ENGRENAGEM #2: JESU – ASCENSION

Esse mês saiu “Ascension”, disco novo do Jesu que vinha esperando ansiosamente – todo dia googleava pra ver se havia novidades. Farei uma introdução a partir daqui, quem já for habituado ao que é relacionado à Justin Broadrick é só pular os próximos parágrafos até o “Ascension” em negrito.

Justin K. Broadrick (JKB) começou a fazer parte da minha vida no inicio de minha adolescência. Por influência de alguns amigos da época me interessei pelo underground punk e nesse caminho veio logo o grindcore. Lembro de ouvir o álbum “Scum”, do Napalm Death, e ficar fascinado por aquele caos. Quando consegui acesso mais fácil à Internet fui atrás de informações sobre eles. Encontrei, além da história da banda, registros não tão difundidos, como a demo “Hatred Surge”, que me deixou em êxtase.

Na formação do Napalm Death daquela época – das demos ao “Scum” – vi nomes como Justin Broaderick, Nicholas Bullen e Mick Harris. Reparei que o som da banda mudou bastante ao longo dos anos e adivinhe só, nenhum dos integrantes da demo e do próprio “Scum” tocava mais na banda. Pra onde foram esses caras?

Os que mais me chamaram atenção foram três: Nik Bullen e Mick Harris mandaram muito em outros projetos e estiveram juntos no Scorn, que é um provável papo pra um outro post; mas hoje vamos focar no Justin Broadrick que dentre muitas facetas, como o Godflesh, o Techno Animal, o Final e o GREYMACHINE – alguns lançados pelo seu próprio selo, o avalanche.inc – também formou o Jesu, projeto que mais me impressionou e que Justin transformou em seu principal, por assim dizer.

O projeto foi originado após o “término” do Godflesh – entre aspas porque eles fizeram alguns shows de reunião no ano passado, ao mesmo tempo que saía uma versão remasterizada do “Streetcleaner”, o álbum mais bem sucedido do grupo.

No último ano, Justin aderiu a um novo projeto – também incrível – batizado de Pale Sketcher (sim, há uma espécie de coletânea do Jesu com o mesmo nome, e que por sinal serviu de matéria-prima para o primeiro registro sob essa alcunha), onde resolveu investir na sonoridade mais eletrônica que perpetuava nos EPs e splits do Jesu e causava certo desconforto pra alguns fãs dos discos, como o homônimo e o “Conqueror”.

Particularmente, curto bastante as inserções do Jesu na música de timbragem mais eletrônica porém acho que o Pale Sketcher deu mais liberdade para esse tipo de trabalho: tanto o “Pale Skecther Demixed” quanto o EP “Seventh Heaven” foram trabalhos sensacionais explorando mais o dubstep e o idm com as bonitas e simples melodias de Justin.

Enfim, é do “Ascension”, disco novo do Jesu, que vamos falar agora.

Em teoria “Ascension” é o terceiro disco do projeto em aproximadamente uma década. Justin lançou muitos EPs e splits com o Jesu em frequência assustadora entre os poucos albuns.

“Fools” abre o disco, que começa sem distorção, com uma batida simples recheada em delay e uma linha vocal lembrando um pouco as do Dethroned que me remete muito aos anos 1990, em especial algumas coisas do Alice in Chains – sim! (risos) -, que convenhamos foi uma grande banda grunge a flertar com o metal.

A música evolui muito bem com a entrada do drive. Os timbres de guitarra do Jesu continuam me agradando e os rifes dramáticos e certeiros conduzem à momentos explosivos bem “post-rockeiros”, onde você também terá a vontade “headbanger” de balançar a cabeça – em slowmotion no caso.

A parede sonora construida pelas guitarras logo remete ao shoegaze, mais ainda quando o vocal reverberado vai para o fundo na slowpart belíssima que se segue. Claro que, pra finalizar, o ápice da música se repete, mas agora com vocais carregados de nostalgia que terminam num playground vazio com um dedilhado triste. Sim, o disco começa quebrando tudo e te deixando introspectivo logo de cara.

