Jordaan Mason é um músico que mora em Toronto, Ontario, Canadá, e faz músicas sobre trauma, doenças mentais e relacionamentos não-binários.
Seu último álbum cheio, “Earth To Ursa Major”, é uma impressionante paisagem contemporânea que relaciona, poeticamente, as intimidades vividas pelo artista com um rico panorama galáctico, como se um astronauta e um cidadão médio compartilhassem o mesmo desespero básico pra encontrar seu lugar no mundo.
Floga-se: Eu sei que algumas faixas do EP “Earth To Ursa Minor” apareceram em algumas compilações etc., mas você considera o EP uma extensão temática do incrível mergulho que foi “Earth To Ursa Major”?
Jordaan Mason: As sessões de “Earth To Ursa Major” foram algumas das mais produtivas sessões que já tive. Eu acabei com muito mais música do que eu conseguia encaixar, então comecei a pensar nas músicas como um álbum e um EP: o “major” e o “minor” um do outro. Então, sim, penso nisso como um adendo a “…Ursa Major”, músicas que talvez dêem mais contexto ao estado de espírito e ao mundo do qual estou falando naquele álbum.
F-se: Gosto da relação entre o universo cósmico que alguns títulos das faixas têm e como as letras desenvolvem uma relação tênue entre imensidade e intimidade, uma relação que eu posso ouvir desde “One Day The Horses Will Have Their Revenge” (de 2004). Como você percebe essa relação, se é que existe, no seu trabalho?
JM: Acho que ao longo do meu trabalho tentei usar histórias pessoais e íntimas pra falar sobre coisas que são maiores que eu, maiores que meu corpo e que a experiência com o mundo. Ao longo dos anos, aprendi que são as coisas mais específicas e detalhadas que mais ressoam com as outras pessoas.
F-se: Você acha que os interesses que o motivaram nas primeiras gravações ainda são os mesmos?
JM: Acho que o que permaneceu constante é o meu desejo estranho de documentar minha vida através da música, mas acho que minha motivação pra fazê-lo está mudando constantemente. Estou sempre me questionando pra repensar porque estou fazendo isso, tentando encontrar novos processos e formas através dos quais eu possa trabalhar. Acho que quando comecei a escrever músicas, eu só queria escrever músicas de amor gay, porque eu nunca ouvi músicas de amor gay. Suponho que o que permaneceu consistente, então, é que ainda tento escrever sobre coisas sobre as quais não ouço outras pessoas cantando com muita frequência, embora os tópicos de meu interesse mudem com o tempo.
F-se: Quais histórias (literatura, filme etc.) você consumiu que você acha que de alguma forma influenciaram a estrutura de sua escrita? Suas letras quase sempre me parecem poemas, contos ou algo assim.
JM: Alguns dos escritores que me influenciaram incluem Jean Genet, Sarah Kane, Leonard Cohen, Frank O’Hara, Getrude Stein, James Joyce, Georges Bataille e Kristina Born. Alguns dos meus filmes favoritos são “Mal Dos Trópicos” (“Tropical Malady”, de Apichatpong Weerasethakul, 2004), “O Atalante” (“L’Atalante”, de Jean Vigo, 1934), “Luzes No Céu” (“Fireworks”, de Akiyuki Shinbo, Nobuyuki Takeuchi, 2017), “Chamas De Verão” (“Mademoiselle”, de Tony Richardson, 1966), “Ensina-me A Viver” (“Harold And Maude”, de Hal Ashby, 1971) “Jeanne Dielman, 23, Quai Du Commerce, 1080 Bruxelles” (de Chantal Akerman, 1975), “Stroszek” (de Werner Herzog, 1977), “O Matador De Ovelhas” (“Killer Of Sheep”, de Charles Burnett, 1978), “Garotos De Programa” (“My Own Private Idaho”, de Gus Van Sant, 1991), “Totally Fucked Up” (de Gregg Araki, 1993), “A Última Noite” (“Last Night”, de Don McKellar, 1998), “O Romance De Morvern Callar” (“Morvern Callar”, de Lynne Ramsay, 2002) e “Morrer Como Um Homem” (de João Pedro Rodrigues, 2009).
F-se: Como tem sido no seu processo diário de escrita não se concentrar na métrica e apenas ser honesto (“She said, ‘don’t focus on the meter, just try to be honest'”, “Liturgy Part Three”)?
JM: É um ato de equilíbrio. Eu amo palavras e rimas e os ritmos que você pode fazer com certos sons enquanto você canta, então a maneira que a dicção é usada nas minhas músicas ainda é importante pra mim. Mas não se trata apenas de palavras pra mim, preciso dizer algo com as palavras, revelando alguma verdade, mesmo que apenas eu saiba do que realmente estou falando. Mas acho que sempre ficarei preso à métrica tanto quanto ao significado.
F-se: Gosto do quão revigorante “Speaking In Flowers” soa após a épica “Liturgy Part Three”. Você pode ser honesto, foi apenas uma maneira de colocar Jean Genet no seu épico (risos)?
JM: Escrevi “Speaking In Flowers” como uma espécie de outro pra “Liturgy Part Three”. É para ser uma explosão de alegria que vem após o peso da música anterior. Eu me gravei cantando várias camadas de letras secretas que depois enterrei sob todas as camadas de sintetizador. Decidi colocar a citação de Genet de “Nossa Senhora Das Flores” (Our Lady Of The Flowers”, livro de 1943) nas letras, em vez do que eu realmente estou cantando na música.
