Júlio Ferraz tem vinte e cinco anos. Mas parece que viveu o triplo, o quádruplo. Sua história é exemplar. Na virada de 2012 pra 2013, teve um problema de saúde que culminou na descoberta assustadora: tinha leucemia.
Os excessos etílicos que cometia no dia a dia, o estresse, os problemas pessoais, tudo foi trocado por rotinas médicas, exames, preocupação e… morte. A morte rondava Júlio Ferraz, guitarrista, vocalista e compositor da banda pernambucana (de Floresta) Novanguarda. “Eu tive que me acostumar até com a morte”, diz ele nessa entrevista exclusiva, onde conta os detalhes de sua luta pela vida, cuja maior arma, além da medicina, foi a música, a banda, a insistência em manter a mente ativa, viva.
“Eu queria muito sair de lá. Tenho muita coisa que ainda quero realizar e me apeguei nisso”, conta.
Banda, familiares e amigos ajudaram nessa recuperação. Uma força psicológica indestrutível, que só ganha comparação quando se trata de sua arte. Nesse período até a alta, compôs pro novo disco da Novanguarda, chamado “Depois Do Céu De Diamantes”, que saí em 2014, sucessor do bom “A Máquina De Retratos”, de 2012. Essa fase está retratada no disco, embora não explicitamente. Mas criar foi importante.
Hoje, ele se sente bem: “vejo-me em uma nova fase, tanto pessoal como artística, espero estar encontrando minha calmaria depois de tantos períodos tempestosos”.
É o artista dando um chute na dureza da realidade. E ganhando a batalha.
Floga-se: Como foi a descoberta da doença?
Júlio Ferraz: Há um tempo eu estava me sentindo estranho, mas achei que era por conta de problemas pessoais, estresse e bastante álcool. No início do ano de 2013, em março tive um sangramento na gengiva que também pensei que fosse bobagem, fiquei em casa e parou o sangramento. Mas depois veio uma infecção na gengiva, pensei que fosse algum dente que estava com problema, eu estava pra marcar dentista mas tive febre e estava sangrando bastante. Daí resolvi ir à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) aqui próximo da minha casa pra tentar descolar algum antibiótico. Quando cheguei lá, fiz exame de sangue e acusou uma anemia fortíssima. Eu estava com cinco por cento de hemoglobina, menos da metade do sangue no corpo, mas estava lúcido. Fui encaminhado pro Hemope (Fundação Hemope, da Secretaria de Saúde do Governo do Estado de Pernambuco), me internei dois dias depois de saber da anemia.
F-se: Isso tudo, então, aconteceu muito rápido. Digo, do momento do sangramento à quimioterapia, foi quanto tempo?
JF: Na verdade, quando fui pra UPA e descobri da anemia, paguei de maluco por conta do susto, pois simplesmente por estar assustado não encarei ir pro Hemope de cara, assinei uns papéis e voltei pra minha casa. Eu poderia ter morrido por conta de minha decisão, mas essa decisão fez tudo se encaixar, pois isso era uma quarta, eu acho, e passei a quinta em casa sangrando pela gengiva. A médica da UPA disse que mais uma hemorragia e eu podia morrer, o fato é que cheguei na sexta no Hemope, então resolvi ir. Quando cheguei lá, foi o dia que muitos tinham tido alta pra ver a família e dei a sorte de conseguir vaga. Iniciei o tratamento no sábado. Desde quando eu soube da anemia, depois de internado, descobri outras coisas. Por exemplo, eu estava sem conseguir enxergar direito. Antes do internamento, uma semana antes, descobri que eu tinha tido uma hemorragia interna na cabeça, o sangue danificou minha visão, pois manchou meus olhos por dentro. Foi o que eu entendi do oftalmologista. Eu sai, bebi, achando que era um simples problema de vista. Só vim descobrir a causa depois de internado. Foram vários dias de exames. Tive muita sorte, na verdade, pois a hemorragia rolou, mas parou. Muitas pessoas morrem assim, do nada.
F-se: Você estava morando em Recife quando isso rolou, ou no interior?
JF: Há três anos, mais ou menos, o Novanguarda veio residir no Recife, por algumas necessidades de suporte, por exemplo. Se precisávamos de qualquer coisa, tínhamos que comprar fora: equipamento ou qualquer suporte que seja. Precisávamos de uma estabilidade melhor e passamos a residir no Recife. A banda é registrada como banda de Floresta, mas estamos residindo no Recife. Logo, sim, eu estava no Recife quando rolou isso e ainda não pude ir a minha cidade desde o acontecido, espero poder voltar lá em dezembro.
