhas e modeletes sem calcinha), arrumou um plano econômico que ajustou a moeda nacional e fez seu sucessor. Que se reelegeu (comprando votos e corrompendo deputados pra aprovar a reeleição na Constituição). E passou a faixa a seu sucessor. Que se reelegeu. E que fez sua sucessora. Que dois anos atrás também se reelegeu.

Pra então estarmos diante novamente de um processo de impeachment. Diferentemente de Collor, Dilma não tem nada contra ela. Nesse meio tempo, entre sucessores e reeleições, muitos escândalos de corrupção apareceram. Teve o da reeleição, Banestado/Lava Jato, privataria tucana, mensalão petista e mensalão tucano, petrolão/Lava Jato, HSBC, CARF, Panama Papers e nada, em nenhum deles, o nome de Dilma aparece.

A sua chapa está enrolada em tramoias envolvendo obras públicas e a Petrobras. Seu nome não aparece como beneficiária direta de um centavo sequer. Ao contrário, seus delatores, seus acusadores e seus opositores, grande parte deles, em especial os protagonistas (Eduardo Cunha, presidente da Câmara; Renan Calheiros, do Senado; Michel Temer, vice-presidente da República; Aécio Neves, líder da oposição etc.), estão todos enrolados, indiciados ou acusados. Pois é, “a gente somos corruptos”.

Na falta de um crime tão compreensível pra população como o de Collor, arrumaram um “crime fiscal” pra justificar o injustificável, o golpe, a destituição de uma presidente eleita pelo povo, democraticamente, legitimamente: as “pedaladas fiscais”, que a grande maioria talvez nem entenda ou queira entender.

Dificultando a compreensão do “crime”, entra a mídia pra inflar a ira da turba, pregando no partido da presidente a pecha de bandido, o que pra grande massa acaba sendo a mesma coisa. Ela não fez nada, mas as informações e a narrativa são pra misturar tudo num balaio só. Ela virou uma bandida sem crime. Já está condenada antes mesmo de qualquer julgamento.

A chamam de ladra, de louca, de anta, de nomes impronunciáveis. Uma covardia. Enquanto não se provar nada contra ela, enquanto não tiver uma mísera prova de que ela é corrupta, o máximo que se pode dizer dela é que Dilma é incompetente, mas isso vai da visão de cada um. A minha é que ela é incompetente. Mas, ao contrário de xingá-la e diminuí-la, eu só não voto nela. Dou meu voto a outra pessoa. Perdida a eleição em 2014, posso esperar 2018. Um governo incompetente ou impopular se tira no voto, não por impeachment. Acontece que os derrotados de 2014 não souberam esperar e inventaram uma série de artimanhas pra tirá-la do poder.

Primeiro, recontagem de votos. Deu em nada. Depois, os crimes vinculados à Lava-Jato. Até agora, nada do nome dela aparecer. Ainda existe a saída pelo Tribunal Superior Eleitoral, já que delação premiada de um empreiteiro acusa sua chapa de usar dinheiro de propina na eleição. Uma delação, nenhuma prova, por enquanto. É esperar.

Enquanto isso, arrumaram esse “crime fiscal” que ninguém entende e forçam a barra pra que achem que é roubo. Não é. Nem crime é.

Não posso ser a favor disso. Poderia pagar de isentão aqui, falando que não votei nela e não gosto dela, mas não importa. O que vale em resumo desse texto é: impeachment com crime não é golpe; sem crime, é. O dela é golpe. Não há crime.

E há promessa de coisa pior: dessa turma de golpistas, grande parte investigada e suspeitada pela Lava-Jato, espera-se que as investigações sejam estancadas. Tirado o PT do poder, encerra-se tudo, não investiga-se mais ninguém, já era, todo mundo se salva, e ainda expulsa-se quem a mídia queria expulsar. Não é um processo contra corrupção, portanto. Se fosse, Dilma não estaria nessa situação, já que ela não é nem mesmo citada num escândalo em investigação.

Estão querendo tirar uma inocente do poder.

Por incrível que pareça, doze anos depois, por falta de provas, Collor foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal dos crimes de peculato, falsidade ideológica e corrupção passiva. Um inocente diante da Justiça. Ou um sortudo diante de uma polícia incompetente.

Não se pode dizer o mesmo agora. A Polícia Federal tem autonomia, investiga, prende gente graúda (senadores, empreiteiros), gente de grana. Mesmo assim, não chegou em nada que comprometesse Dilma.

A sanha de poder dos golpistas não pode encontrar eco em quem tem um pingo de razoabilidade. Músicos, jornalistas, políticos, empresários, centrais sindicais, estudantes, juristas, cineastas, atores, atrizes, escritores, rappers, tem muita gente contra esse processo. O Floga-se aumento o coro agora, às vésperas da votação do golpe.

Você pode ajudar, pressionando os deputados a votar contra esse retrocesso na nossa história democrática, acessando este site. Ainda dá tempo.

Posicionamento é o que o Floga-se sempre teve contra de arbitrariedades, sem medo de “perder audiência” (leia isso). É de sangue. Nessa luta democrática não poderia ser diferente.

Baseado no texto acima, com edições bem colocadas, um grupo de selos, blogues, sites e artistas independentes assinou um manifesto contra o golpe! Assine também aqui.

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Comentários

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2 comentários

  1. O que temos é sem dúvida uma tentativa de GOLPE, com letra garrafais ! A História ensina, mostrando as mesmas artimanhas do passado, em nosso absurdo momento atual no Brasil.

  2. Apoio seu ponto de vista. Porém essa movimento que está acontecendo é bom pra história do país, se a Dilma sofrer o impeachment , ou não, resultará em boas e más consequências. Contudo esse “golpe” diferente do que o senso comum acha é uma tramoia dos próprios políticos o povo é mero espectador. Vejo o impeachment com bons olhos, não porque sou o militante coxinha hahaha, não porque acho que irá melhorar, mas vejo que de certa forma sairemos de uma certa inércia que havia ocorrendo em alguns anos.
    E pra finalizar acredito que nosso sistema político é pífio, comprado, injusto e arcaico. Isto só irá mudar se houver uma revolução, no sentido de apagar tudo e começar do zero, começando elegendo representantes nunca antes indicados,jovens e com mentalidades divergentes contudo aliadas para um Brasil melhor.
    Ok.

    Isto não passa de uma utopia :(.

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