ENTREVISTA: INVERNESS – O BRASIL MERECE UMA BANDA COMO ESSA?

Era pra ser uma entrevista, um lance pergunta-e-resposta normal, mas virou um papo, o que sinceramente é muito melhor.

O Inverness, banda de São Paulo, que se destacou pela sonoridade sem fronteiras nos dois primeiros discos, “Forest Fortress”, de 2009, e “Somewhere I Can Here My Heart Beating”, de 2010, foi uma grande surpresa pra mim, assim que lançou o mais recente trabalho. Não conhecia – e foi um tanto paixão à primeira vista.

Outra surpresa foi saber que a banda é vizinha. Quando marquei a entrevista, me dei conta que deveria me deslocar pouco mais de um quilômetro para encontrar Lucas de Almeida (voz, guitarra e sampler), Mateus Perito (voz, guitarra e sampler), Flávio Fraschetti (baixo) e Marcio Barcha (bateria). Numa cidade como São Paulo, deslocamentos curtos fazem diferença para o humor – e o trabalho rende.

Mas o melhor mesmo foi perceber que há uma enorme compreensão de sua genética musical, inclusive sobre bandas que a idade não permitiu que eles vivenciassem, além de uma visão pouco amigável – e, por isso mesmo, diferenciada – do cenário musical brasileiro, de expor uma falta de modéstia sadia e mostrar inocência em algumas revelações que seriam constrangedoras. Isso tudo fez a entrevista de fato virar um bate-papo de duas horas, com acréscimo de outras duas em estúdio vendo e filmando o grupo em ação. Um privilégio.

Daí que colocar tudo num formato “entrevista” pode não expor exatamente como foi a experiência (até tentei): mas posso reafirmar que foi uma noite e tanto.

Uma noite que fez florescer o questionamento: com tanta clareza de pensamento, com uma música internacional e poderosa, dentro de um cenário onde só se vinga por apadrinhamento, o Brasil merece uma banda como o Inverness?

Floga-se: Eu tava procurando na Internet uma explicação para o nome da banda… Tem alguma coisa a ver com o famoso Lago Ness, na Escócia?

Lucas: Sim… e não, né? O nome Invernes é da cidade na Escócia que significa “foz do Rio Ness”. O negócio é que quando eu coloquei o nome na banda, não fazia nem ideia que existia uma cidade chamada Invernes… Foi um sonho.

F-se: Um sonho? O que você tomou no dia?

Lucas: (risos) Naquela época, sabe-se lá… Tive um sonho bem louco e acordei com a palavra inverness na cabeça.

F-se: Como vocês trabalham como a mídia social? Vocês tem um Twitter que não mexem muito… Nos dias de hoje não é importante?

Mateus: Até bombava bastante (o Twitter), mas deu uma esfriada.

Flávio: Tem um selo, o Psicotropicodelia, que dá uma força pra gente nesse sentido.

Tem a Trama. Rende alguma coisa pra vocês, em termos de exposição?

Lucas: De dinheiro, nada. Mas toda vez que eu falo pras pessoas escutarem a nossa banda, eu falo pra elas escutarem na Trama.

Mateus: Pra ser sincero, a gente só posta as coisas na Trama, a gente não cuida do blogue. Mesmo assim, o tempo todo entra gente mandando mensagem… E a gente nem responde… É desleixo nosso, uma sacanagem da nossa parte.

Marcio: A Trama é importante. Foi a primeira a mandar e-mail pra gente, quando a banda não era nada, chamando o Inverness.

Lucas: A Trama deu uma apadrinhada na gente.

Flávio: E tem o hotsite, que as pessoas podem mandar e-mail e baixar o álbum inteiro, com clipe, letras, o pacote completão. Isso tem dado um retorno legal pra banda, em termos de contato.

F-se: Contato? Imaginei que o retorno seria em shows.

Mateus: Os últimos dois shows que a gente fez lotaram. Embora no nosso cenário, as pessoas quando vêem uma banda iniciante, elas estão pouco preocupadas em ver um show. Elas estão preocupadas em ver se é legal e se vai durar.

F-se: Durar? Vocês têm dois discos!

Mateus: Não… Durar no sentido de aparecer, de ser notado. Você pega o Holger, que acabou de lançar o primeiro disco, está aí mais tempo que a gente. Então, não é () disco.