F-se: Pra tentar entender, quais problemas pessoais te levaram aos excessos com a bebida? Esse excesso ajudou a construir o quadro que se seguiu?
JF: Eu sempre fui muito de mergulhar em meus projetos. “A Máquina De Retratos” era um conto em momentos até crônicos, mas tudo que faço mesmo que ficção tem uma pouco de realidade, sempre tem algo de mim. Eu sempre bebi, mas eu andava tenso e preocupado com o disco e também vinha com problemas de um relacionamento pesado que tive com uma garota que fez parte de minha vida por um longo tempo, esse tempo que gerou o disco e estivemos juntos em muitos momentos importantes de minha vida como músico. Os excessos com certeza se deram por conta da tensão e do envolvimento que eu estava tendo com cada personagem do meu disco. Sobre o excesso com álcool ter influenciado na leucemia, não, segundos os médicos isso não tem nada a ver, tanto que tem muita gente que nunca bebeu e está lá em tratamento. Todos têm células boas e ruins, em alguns essas células ruins desenvolvem em outros não. É meio que ter sido sorteado com isso (risos).
F-se: Você se sentia bem tomando todas? Você se consideraria hoje um alcoólatra ou imagina que era um lance da fase tumultuada de sua vida?
JF: Assim como a realidade, ou a vida fora dos bares ou das ruas e das curtições, sempre havia dias bons e ruins, dias que eu me sentia bem e dias que eu pensava se isso era bom pra mim. Sim, eu bebia com muita frequência, bebia todos os dias, mas não acho que eu sou um alcoólatra, acho que era apenas um cara bebendo pra caramba que não caia fácil. Digo que não sinto que eu era viciado mesmo, pois não tive dificuldade pra parar, quando precisei eu parei, hoje eu saio com meus amigos e todos bebem todas e fico do lado tomando água. Isso aconteceu no Coquetel Molotov, eu estava lá bem de boa e todos estavam curtindo sua cerveja. Acho que um alcoólatra é alguém que precisa realmente de uma ajuda mais especializada pra tratar isso, não precisei dessas coisas, não, e estou me sentindo muito bem nessa fase de lucidez.
F-se: Beber ajudava na sua música?
JF: Ajudou, sim, em muitas composições. Me ajudou a por pra fora alguns sentimentos que talvez eu não falaria deles se estivesse de cara, mas também teve o outro lado, eu estava me sentindo um péssimo guitarrista, por mais que educadamente ouvisse das pessoas que eu estava mandando bem, mas eu sentia que não estava e precisava mudar esse quadro e hoje me sinto muito bem estando como estou, limpo, sem bebidas, apenas vivendo minha música.
F-se: Como a descoberta da doença impactou na sua vida, na família e na banda? Tem gente que demora pra cair a ficha sobre a gravidade de determinadas situações… Você recebeu essa notícia como?
JF: Bom, houve dois momentos. O primeiro é que eu descubro que estou com leucemia. A família já sabia e a banda também, todos me apoiaram muito, sempre estiveram do meu lado, isso me ajudou muito, todo mundo mesmo do meu lado, eu em nenhum momento me senti realmente sozinho. Mas sobre o impacto, houve um segundo momento, depois que tive a síndrome do ATRA (ácido all-trans-retinóico, administrado com a quimioterapia), eu fui parar na UTI, passei dias entubado e minha inocência por realmente não entender da gravidade da situação me fez ficar muito vivo. Vi muita gente morrendo mas tinha certeza que eu sairia de lá. Pra mim, o impacto maior foi quando eu saí da UTI e vários enfermeiros de lá foram me visitar na enfermaria. Foi quando caiu a ficha que pouca gente escapava dessa etapa do tratamento e instantaneamente fiquei triste. Feliz por ter saído vivo, mas com uma sensação horrível que até hoje não sei explicar. Mas, sabe, quando só há um caminho e você quer viver, o jeito é encarar, encarar mesmo, o medo mata e vi muita gente perder a vida por isso, por causa do psicológico, talvez.
F-se: Onde você buscou forças pra encarar?
