Em 2015, a LuvBugs cometeu “Enxaqueca”, seu primeiro disco cheio (ouça aqui na íntegra). São doze canções pop, adornadas com distorções e batidas-chiclete, que acabaram fazendo do trabalho um dos discos mais divertidos e grudentos do ano – e só estamos na metade dele.
Não é um exagero. As músicas têm uma simplicidade que supõe que qualquer floreio, qualquer nota a mais, qualquer suspiro excessivo, tenha tudo pra estragá-las. São como perfeitas ao que se pretendem ser: simples, diretas e cativantes.
A LuvBugs é formada por Paloma Vasconcellos (bateria) e Rodrigo Pastore (guitarra e vocal). Antes de “Enxaqueca”, lançaram os EPs “LuvBugs”, em 2012, e “Coração Vermelho”, em 2014. O segundo EP é que me chamou atenção, daquelas de paixão à primeira vista.
A dupla tem a identidade da Transfusão Noise Records, selo de apreço ao lo-fi, capitaneado por Lê Almeida, e por onde saiu o disco e o segundo EP. A identificação é imediata, mas a LuvBugs se sobressai pela simplicidade, conseguindo apresentar suas armas próprias: “dentro daquele universo, a gente é bem diferente, sempre achei importante ter identidade própria”, diz Pastore, ciente de fazer parte de um selo que carrega características bem definidas.
Ambos, como era de se esperar, não vivem de música. Trabalham com audiovisual e não podem se dar ao luxo de complicar muito as coisas: “a gente só vai lá e faz. Sentimos e pronto. Bem simples mesmo. Pra mim, quanto mais simples melhor”, define Paloma.
Simplicidade na música jovem é a chave de ouro. O que se faz com essa simplicidade são outros quinhentos. Há quem encha de produção, tecnologia, grandiosidade e consiga seus resultados de público e venda. A música pop tá cheia de exemplos assim: uma melodia e uma estrutura simples envoltas numa embalagem de cinemão americano. A LuvBugs fez a sua escolha – a simplicidade por si só já lhe basta.
É o que eles mostram na música e nessa entrevistona ao Floga-se: “afinal, temos a LuvBugs pra nos divertir”. Precisa de mais?
Floga-se: Vamos começar com a clássica… “como começou a banda?”. Contem a história musical de vocês.
Rodrigo Pastore: Eu e a Paloma já namorávamos, tentávamos montar bandas, mas não tínhamos nem cogitado tocar juntos. Aí, um casal de amigos da Paloma chamou a gente pra fazer um ensaio, os quatro, mas eles faltaram. Isso foi em 2012.
Paloma Vasconcellos: Aí, a gente ficou sozinho no estúdio esperando eles, ficamos ensaiando só nós dois. Na época era baixo e bateria, fazíamos jam e vimos que podia ser legal. Mas eu sempre senti falta de distorção. Então falei pro Rodrigo tocar guitarra ao invés de baixo. E dei de presente pra ele um pedal de fuzz. Até tentamos colocar baixista, mas nenhum deu certo, então decidimos seguir só a gente mesmo.
F-se: Já era a LuvBugs de hoje, sonoramente falando?
RP: Tinha a “Quero Que Você Saiba”, que saiu no primeiro EP e umas músicas perdidas.
PV: Sim. Eu tinha algumas músicas que ainda não tinha gravado, como a “Perdidos” e “Shut You”.
RP: No começo, eu queria fazer uma coisa meio Hüsker Dü, mas como as coisas começaram a ganhar um caminho natural, a gente deixou rolar.
PV: E eu mais Sonic Youth…
F-se: “Queria fazer uma coisa meio Hüsker Dü”… eu diria que vocês até conseguiram, só que com um apelo mais pop. Esse lance “chiclete” surgiu como?
PV: Talvez por causa do tipo de levada que faço nas baterias.
RP: Eu acho que foi mesmo a batida que a Paloma dá nas músicas, eu pedia pra ela fazer algo mais pesado, mas ela sempre fazia uma coisa meio dançante. Aí, foi mais democrático aceitar isso.
F-se: Esse negócio um-dois-um-dois, um tanto new wave…
RP: Essa coisa de palminhas, né?
PV: Não. Minhas batidas são mais anos 60. Pelo menos, eu acho, não sei ao certo. Nunca pensei sobre isso, na verdade. Eu só ouço o Rodrigo tocar e vou seguindo o feeling.
RP: Sim, mas eu também acho que soa um pouco new wave.
