Foi logo agora (em janeiro de 2019), o Boreal lançou seu disco de estreia, auto-intitulado (e que ganhou esta resenha aqui no Floga-se). São “músicas que se iniciam mínimas, perdem essa característica pra explodirem por uma catarse – é nessa dinâmica entre quieto/alto que o álbum circula. São favorecidos arranjos dinâmicos que permitem a introdução de novos instrumentos e uma queda pra participações vocais ainda mais melódicas. A força criativa do Boreal é evidenciada também nessas evasões, principalmente do que pode surgir na tensão entre os momentos mais tradicionais e o surgimento de algo inesperado”.
Por “algo inesperado” é possível compreender uma força complexa e amontoada por experiências e influências múltiplas, como a própria banda descreve nesta entrevista, realizada por e-mail: “todos descobrimos novas referencias, ouvimos outras coisas e evoluímos pessoalmente. Como músicos, acho que fomos experimentando outros instrumentos, adicionando sintetizador, elementos percussivos. Acho que estar em uma banda te amadurece em vários aspectos. A gente aprende bastante uns com os outros”.
Felipe Amorim (voz, sintetizador, gaita), Nícolas Santos (guitarra), Santiago Boyayan (bateria), Thiago Amarante (baixo) e Vinícius Oliveira (guitarra) formam o quinteto que se empenha em não soar comum, muito menos ordinário. As improvisações, as experimentações e as ambições martelam sobre uma base formada por audições recorrentes da juventude média, transformando as canções em inesperadas formas musicais.
O tempo passa e o Boreal já não é mais o mesmo de 2014, quando começou. em pouco tempo, não será o mesmo de “Boreal”, o disco de estreia. As mutações de quem não tem receio de arriscar refletem com precisão a máxima “um passo à frente e você já não está no mesmo lugar”.
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Floga-se: Eu estou curioso sobre as partes explosivas do disco. Elas são improvisos em estúdio? Como surgiram?
Boreal: A gente começa e termina o disco improvisando. “7:37” e “Far” são as faixas que têm mesmo uma combinação entre improvisação livre e algumas coisas que vão dando as dicas das transições. Outras passagens mais explosivas não têm improvisação, mas têm uma variação de dinâmica não só entre as partes da música, mas entre os instrumentos também.
F-se: Obviamente, vocês têm muita influências do rock, algumas mais óbvias etc. Como foi gravar o disco, em que teoricamente a necessidade de individualização, enquanto músicos e grupo, atinge seu ápice? Quero dizer, como se afastar das influências instrumentais e gravar algo tão próprio e urgente?
Boreal: Cara, o Boreal é uma banda que, como você disse, tem muitas influencias de rock, é uma banda de rock. Mas a gente sempre respeitou muito as referências individuais de cada um, e ai tem muita coisa que foge do rock, vai pro jazz, música experimental, soul, rap… tem muita coisa que um gosta e outros não. Então, é mais fácil nesse sentido, porque a gente nunca teve a ideia de soar exatamente como a banda de rock X ou Y. Durante o processo de composição, acho que a gente foi equilibrando muito isso, o que era referência coletiva, individual e o que era a nossa cara, como banda, de fato.
F-se: Se importam em relatar como foi o percurso da banda até chegar à formação atual, e a forma como esse percurso pode ser percebida no disco?
Boreal: Essa resposta vai ser longa (risos). A gente começou a ideia de ter essa banda em 2013, mas nessa época a formação era um quarteto, com o Vinão (guitarra) no baixo. Em 2014, a gente começou a ensaiar com frequência e nasceu uma série de músicas, chegamos a gravar algumas e fazer uns shows, mas não era exatamente o que a gente queria, em vários aspectos. Em 2015, o Felpa (voz) ficou um tempo fora do país e antes dele ir, a gente conversou e decidiu não lançar aquelas músicas, conversaríamos de novo quando ele voltasse. Nesse meio tempo, o Vinão foi pra guitarra e começamos a ensaiar assim, Vinão e Corpo (Nícolas) nas guitas e o San na batera, sem baixo e sem voz. Nesse período começaram a sair os primeiros esqueletos de boa parte das músicas desse disco. O Felpa voltou e a gente seguiu ensaiando sem baixo, fomos compondo as músicas num processo bem coletivo. Demoramos um bom tempo até achar um baixista. Isso aconteceu em 2016, quando o Clovis Mello entrou pra banda, um puta músico de Recife. Nosso foco continuou sendo as composições e, nesse período, entre 2016 e 2017, as músicas do álbum já estavam praticamente prontas… Mas banda, né? (risos) Quando chegava próximo de gravarmos, o Clovis teve que voltar pra Recife e demos uma pausa por essa e outras questões. Mas ainda em 2017, o Mantega (Thiago), que já era um velho amigo nosso chegou e falou “e ai, e o Boreal?”. A gente respondeu que estava meio devagar, sem baixista de novo… e o cara devolveu “lógico, vocês não me chamam pra tocar”. (risos) Aí, não tinha mais muito o que discutir, né? O cara entrou na banda, voltamos pro estúdio, finalizamos as músicas, e, aí, fomos cavando o melhor momento pra gravar. Esse processo influenciou demais, porque durante todo esse tempo nossas referências foram mudando muito, nossa percepção sobre construir música foi mudando, a participação do Clovis e a chegada do Mantega foram essenciais pro Boreal. Acho que muito da nossa característica de momentos mais calmos e outros explosivos passa bastante pela trajetória da banda e de cada um até aqui, dentro desse processo.