JF: Todos nós queremos viver, mas temos que ter consciência que pra isso temos que está dispostos a qualquer coisa pra ficar de pé. Busquei força em minha família, em meus amigos, em minha música, passei os últimos escrevendo e vivendo aquele momento que eu estava vivendo, conhecendo novas pessoas e aprendendo. Eu queria muito sair de lá. Tenho muita coisa que ainda quero realizar e me apeguei nisso, e tentei relaxar.
F-se: Quanto tempo ficou em tratamento, sem poder voltar pra casa e depois quanto tempo ficou em tratamento fora do hospital? Algum efeito colateral?
JF: Passei sete meses internado, durante esse tempo tive quatro altas. A primeira internação durou uns quarenta dias, depois passei dez dias em casa, totalmente isolado; depois, retornei pro hospital e passei mais ou menos a mesma quantidade de dias internado. Daí, tinha uma alta de uma semana com o mesmo protocolo. E assim foi durante sete meses. O tratamento fora do hospital começou há duas semanas. Hoje, fui tomar minha terceira dose de MTX (metotrexato), que é uma quimioterapia subcutânea
onde vou ter que tomar uma injeção por semana durante dois anos. As quimioterapias que tomei internado foram bem fortes, a raiz do meu cabelo enfraqueceu, tive que raspar a cabeça, senti um pouco de enjoo… Depende muito do organismo, mas essas reações comuns eu não senti tanto, porém tive essa síndrome do ATRA que foi super perigosa, mas iniciei a manutenção e não rolam efeitos colaterais com essa quimioterapia que estou fazendo, apesar de ainda estar ajustando a dose pro meu corpo.
F-se: Hoje você se sente bem?
JF: Sim, me sinto, sim. Me sinto até melhor do que antes de ficar doente. O fato de ter parado de beber e estar me vendo finalmente longe de alguns fantasmas de minha vida, que me deixaram bastante triste e confuso por muito tempo, me faz sintir ótimo e pronto pra uma nova etapa. Vejo-me em uma nova fase, tanto pessoal como artística, espero estar encontrando minha calmaria depois de tantos períodos tempestosos.
F-se: E como isso está influenciando na música? o Novanguarda tá pra lançar disco novo, certo?
JF: Pra música está sendo maravilhoso, tenho pensado em muitas coisas. Na verdade, passei todos esses meses refletindo e algo que até compartilhei nas páginas do Novanguarda é que o corpo pode não resistir; um dia, lá longe, quando chegar a minha vez e eu partir, sempre vão existir as canções e nisso, sim, sempre serei eterno. Belas ou não, sempre vão ser presentes pra aqueles que gostam de mim, da minha música. Dessa reflexão nasceu “Depois Do Céu De Diamantes” que é o título do segundo disco do Novanguarda e também da faixa single que será lançada no mês que vem. Depois de me ver cara a cara com a morte, ou mesmo de ter que me acostumar com ela, sabendo que o momento pode ser qualquer um e não cabe a nós ditar isso, se envelhecer ou não, o que mais quero é mergulhar nas canções e isso tem sido uma força extra pra os trabalhos desse novo disco. Muitas canções novas eu escrevi no hospital e musiquei quando estava de alta isolado em casa. Então, (o disco) vai trazer um pouco desse sentimento, não de angústia, e sim de vontade de viver e fazer mais e mais, ter mais lances positivos pra ser lembrando inclusive. Tem um verso que se repete algumas vezes nos finais dos refrões de “Depois Do Céu De Diamantes” que é “venha com minha canção que me terás para sempre”. Resume bem tudo isso que eu falei.
F-se: Todas as letras e músicas do novo disco são dessa fase?
JF: Eu quem escrevo todos os temas, mas não sou eu quem faço as linhas do baixo nem os arranjos de bateria ou teclas. Faço os temas e jogo as ideias, depois cada um coloca um pedaço de si nas canções e com isso trás essa aura de banda mesmo, onde todos participam do processo criativo. Sim, todas as canções desse novo disco foram escritas de dezembro do ano passado pra cá, algumas fiz internado outras tinha feito perto de me internar e outras quando estive passando dias em minha casa no interior, isso no final do ano passado até janeiro desse ano. Mas todas são dessa nova fase.
F-se: Você acha que a música serviu como “terapia” pra sua recuperação? Como encararia essa doença se não tivesse a música, já pensou nisso?
