Atualmente no mundo da música – alternativa – os críticos, pesquisadores e ouvintes que se preocupam em saber o que se passa ao redor sem ficar apenas refugiando-se no porto seguro de suas nostalgias têm constatado o crescimento do improviso como “método de composição” funcional e os homestudios como alternativa séria.
Antes eu reparava numa banalização das duas coisas, talvez pela dificuldade em se ter um homestudio há sei lá, dez anos atrás, e o termo “lo-fi” sendo considerado também uma desculpa para “qualquer coisa” não facilitava as coisas.
Com o improviso, também já ouvi muita bobagem de algumas pessoas que pouco se importam com o que estão falando, parecia-me que só albuns supostamente rebuscados que demoravam anos para sair tinham valor para essas pessoas.
Pra mim, ambos os preconceitos que citei sempre são absurdos.
A introdução maçante acima teve o único objetivo de chegar na facilidade da geração “pós-internet” em absorver inúmeras influências diferentes ao mesmo tempo e gravar as próprias coisas com certo conforto e sem amarras, e o melhor, divulgá-las pra inúmeras pessoas sem precisar investir dinheiro nisso. Tudo isso trouxe possibilidades extraordinárias pra música, que antes não conseguia ter espaço. Essas possibilidades puderam ser exploradas ao máximo no disco homônimo do Motion Sickness Of Time Travel, projeto solo de Rachel Evans.
Embora seja o disco homônimo do projeto, não é o primeiro release. Rachel é adepta da Tape Cassete Culture, que anda voltando com força no underground americano – na realidade, nunca deixou de ter força, mas ando percebendo uma adesão cada vez maior – e gosta de lançar suas fitas e CD-Rs sem amarras e em tiragens limitadas por inúmeros selos diferentes. O que é ótimo porque, como acompanhamos em diversos artistas, isso acaba se tornando uma espécie de estudo de campo bem enriquecedor. É o que nos prova Aaron Dilloway em outro grande disco desse ano, “Modern Jaster”. Em meio a inúmeros lançamentos, Dilloway resvervou faixas e ideias que acabaram virando o disco em si.
No caso de Rachel e o disco homônimo do MSOTT, o que vinga é o improviso e os overdubs usados de forma meticulosa. o disco foi feito como uma escultura, lapidada em improvisos até o momento em que se fizesse pronto. E provavelmente só possível graças à liberdade que ela teve de explorar e desenvolver muito bem essa linguagem. Faixas longas, utilizando sintetizadores pedais e vozes etéreas permeiam o disco que possui melodias bem cativantes e letras improvisadas que costumam ter apenas uma frase.
Apesar dessa formatação bastante utilizada, o MSOTT se apresenta bem original e conciso. São apenas quatro faixas, longuíssimas que vão te levar pra diversos lugares. Muitos vão ver o germen da new age, que, acredito eu, seja muito melhor implementada nos dias atuais sob a roupagem do drone e influências do que começou com Eno, os fãs das fases mais etéreas de Sigur Rós talvez também tenham suas lembranças.
No disco, são usados timbres muito bem colocados, que misturam o digital e o analógico de forma bem homogênea. É impressionante como Rachel conseguiu fazer com que um disco grande como esse (de uma hora e meia) passe tão rápido. Fato que é um dos discos do ano – pra mim, na minha única e exclusiva opinião, até o presente momento, veja bem – vai ser difícil ele sair do meu top cinco até dezembro.
Um pouco mais: Rachel tem um selo chamado Hooker Vision com seu marido Grant Evans, com quem também tem um duo chamado Quiet Evenings, e que também vale a garimpada, dentre outros projetos. Uma artista pra ficar de olho e ouvidos atentos.
Pra finalizar, deixo o link de uma entrevista bacana feita com Rachel para o Tiny Mixtapes, que é um bom site pra acessar de vez em quando: clique aqui.
1. The Dream
2. The Center
3. Summer Of The Cat’s Eye
4. One Perfect Moment
Ouça o disco na íntegra:
Data de lançamento: 15 de maio de 2012
Gravadora: Independente
Produtor: Rachel Evans
Tempo total: 90 minutos e 52 segundos
Pra ouvir mais, vá ao Bandcamp do projeto.
[…] Um disco composto a partir de improvisos em overdubs, esculpido vagarosamente por uma moça que tem o feeling (leia texto completo na Engrenagem #12). […]