F-se: Mas eu entendo o que a Paloma diz, porque as canções, tirando as distorções e as letras, tem uma leveza ou inocência pop sessentista mesmo, daquelas de bailinho. Essa junção com as distorções é que dá uma graça única pra vocês, certo?
RP: Pode ser, sim. Essas músicas não têm como serem tocadas sem sujar as guitarras, senão ficaria muito pop mesmo. Lá no início, eu fazia uma guitarra mais limpa, mas a Paloma me enchia o saco pra sujar, e foi difícil achar o som de guitarra da banda, gastei um bom tempo nisso.
PV: Não existiria LuvBugs sem distorção.
Vídeo oficial de “Nós Dois”:
F-se: Como foi a aproximação com a Transfusão? Parece-me que o som de vocês foi feito sob medida pra encaixar na jeito do selo…
PV: No nosso primeiro show oficial, em Botafogo (bairro da zona sul do Rio de Janeiro), em janeiro de 2013, um amigo falou pra gente que o Lê Almeida tava lá, viu o nosso show e foi embora. E então não sabíamos se ele tinha curtido. Aí, ele chamou a gente pra fazer show com ele.
RP: Aí, ele nos mandou uma mensagem na Internet dizendo que curtiu e chamou pra gravar com ele… Eu de fato sempre curti muito o som da Transfusão, ninguém aqui no Rio, pra mim, fazia algo tão bom. Foi muito inspirador pra mim ouvir o som da Transfusão.
F-se: Vocês se surpreenderam com o convite?
PV: Sim, foi surpresa. É muito gratificante.
RP: Fiquei feliz pra cacete!
PV: Toda a galera da Transfusão tem um lance que me agrada muito, um som verdadeiro, sabe? Que é raro nos dias de hoje. Aí a gente foi gravar na casa do Lê, porque ainda não tinha o Escritório (quartel-general da Transfusão Noise Records).
RP: Muito bom saber que tem uma galera fazendo o mesmo tipo de som que eu e saber que eles curtiram o meu som.
PV: Na Transfusão, a gente recebeu todo o suporte necessário pra acreditar que é possível, sim, fazer um som verdadeiro, nosso, onde todo mundo tá na mesma vibe, no mesmo feeling.
F-se: Mesmo assim, no meio daquele pessoal todo, com elementos em comum – do lo-fi às guitarras – o som de vocês é bem único dentro do selo.
RP: Dentro daquele universo, a gente é bem diferente, sempre achei importante ter identidade própria, não ser cópia descarada de nenhuma banda, só copiar um pouquinho algumas coisas (ri).
F-se: Como vocês se inspiram, onde buscam inspiração?
RP: Buscamos inspiração nas coisas que acontecem no dia a dia. Pra mim, vem de um dia de praia, uma volta de bicicleta ou em coisas pessoais difíceis que passamos na época de composição do “Coração Vermelho”.
PV: A maior parte das minhas letras são frutos de sonhos que eu tive. Pra mim, as melodias e batidas são das coisas que eu escuto. Tudo bem simples mesmo.
F-se: Vocês demoram pra criar? Como é o processo de criação e o cotidiano da banda? Pensam a banda vinte e quatro horas por dia?
RP: Não muito, normalmente a ideia vem de uma hora pra outra com a guitarra, melodia, letra, tudo de uma vez. Penso em composição 24 horas por dia, sim. Eu tenho um emprego de segunda a sexta. Aí, às vezes, no meio do trabalho, vem um rife na minha cabeça e cantarolo no gravador do celular pra não esquecer. Às vezes, sonho com canções inteiras, como o caso da “My Babe” e da “Got Eyes For You” – a segunda, com letra e tudo. Muitas vezes fico tentando fazer um rife e sai coisa legal.
PV: Pra mim, é totalmente aleatório. Acredito que se a gente sentar pra fazer uma música, não rola. Tem que ser espontâneo. Meio inconsciente até. Digo “inconsciente” porque pra mim, a maioria das composições vêm de sonhos meus.
F-se: Então, basicamente, quando as ideias chegam de cada um de vocês elas já vêm prontas ou são só ideias embrionárias?
RP: Geralmente embrionárias, mas geralmente o resto da música vem logo em seguida, senão eu fico enrolando com o rife e a ideia morre. A gente faz os ajustes nos ensaios.
PV: Quando eu coloco os pensamentos no papel, eu pego o violão e faço uma melodia, mas é no ensaio mesmo que a gente faz acontecer.
F-se: No final, a música é obra dos dois…
PV: Sim.