JF: A música me ajudou bastante, bastante mesmo, me ajudou a encurtar os dias e esquecer um pouco da doença, fazendo eu me concentrar no que eu faria quando saísse dali. Logo, isso me trazia uma certeza de que eu ia me recuperar e logo iria executar tudo que eu estava planejando enquanto estava preso lá dentro do leito. Sem a música? Seria mais difícil, mas pelo o que me conheço e pelo o que me conheci mais ainda nesses últimos meses, acharia outro meio de encarar aquilo, não sei como, mas encontraria algo pra fazer o tempo passar e sairia dessa também, mas nunca se sabe, não temos poder pra responder algumas perguntas, mas temos a prioridade de pelo menos imaginar e eu imagino que encontraria outra saída, apenas poderia ser mais tedioso.
Vídeo oficial de “O Palanque”:
F-se: O novo disco vai sair mais “pesado” por conta disso?
JF: Não, acho que não. Talvez as letras sejam um pouco mais fortes e com menos metáforas, frases mais diretas e temas mais longos, mas não será um disco pesado. Acho que na verdade será um disco com belas melodias mas com guitarras barulhentas e ainda com forte influência na psicodelia e no noise.
F-se: Me refiro à temática… Quem não sabe da história perceberá algo nas letras? Qual o clima dele: alívio, redenção ou descarrego?
JF: Será cheio de oscilações climáticas, o disco vai sempre mudar de temperamento de acordo com o tema, não será uma linha reta. Na verdade, quando escrevo, estou tentando não falar sozinho, é o meu diário aberto e eu me sinto muito à vontade com o público da banda por isso, trato-os como grandes amigos, pois na verdade estou sempre desabafando em minhas canções e são essas pessoas que escutam o que passo, pois sei que é um saco ouvir gente que nem eu falando do que está sentindo ou passando (risos). Logo, passei a escrever tudo que sinto e quem ouvir nossas canções estará me ouvindo. Não sei se alguém que não sabe das minhas histórias ou do que já passei vai perceber fielmente as direções, até por que sempre tento deixar um espaço aberto pra interpretações no que faço. Acho que as letras estão bem diretas, talvez não ao ponto de se saber exatamente o significado de cada verso sem conhecer algo sobre mim, mas talvez seja mais fácil de se conectar de alguma maneira.
F-se: Poderá fazer shows quando o disco for lançado? Qual a data de lançamento do disco?
JF: Sim, poderei fazer shows. Inclusive já tem show marcado no interior. E voltaremos a fazer shows em dezembro. Estou aguardando também uma consulta que vou fazer no dia 31 desse mês (outubro de 2013), quando vou ter certeza que estou fora de risco de aplasia – quando todas as taxas caem e o organismo fica sem defesas. Se ainda estiver em risco, o médico só vai diminuir a dose da quimioterapia que estou tomando até ficar no ponto pra eu poder conciliar as duas coisas, tratamento e trabalho. A data exata do disco eu não tenho ainda, o álbum será lançado só em 2014, mas no final de novembro lançaremos o primeiro single do novo trabalho, “Depois Do Céu De Diamantes”.
F-se: Qual foi a maior lição que tirou disso tudo?
JF: Cara, a maior lição? É uma pergunta muito difícil, pois aprendi muita coisa que levarei comigo pra toda minha vida, como por exemplo entender o que é viver e saber lidar com fatalidades. Aprendi que muitas vezes fazemos tempestades em copo d’água, quando tem gente passando por coisa muito pior em filas de hospitais (por exemplo), eu mesmo tive a sorte de conseguir um leito, mas, sabe, quantos não ficam de fora e têm que encarar o tratamento sem um lugar pra ficar? Eu aprendi muita coisa, com todo mundo ali, de pacientes a enfermeiros, médicos, faxineiros, todos eram meio que terapeutas do dia a dia e conversávamos bastante. Aprendi também que em horas como essa todos falam a mesma língua e estão prontos pra compartilhar um abraço bem verdadeiro mesmo tendo te conhecido há poucas horas. As lições são muitas e não cabe em uma única resposta, acho que só cabe mesmo em atitudes que terei no decorrer de minha vida, não apenas em palavras.
F-se: Você encara agora a vida de outra forma.
JF: Com certeza. A visão é outra, e quando se percebe novos ângulos tudo fica mais claro. Aprendemos a decidir melhor também.