Ouça “Fools”:

“Birth Day” com certeza vai terminar de partir seu coração com um tema simples e cativante. Os vocais contidos conseguem passar muito desespero nessa faixa. A influência do chamado sadcore, de bandas como Low e Red House Painters, é perceptível.

Ouça “Birth Day”:

Mas nem tudo é um derrotismo completo. A bateria “paco-paco” seca e direta de “Sedatives” surge pra surpreender, mesmo trazendo a lembrança de “Star”, do clássico EP “Silver”. Impossivel não sorrir com a faixa que é a mais indie-rocker/My Bloody Valentine do disco na minha opinião.

Ouça “Sedatives”:

Com esse trio forte de abertura, se o disco não tiver te atingido ainda, “Broken Home” é a prova de fogo. Com uma guitarra cativante que abre a música e está sempre presente em conjunto de um riff épico, lento e repetitivo que é costurado por uma melodia de vocal tristonha. A música consegue construir uma atmosfera intimista, sufocante e ao mesmo tempo hipnótica que te arrasta pra um turbilhão de lamúrias, como em manhãs muito frias nas quais você não quer levantar de forma alguma pra trabalhar.

O disco não te dá espaço. Pra ferrar com tudo, “Brave New World”, com um dedilhado lindo e uma bonita melodia somada à uma quebradeira de baixo pesado, vai fazer você balançar novamente a cabeça como um headbanger entristecido, devagar.

“Black Lies” abre a segunda metade do disco, que é a minha preferida, seguindo música a música cada vez mais triste. O que é feito nessa faixa com inversões, uma linha de vocal extremamente chorosa, rife e cozinha instigantes é indizível. “Small Wonder” começa a me espetar com sua linha de synth em loop. “December” é ótima, mas não tenho muito a destacar sobre já que ela precede “King Of Kings” que, aí sim, de tão linda, junto a “Black Lies” são minhas preferidas.

Ouça “Black Lies”:

A faixa-título “Ascension” fecha o disco como se fosse uma gostosa introdução que vai te deixar convencido a deixar rolar “Fools” novamente.

Se você estiver num momento triste da vida não te recomendo esse disco. Na verdade, nessas condições não recomendaria nada do Jesu. A sensibilidade e simplicidade com que o disco te conduz para uma queda livre de humor é incrível, um disco triste, tristíssimo, não há espaço pra muita esperança nele, nem pra momentos raivosos como outrora. É só nostalgia. É isso que ele me passa.

Talvez ele seja meio cansativo na primeira audição. Existem aí auto-referências e “clichês” que eu compreendo como muito bem utilizados pelo compositor. O diferencial que posso tirar em relação aos trabalhos anteriores são as melodias vocais, com uma pegada mais pop que te mantém ali, confortável. São de certa forma mais versáteis. A influência do indie-rock dos anos 90 parece clara nelas.

Fora isso, que creio nem ser uma grande novidade, só um destaque maior ao ponto, o disco não traz nada de novo ao som do projeto. A sonoridade se mantém firme, visceral, minimalista e querendo te por pra baixo, mas mesmo assim você quer muito continuar ouvindo.

Um pouco mais
Vale dizer que o Jesu tem saido pela Caldo Verde, label de Mark Kozelek (pra quem não o conhece, além do clássico Red House Painters, ele tem um projeto chamado Sun Kil Moon, com o qual lançou um disco lindissimo de releituras de músicas do Modest Mouse, vale muito a pena garimpar, música triste, pra ouvir no frio).

Serviço:

01. Fools – 8:12
02. Birth Day – 5:09
03. Sedatives – 5:10
04. Broken Home – 8:52
05. Brave New World – 4:13
06. Black Lies – 5:27
07. Small Wonder – 7:31
08. December – 7:51
09. King Of Kings – 6:24
10. Ascension – 2:45

Data da lançamento (EUA): 2011
Gravadora: Cabo Verde
Produtor: Justin Broaderick
Tempo total (do CD): 61 minutos e 34 segundos

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