F-se: Como você sente o conflito artístico e íntimo de revelar tantas coisas sobre você na música? Há momentos em que você para e pensa “nossa, é melhor eu parar um pouco ou cortar algumas linhas” porque as músicas são tão reveladoras?
JM: Normalmente não corto as coisas porque elas são reveladoras… Normalmente, apenas encontro uma maneira diferente de dizê-las, se eu estiver preocupado. Quero dizer, definitivamente me preocupo. Acho que seria estranho se eu não fizesse isso. Mas se estou sendo realmente direto sobre algo que preferiria não ser direto, há outras maneiras de abordar o assunto. Às vezes, isso significa apenas que levo mais tempo pra falar sobre certas experiências.
F-se: Suponho que em suas apresentações muitas pessoas se aproximam de você, falando sobre como suas músicas ressoam nelas… Como você se sente sobre essas abordagens?
JM: Como alguém que existe basicamente fora da indústria da música o tempo todo em que faz música – nunca fui contratado por uma gravadora real ou tive uma pessoa de relações públicas ou algo assim – adoro ouvir pessoas que ouviram meu trabalho. Na maioria das vezes, parece que as músicas saem pro éter da Internet e desaparecem porque eu realmente não sei como promover minhas coisas além de um post nas mídias sociais que é como “lançado!”. Então, quando alguma pessoa se aproxima de mim pra dizer que minha música significou algo pra ela, é praticamente tudo pra mim.
F-se: Normalmente ouço “If I Disappear…” todas as manhãs, amo o conteúdo lírico, gosto de como é “minimalista” em sua estrutura sonora. Como surgiu a música?
JM: O instrumental pra essa música realmente veio primeiro, antes da letra. Foi uma das primeiras coisas que escrevi pra “…Ursa Major”, logo após ganhar o teclado com o qual compus o álbum. Comecei com uma camada e continuei adicionando mais e mais camadas à medida que a música progredia. As letras apareceram depois que eu gravei todas as várias camadas criadas durante a música, inflamadas pela frase “se eu desaparecer, estou perdido…”, algo que eu dizia a um amigo enquanto trabalhava na faixa, porque eu continuava desaparecendo da conversa pra trabalhar. Eu gostei da idéia de fazer essa faixa que constrói, constrói e começa a abafar os vocais, pra que eu comece a desaparecer na música.
F-se: Os arranjos de seus discos são muito bonitos e gosto de como soam “imprevisíveis”. Como você costuma escolher o que colocar em cada música (harpa, piano etc.)?
JM: Eu ouço os arranjos na íntegra na minha cabeça, e depois passo um longo tempo tentando fazer eles saírem da minha cabeça e entrarem na gravação. Tive mais sucesso nisso em alguns dos meus discos do que em outros. Sou autodidata; então, não sou particularmente bom em escrever partituras ou falar usando teoria musical. Eu trabalho bem instintivamente, cantando as partes que estão na minha cabeça em voz alta até que eu as descubra em um instrumento. Às vezes, sou limitado pelos instrumentos que possuo ou pelos instrumentos que as pessoas que conheço tocam. Por exemplo, eu nunca usei trompa francesa em nenhuma gravação, embora seja provavelmente meu instrumento favorito – eu só não tive um trompista em meus círculos sociais. Então, nunca aconteceu.
F-se: Você tem algum tipo de rotina quando se trata de composição etc. (por exemplo, algumas horas por dia), ou você é um daqueles artistas que cria instintivamente?
JM: Quando comecei a escrever músicas, eu era uma verdadeira coruja da noite, minha composição era feita principalmente à noite, quando eu não conseguia dormir. Não tenho os mesmos problemas pra dormir que costumava ter, então agora sou uma pessoa matinal. Normalmente, componho a maior parte das coisas nas primeiras horas depois de acordar. No entanto, não há muita consistência nisso. Às vezes, eu não canto ou toco um instrumento por meses seguidos, e então outras vezes eu não consigo ficar longe disso. Eu costumava ficar apavorado se eu ficasse sem cantar ou escrever por um tempo, como se tivesse perdido uma parte de mim ou algo assim, mas eu realmente não fico incomodado da mesma maneira agora. Sempre volta quando eu menos espero, e então estou escrevendo e cantando o tempo todo de novo.
F-se: Você costuma ir atrás de um novo hardware etc. ou o seu equipamento de gravação é mais analógico etc.?
JM: Eu não tenho um equipamento de gravação sobre o qual eu possa falar. Eu edito a maioria das minhas gravações recentes com o microfone embutido no meu celular, embora eu tenha um microfone de verdade agora que tenho feito algumas gravações no computador, mas meu computador tem dez anos e não funciona muito bem. Se estou usando meu telefone ou o microfone, eu uso software gratuito de computador pra mixar e editar tudo. Eu nunca fui um grande fanático por equipamentos – os únicos pedais de guitarra que possuo me foram dados, e eu nem mesmo tenho minha própria guitarra elétrica pra usá-los. Então, agora eles são mais usados com o sintetizador que peguei emprestado de um amigo nos últimos anos. Eu meio que sempre trabalhei apenas com o que tenho na sala pra fazer uma gravação. Estou mais interessado em capturar a hora, o lugar e o estado emocional de uma determinada música em uma gravação do que garantir que soe perfeita.