F-se: Mas isso não é o lance do hype?

Mateus: Não adianta só o hype atualmente. Aqui no Brasil, quem tá no cenário, não dá muito valor pra hype, porque as pessoas não vão atrás de quando vai ter show, se a banda não tiver conceituada. Depois de aparecerem algumas matérias (aquelas sem puxa-saquismo, babação de ovo), aí vão ver quem é a banda. Com a gente é assim.

Marcio: A banda já tá com três, quatro anos agora, e no começo a gente fazia tudo, mexia bastante com as mídias sociais, mas depois não dá pra ficar só nisso. A maioria dessas bandas que mais mexem com isso e conseguem sua exposição e divulgação na Internet tem alguém fazendo isso por elas, um produtor, alguém que quer ser “amigo” delas… A gente só tem a gente. É muito difícil encontrar alguém sério (pra cuidar de uma banda).

Flavio: Alguém sério que tenha vontade de fazer e que saiba fazer também. Porque tem muita gente que se propõe a fazer isso e conhece tanto quanto qualquer um que nunca mexeu com isso.

Mateus: Acho que em mídias sociais, se a gente pegar nosso MySpace, tem dez mil pessoas que seguem a gente, e oito mil são gringos. A gente quase fez uma turnê nos Estados Unidos, ano passado, com umas dez datas, mais dezoito pra confirmar. Não deu certo por causa de visto.

F-se: Bom, vocês moram em São Paulo, com bastante opções de lugares pra se apresentar.

Mateus: O Lucas sempre diz uma coisa certa: nosso cenário tá cheio de sobrevivente, tá todo mundo se agarrando pra sobreviver, ninguém quer ajudar ninguém. Fica todo mundo reclamando da cena, mas ninguém constrói a cena.

Lucas: É tudo uma panelinha. Eu vou fazer aqui pra ajudar meu grupo de amigos, essas bandas e pronto.

Mateus: Pois é. Uma das coisas mais difíceis que tem é você arrumar uma banda pra fazer um show. Normalmente você vai e a casa te indica outra banda.

F-se: Mas o Inverness sustenta sozinho um show? Não há confusão de “fãs” com “seguidores”?

Lucas: A gente te mais apreciadores do que fãs. São pessoas que ouvem nosso disco, gostam, acham legal, mas não tão nem aí, não vão pro show e pronto.

Mateus: A gente tem um grupo pequeno de fãs, que vai pra onde a gente estiver. Se for perto de São Paulo, esse grupo tá lá.

Lucas: O problema é fazer o brasileiro ouvir música ativamente. Ele só quer ficar lá sentado esperando receber indicação, passivo.

Mateus: Tem uma coisa que a gente acha um saco é tocar em balada. A gente (sente que tá atrapalhando a balada dos caras. As pessoas ficam esperando chegar o DJ.

F-se: Então, qual é a saída?

Mateus: A gente já tá organizando: criar um coletivo nosso. As bandas do coletivo vão se ajudar.

Lucas: Vai ser um selo/coletivo. É o Apple Pie.

Mateus: Ao invés de ficar reclamando, vamos estruturar a nossa cena. A gente tá conversando com um monte de banda, não tem nada certo ainda. Vai ser um lance de tráfico de informação. O que uma banda conhece, onde ela tem abertura, compartilha com a outra.

Lucas: É um coletivo mesmo: todas as bandas participantes vão ter acesso às informações que a banda novata trouxe, os contatos daquela banda, vende os CDs daquela banda nos shows…

Marcio: E as informações ficariam num banco de dados, que facilitaria contato para shows inclusive em outros estados.

F-se: Mesmo sem tanta exposição, como vocês conseguiram gravar e lançar dois discos?

Mateus: A gente não gastou quase nada.

Lucas: O primeiro CD foi o mais caro, porque a gente não sabia o que fazer direito.

Mateus: Acho que custou uns mil e quinhentos reais. O segundo custou… duzentos reais, trezentos! É que a gente usou o nosso produtor (apontando pra Lucas). Mas quando ele (Lucas) tá gravando a parte dele, todos ficam de olho, dando opinião. Então é o próprio Inverness quem produz os discos do Inverness.