F-se: O que dizer pras pessoas que estiveram sempre ao seu lado e pras que estão sabendo agora da sua história?
JF: Pras pessoas que sempre estiveram do meu lado só posso dizer “obrigado”, com o sentimento de que minha gratidão vai além das palavras e com a consciência de que eu jamais vou poder agradecer à altura da atitude humana de cada um que esteve ali do meu lado, seja fisicamente ou através de energias positivas que mandavam para mim. Pra aqueles só souberam disso agora o que posso dizer é que vivam sem medo, turbulências acontecem, são lances da vida, mantenham-se em equilíbrio e sintam sempre os pés no chão pra ter a certeza que sempre vai estar de pé e que tudo tem sua hora e não precisa temer nada, tudo dá certo quando é pra dar certo e a gente faz nossa parte sendo forte e dando tudo de nós pra que realmente nada dê errado. Força, fé, positividade sempre e jamais deixar a vida de lado por motivo algum.
F-se: Você é religioso de alguma forma?
JF: Sim, eu sou, mas não do tipo que frequenta igrejas. No interior temos muito essa educação religiosa desde criança, eu fiz catecismo, crisma, todas essas coisas. Floresta é uma cidade bem religiosa, de pessoas com muita fé, mas quando eu cito a palavra “fé” na ultima resposta não foi em sentido religioso e sim na forma de acreditar que tudo é possível quando a gente acredita que é possível e vai à luta, encara sem medo e vence.
F-se: A Novanguarda continua a mesma banda?
JF: Virou quarteto desde o final do ano passado. Pierre Leite é o tecladista. Ele gravou o disco como adicional, mas depois entrou pra banda. Somos um quarteto. Tenho que atualizar (o perfil da banda). É que mudou muita coisa. Antes de eu adoecer, a gente estava saindo de uma produtora, ficamos sem produção por um tempo. Muita gente queria trabalhar com a gente, e terminou muita coisa desandando nesse sentindo. Aí, depois me internei e o foco ficou direcionado ao que eu tava passando. Mas vamos atualizar tudo a partir de agora e se Deus quiser fazer todos os shows cancelados
do primeiro disco (risos). Muitos se assustaram quando nos viram juntos no Coquetel Molotov. Mas foi bonito. Teve um rapaz chapadíssimo que chegou em mim super emocionado. Eu nem o conhecia, o cara me deu um abraço dizendo que gostava da banda e pensava que eu ia morrer (risos). Muitas pessoas ficaram sem ação quando me viram por lá. O engraçado que rola dessas coisas de às vezes a gente estar de bobeira e aparecer uma guria e pedir pra tirar foto. A gente tira (ri), só não tem costume com isso.
F-se: Faz parte, é a vida que vocês querem… E você tá aqui pra contar essa história…
JF: Totalmente. Tudo isso faz parte e é a vida. Foram muitos lances que rolaram. Sabe o que pra mim foi barra? Bem no inicio do tratamento, eu não sabia direito de nada e comecei a fazer amizades com outros pacientes. De repente, com poucos dias, eles morriam. Pareciam bem, mas aí rolava uma parada respiratória ou cardíaca ou qualquer outra fatalidade e, já sabe… Eu tive que me acostumar até com a morte. Chegou um ponto que eu pensava: “poxa, e se esse cara falecer do meu lado?”. Aí, minutos depois, eu pensava: “poxa, e se eu falecer do lado dele?”, saca? Isso foi uma das coisas mais pesadas que passei. Nesse tratamento acostumar com a morte, que alguém do meu lado podia morrer ou que eu mesmo podia morrer… Porque, na real, a gente nunca pensa que algo pode acontecer com a gente, só cai na real quando acontece, sempre pensa que é só com os outros.
F-se: Até porqe você é muito jovem. É claro que o jovem pensa que é infalível.
JF: Total. São 25 anos e passei minha vida no interior. Não sei de muitas coisas, nem Internet, acredita? Quando o novanguarda começou, em Floresta, pouca gente tinha Internet. Aí, tinha esses cybercafés, eu não tinha muita referencia, criava minhas referencias. Por um lado, isso foi bom na minha música, porque criei uma postura que era minha e não virei cópia de algo já pronto. Bom ou ruim, sou eu no palco e nas canções, por mais que existam fortes influências, mas não tem cópia, não tem tentativa de ser outra coisa. É algo que prezo bastante. Acho que devo ser suficiente como sou.
