#ELENÃO E O POSICIONAMENTO ESPONTÂNEO

Anitta é, em 2018, o maior nome da música popular no Brasil. Esse título traz algumas responsabilidades e cobranças embutidas. Em tempos de redes sociais abrindo espaço pro contato direto com o estafe do ídolo, os fãs passam a cobrar e responsabilizar sem escalas. Aconteceu com a Anitta no caso da campanha #EleNão, o avanço tático das mulheres contra o fascismo encarnado no candidato à presidência Jair Bolsonaro.

Como todo artista com grande inserção e amplitude, Anitta mede com lupa seus passos políticos fora da música – já que música, afinal, também é um meio político e ela usa a música pra reverberar ideias e defender causas. Qualquer passo errado e ela pode ofender uma grande parcela de seu público. O caso é que num público tão grande, não importa o que ela diga ou como ela diga, sempre alguém vai sair ferido.

A questão de uma artista do porte dela ter ou não ter que se posicionar politicamente (pra além do posicionamento como tática comercial) é pra se discutir: um ente público tem influência suficiente pra indicar caminhos pros seus fãs e com isso carrega responsabilidade social. Por outro lado, a pessoa privada tem o direito de não querer se posicionar sobre nada, de se manter alienada e alheia a determinadas questões. Não é obrigatório.

Só que Anitta está numa escala de grandeza que o público e o privado não podem ser separados. Não pros seus fãs. Ela precisa se posicionar. Eles exigem uma posição. Não adianta se abster alegando privacidade quando sua própria música aborda temas caros na discussão política do país. A maquiagem escorre e acaba sendo possível ver a hipocrisia.

Então, a equipe da artista – que muitos sabem é gerenciada por ela mesma – pesa os prós e os contras, o abalo financeiro que cada decisão pode ter e, então, traça uma estratégia. A abordagem, que pode ferir alguns, tem que ser numa escala que não seja prejudicial aos negócios. Quando Anitta se manifestou no Twitter, dizendo que “é um direito meu não querer opinar sobre política e eu só estou exercendo esse direito”, uma hashtag (#AnittaPartyIsOver) mostrou a ela que não é bem assim.

As coisas acontecem muito rápido nas redes sociais e até quem está acostumado a lidar com elas, como a própria Anitta, pode se ver numa enrascada. Enquanto tentava “exercer o direito” de se manter isenta, a campanha #EleNão não podia esperar. As mulheres tomaram o campo de batalha e mostraram que fascismo, misoginia, homofobia e machismo não podem estar na guerra ideológica que explodiu no Brasil após 2013 e que culminou no golpe parlamentar que tirou o mandato legítimo da primeira mulher eleita pra presidência, Dilma Rousseff. Com esse tipo de discurso não se negocia. Contra ódio e intolerância, não há arrego.

Rapidamente, a campanha chegou aos ouvidos e mentes de pessoas influentes, atrizes, atores, cantoras e cantores. No Brasil e além de nossas fronteiras. É capaz de quando este texto for publicado, novos nomes tenham aderido, mas por agora temos gente das mais variadas vertentes da música assumindo sem medo uma posição que Anitta não teve coragem pra espontaneamente tomar.

A lista é grande: Daniela Mercury, Mahmundi, Emanuelle Araújo, Francisco El Hombre, Caetano Veloso, Céu, Tie, BaianaSystem, Letrux, Tulipa Ruiz, Criolo, Larissa Luz, Luiza Possi, MC Pocahontas, Lan Lanh, Silva, Gretchen, Fernanda Abreu, Dinho Ouro Preto, Vanguart, Samuel Rosa, Manu Gavassi, Pitty, Valesca Popozuda, Karol Conka, Pablo Vittar, MC Loma. Pode-se incluir aí artistas internacionais como Black Eyed Peas, Nicole Scherzinger, Imagine Dragons (na figura de Dan Reynolds, que posou pra fotos com a camiseta do #EleNão), Diplo, Cat Power, Tegan And Sara, DJ Snake, Kehlani, Allie X, Aja, Dua Lipa.

Desafiadas por Anitta a participar do protesto contra Bolsonaro, Claudia Leitte e Ivete Sangalo se mantêm em silêncio até o momento, analisando como proceder. Mas o que o público quer é espontaneidade, não uma estratégia de marketing.

Talvez o grande problema seja a intolerância mesmo. Como foi o caso de cantora Marília Mendonça, que aderiu ao #EleNão e de repente viu sua família ser ameaçada na Internet. Com pouco mais de vinte anos, Marília é um exemplo de como é duro alguém sem uma vasta vivência se ver diante dos abusos e ameaças. Dá medo. Ela retirou o vídeo de apoio do ar, recuou porque ninguém é obrigado a aturar idiotas ameaçando sua família.

Foi só mais um exemplo de como e porquê a campanha #EleNão é tão importante. Um candidato desses, com um discurso desses, que infla seus seguidores e eleitores e tomar esse tipo de atitude contra quem pensa de forma diferente, precisa ser barrado agora, nas urnas, no processo democrático, pra que ele mesmo não destrua a democracia por dentro, reconstruída (em processo ainda de reconstrução) a duras penas, sangue e vidas, depois da ditadura militar que perdurou até 1985.

Não é preciso ser mulher, nem cantor, nem artista pra aderir. Não são petistas, nem comunistas, nem “esquerdistas” que abraçam a causa. São pessoas de direita e esquerda que temem pela democracia e pela liberdade. É uma questão moral.

O Floga-se, por óbvio, abraça a campanha: #EleNão, #EleNunca.

A poucos dias do primeiro turno da eleição 2018, as mulheres do Brasil e do mundo organizam-se não só no mundo virtual. Elas vão às ruas. No Rio de Janeiro (veja aqui o evento) e em São Paulo (aqui), por exemplo, há grandes eventos programados pra este dia 29 de setembro, sábado. Procure um evento correspondente em sua cidade e compareça (aqui, uma lista).

Todas as vozes contra o ódio são bem-vindas.

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