Marcio: É isso que faz o som do Inverness ser o que é, essa crueza na hora da gravação, embora o resultado final não seja cru.

Mateus: Mais pra frente, seria legal ter uma pessoa de fora trabalhando com ma banda, pra dar a opinião, pra criticar. Por enquanto, uma das coisas que fazem o Inverness é esse processo, a gente faz tudo.

F-se: Que samplers vocês usam?

Lucas: Nada de música. No primeiro disco, é mais canto de pássaros, coisas quebrando… No segundo disco, foi mais a gente produzindo sons mesmo.

F-se: O que passa na cabeça de vocês quando compõem?

Mateus: A gente ignora muito o que a gente ouve na hora da gravação. Bom, normalmente, a gente compõe assim: eu e o Lucas fazemos a base, damos uma esquematizada nessa base, depois a gente leva pro estúdio e cada um vai pondo as suas partes. Nessa parte de harmonizar, a gente fala muito de bandas, porém mais para referenciar. A gente não pensa que quer soar como aquela banda ou essa.

Lucas: Tem vezes que ouço uma música que acho genial, mas ela só me impulsiona a pegar o violão e compor algo. Só que o resultado sai totalmente diferente. É mais inspiração pra ter vontade de tocar, não pra compor.

F-se: Mas vocês são sempre ligados a algumas bandas…

Mateus: É, tem vezes que taxam o Inverness. É horrível. Quando dizem que a gente é o Animal Collective com My Bloody Valentine, (parece que) tão dizendo que a gente só ouve isso.

Lucas: Que o nosso som é exatamente isso, que não há outras misturas.

Mateus: A gente não quer negar nossas influências. Durante o “Somewhere…”, por exemplo, durante o processo, a gente só ouvia Jorge Ben, Caetano e rap. Só. Não podem resumir a gente só a Animal Collective e My Bloody Valentine. Tem sinais disso? Tem, mas não é só isso. Aliás, é muito pouco disso.

Marcio: Essas referências limitam muito a coisa.

F-se: Então, se eu fosse definir o Inverness, o que eu deveria falar?

Marcio: Soul-pop-visual (risos).

Lucas: Acho que a gente é pop-psicodélico-experimental.

Mateus: Eu quero ser estranho porque tenho referências estranhas. Mas quero flertar com o pop.

Marcio: Porque afinal são duas guitarras, baixo e bateria… É pop.

Mateus: É pop com todo nosso experimentalismo, com nossa bagagem, mas é música pop.

F-se: E a partir de agora?

Marcio: Acho que a gente vai lançar EPs… Você pega as listas de melhores do ano (Brasil), 90% é de EPs. Ninguém quer mais discos?

Mateus: Desculpa falar, mas o Inverness é muito mais criativo do que todas essas bandas que tão no cenário. A gente lançou dois discos em dois anos, tem gente que taí há dez anos e lançou um disco e monte de EP. Se a gente quiser lança outro esse ano: tem cinco músicas prontas.

F-se: E por que não?

Mateus: Porque a gente não tá com muita paciência (risos).

Marcio: Tem mudar um pouco o método de gravação, né? Tentar fazer algo mais orgânico, conseguir reproduzir ao vivo.

Mateus: Do “Forest Fortess” pro “Somewhere…” a gente melhorou muito. Tinha música que a gente não conseguia reproduzir ao vivo.

Lucas: A banda tenta tirar a própria música… Na hora da gravação, é um “frankenstein”, vira uma música e depois a gente tenta reproduzir: e ao vivo, acaba sendo uma versão da nossa própria música. E não fica legal.

F-se: São músicas “intocáveis”, então.

Lucas: (risos) É, por aí.

Veja o vídeo oficial de “Cloud Liquor”:

Aqui, vão dois vídeos gravados durante o ensaio, ambas músicas do segundo disco, “Somewhere I Can Hear My Heart Beating”. Note que a gravação foi feita com uma câmera de mão (handycam), sem luz e com captação de som direto na câmera, sem mesa. A ideia é que você se sinta lá dentro do estúdio, sem edição, sem adições de softwares, sem maquiagem, com erros, tudo cru.

Para vídeos mais profissionais, aconselho assistir os do ensaio na Trama.

Primeiro, “Room In Twilight”:

E, então, “In The Sea”:

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