Vídeo de “Maria”:
F-se: Você imaginaria que teria dois discos cheios lançados?
JF: Que teria os discos imaginava, agora que seriam aceitos eu não tinha certeza. Mas quando digo aceitos eu falo de um pouco de reconhecimento, mesmo que no meio underground ou na cena de bares. Mas eu sempre escrevi bastante. Se eu tivesse grana já tinha uns quatro discos. Eu não tenho ideia de quantas canções eu faço por ano,
acho que é uma base de cento e sessenta. Tenho vários takes aqui feitos com violão ou teclado, cadernos cheios de letras, ideias, tem muita coisa, mas tudo é um investimento. Então, leva tempo e precisa de grana e o que paga isso são os shows. Precisamos tocar pra produzir mais e tocar novamente e por aí vai. É mais ou menos assim que funciona, pelo menos com o Novanguarda. Estamos lutando por algo que nos sustente além disso, pelo menos no nosso caso; não reclamo de espaço, tocamos bem pelo interior, pelo estado inteiro.
F-se: Mas se paga bem nesses shows?
JF: Trabalho da seguinte forma: shows de prefeitura, shows abertos com apoios grandes recebemos o nosso cachê mesmo, mas temos outras propostas, de shows menores, pedimos ajuda de custo, quando não podem pagar o cachê mesmo e por aí vai. Primeiro é não gastar com nada, depois vamos negociando valores, até fechar os shows. Não sei se eu expliquei bem essa parte e fiquei com medo agora de você publicar isso e alguém interpretar errado (ri), Não gastamos pra tocar e negociamos nossos shows: vai de acordo com o suporte do festival ou do evento, da visibilidade, do lance de valer ou não apena. Gostamos de fazer shows, mas precisamos cobrar por isso, mesmo que seja uma ajuda de custo, porém existem lugares que por opção já tocamos de graça, por ter algo que nos interesse, ou porque a gente simplesmente queria ir tocar, tentamos trabalhar com o máximo de flexibilidade.
F-se: Qual sua maior ambição hoje?
JF: Não tenho grandes ambições, sou só um sonhador, mas vivo cada momento. Logo, meu maior desejo nesse momento é lançar um bom segundo disco do Novanguarda. Como pessoa… Bom, a mesma coisa: vivo de música, vivo a música, pra música e só procuro ficar tranquilo e sempre poder fazer cada vez melhor o meu trabalho, isso já me satisfaz.
Vídeo oficial de “Pedro E O Tempo Em Seu Relógio De Papel”:
Muito legal! Precisa ter muita força para resistir e sair com vida desta terrivel doença, que poucos sobreviveram aos efeitos.
Mas, Júlio é um guerreiro, um homem forte, e cheio de sabedoria. Uma pessoa do bem! Merece viver e realizar seus projetos.
A banda Novanguarda é um projeto que já está dando certo! E Júlio Ferraz é um grande compositor, pois suas canções são belas, e mostra um estilo próprio de escrever.
Parabéns pela entrevista, e pelo bom trabalho da banda Novanguarda.
Tive o prazer de conhecer Júlio a alguns anos. Somos amigos a bastante tempo. Sempre trabalhei com música e foi como funcionário de uma loja de instrumentos musicais que nos conhecemos. Também sou músico, e já fazia um tempo que perdemos contato. Daí estou eu fazendo exames no HEMOPE (tenho uma doença parecida com a de Júlio. Aminha doença é SMD), e sem esperar achar alguém conhecido ali, encontro Júlio, graças a Deus já em um bom estado. Foi muito bom para mim conversar com ele pois eu estou iniciando meu tratamento, e ele graças a Deus está com o dele controlado. Ouvi dele bons concelhos e esclarecimentos sobre dúvidas. Assim como Julio a doença me pegou de surpresa. Sou casado e tenho duas filhas de 4 e 2 aninhos. Em conversa recente brinquei falando “vamos superar tudo. E iremos comemorar com muita água mineral. kkkkkkkk” Que Deus nos abençoe amigo. Muita paz!
Júlio, parabéns por essa bela intrevista!
Surpreso com tua biografia! Parabéns, meu velho! Se já tinha simpatias, agora vierei fã! Abraço!