F-se: Como músicos, vocês sentiam que havia um apelo específico, uma atmosfera “certa” pra escolher as faixas que entrariam no disco? Como escolher o que entra e o que sai?
Boreal: Acho que não um apelo pra algo específico, mas sim alguns fatores. A sensação coletiva de que naquele som não se muda mais nada, entender que chegamos onde queríamos naquela composição. A atmosfera com certeza… Pode não ser nada conceitual, como não é no nosso caso… Mas é claro que existe um diálogo entre as músicas, o disco tem uma unidade, mas isso vai mais da percepção do momento do que algo pré programado.
F-se: Houve algum momento em que vocês pensaram “é isso, temos de gravar um disco”? Quando e como esse estalo surgiu?
Boreal: A gente sabia que tinha que gravar alguma coisa. Tem música ai que começou a nascer em 2015, ainda que no violão, no quarto de alguém. Então, essas composições já estavam maduras e nós precisávamos partir pra outro estágio, que era gravar e tocar ao vivo. Não sabíamos no começo qual seria o formato, demo, EP, disco… Mas a gente sabia que ia gravar, e aí fomos decidindo as músicas e optamos por fazer esse álbum.
F-se: Como foi trabalhar com o Hugo Falcão Costa?
Boreal: Foi muito bom pra gente. O Hugo é um cara que, sem querer chamar ele de velho, já estava tocando com o Ludovic ou Shed em vários rolês, enquanto muitos de nós éramos uns adolescentes metaleiros ou emo (risos). Então, o cara já era uma referencia pra gente, e nos conhecemos bem antes da gravação, acho que em 2016. Ele acompanhou muito do nosso processo de ensaio, composição e pré-produção. Acho que isso foi muito importante pra leitura do som.
F-se: Como vocês acham que mudaram enquanto músicos, após entrarem na banda?
Boreal: São cinco anos desde que começamos com a ideia do Boreal, todo mundo vinha de outras bandas e tal… É um tempo grande, todos descobrimos novas referencias, ouvimos outras coisas e evoluímos pessoalmente, também. Como músicos, acho que fomos experimentando outros instrumentos, adicionando sintetizador, elementos percussivos. Acho que estar em uma banda te amadurece em vários aspectos, principalmente no corre independente. A gente aprende bastante uns com os outros.
F-se: De quais bandas vocês são fãs e como suas relações como elas mudaram desde que vocês decidiram tocar instrumentos e estar em bandas?
Felpa (Felipe Amorim): Eu virei vocalista que toca gaita por causa do Steven Tyler. Mas eu não escuto Aerosmith já faz um tempo. Incubus e Deftones têm muita influência nas melodias de voz e nas letras, foram bandas essenciais na minha formação. Hoje eu só quero ser o Tyler the Creator.
Nícolas: Twinpines, Sonic Youth e (John) Frusciante abriram uma perspectiva que saía da minha escola de classic/hard rock da adolescência (por mais que Hendrix e Page sejam nomes postos em pedra). Dali pra frente, entendi que qualquer referência que saísse do “tu pá tu tu pá” me traria algo novo no repertório.
Vinão (Vinícius Oliveira): A minha relação com as bandas que eu gostava quando comecei a tocar é bem distante. Parti do metal e hoje não escuto quase nada disso. Acho que as referências que têm me inspirado, como Hurtmold, Garage Fuzz, Real Estate, Metá Metá e Douglas Germano são bem contemporâneas ao meu envolvimento com o Boreal.
San (Santiago Boyayan): Sonic Youth e Hurtmold são bandas que mudaram minha percepção do que é música. A partir delas, mergulhei no universo do free jazz e da improvisação, o que mudou totalmente minha relação com a bateria.
Mantega (Thiago Amarante): Escutem Jawbox.
F-se: Estou curioso como são as canções inéditas, elas seguem a mesma áurea do disco ou são, em algum nível, estruturalmente diferentes?
Boreal: Essa pergunta é legal porque já dá uma perspectiva do que vem por ai, e nossa ideia é não demorar tanto pra gravar outras coisas. Não precisa ser um disco inteiro. A gente tem duas inéditas que, inicialmente, devem rolar nos shows… Uma é da mesma leva de composições das faixas do “Boreal”, a outra é bem nova, é a última música que fizemos e, ai sim, acho que já corresponde mais às influencias atuais da banda. Estamos sempre ouvindo, descobrindo e trocando sons, então nos arriscamos a dizer que as próximas ideias não terão exatamente todas as características do trabalho atual.