F-se: E por que LuvBugs? De onde veio o nome?
PV: A gente tinha alguns nomes em mente, mas nenhum era bom o suficiente. LuvBugs veio do nada na cabeça, sem uma explicação.
RP: A gente tinha uma listinha de nomes. LUV é a placa do meu carro. Aí, a gente começou a tentar misturar com outros nomes.
F-se: Como definem o som de vocês? Aliás, vêem necessidade de alguma definição?
PV: Não. Rótulos são para geleias (ri). Acho melhor ficar indefinido, porque dá mais liberdade tanto pra criar, quanto pras pessoas que ouvem se identificar.
RP: Eu não sei responder isso muito bem. Hoje, até acho que definição tem alguma importância, mas sempre tive dificuldade com isso. Eu costumo dizer que LuvBugs é rock, lo-fi, é legal pra ajudar as pessoas a achar algo que procuram. Ainda mais hoje com internet, é tudo muito segmentado. É importante, principalmente pra bandas independentes. Mas temos que ter muito cuidado ao rotular o som, porque pode gerar uma falsa expectativa nas pessoas. Enfim, acho difícil isso.
“Coração Vermelho”, ao vivo, no Escritório:
F-se: Vamos falar do “Enxaqueca”… Quando ele começou a ser feito? Quanto tempo ele demorou pra ser criado?
RP: Ele começou a ser feito, composto, no dia que lançamos o “Coração Vermelho”. Demorou um bom tempo, né? Tiveram algumas sobras, coisas que nem chegamos a gravar, também. A gente (o EP) lançou em março ou abril de 2014, a gente começou a gravar o “Enxaqueca” em outubro. A última composição foi em outubro mesmo, “Tempo Amigo”, dias antes de gravar as baterias.
F-se: Tiveram alguma dificuldade?
RP: Dificuldade não, foi mais um desafio pensar em um disco de mais de dez músicas. A gente combinou de só gravar quando tivesse mais de dez músicas novas.
PV: E é sempre um desafio transpor os sentimentos. É quase um parto (ri).
F-se: Por que algumas músicas são especificamente em inglês?
PV: São as minhas, na maioria. Mas o porquê eu não sei explicar. É uma coisa minha, aleatória mesmo.
F-se: É tranquilo alternar idiomas na composição?
PV: Sim. Às vezes, é mais tranquilo pra mim até do que em português.
RP: Acho que não tem motivo, não é tipo “vamos ter duas músicas em inglês no disco”. Essas músicas aparecem, se a gente gosta, entra no disco. Eu prefiro escrever em português, acho mais legal.
F-se: Como tem sido a recepção do disco? Vocês acompanham? Receberam críticas negativas?
RP: Tem sido legal! Alguns blogues têm curtido. Acho que a resposta do público nesse disco tá sendo mais rápida que do “Coração Vermelho”.
PV: É, tem sido muito boa. Acompanhamos, sim. Vimos que alguns blogues elogiaram, e as pessoas também têm curtido bastante. Isso deixa a gente muito feliz. E (quanto às críticas negativas), sim, faz parte da vida (ri).
RP: Acho que o disco só vai ficar rodado mesmo quando alguém falar mal. Admito que é difícil receber críticas negativas. Do “Coração Vermelho”, eu não lembro de alguma, mas do primeiro EP, sim. Uma mulher de uma rádio universitária que tocou a gente disse que achou a banda meio desencontrada, era uma palavra tipo essa, não exatamente essa…
F-se: E quais críticas vocês fazem a vocês mesmos? São autocríticos?
RP: Eu sou muito, mas a gente tenta fazer os defeitos virarem virtudes. Eu sei que vou desafinar um pouco ao vivo, que vou errar uns solos, mas o mais importante pra mim é todo mundo se divertir.
PV: Sim. Tento sempre fazer o meu melhor. Na real, lá na hora do show, na bagunça da galera, ninguém vai se importar se você erra um acorde, uma nota. E se repararem, não importa. O que importa é o conjunto, o show, a apresentação como um todo.
F-se: Mas a pergunta não foi referente à perfeição de execução, mas sim ao conteúdo, à mensagem, à performance, à sonoridade…
PV: Pra mim, isso não é algo que eu critique. A gente só vai lá e faz. Sentimos e pronto. Bem simples mesmo. Pra mim, quanto mais simples melhor. Não há grandes exigências. Afinal, temos a LuvBugs pra nos divertir.
RP: Sim, autocrítica sempre há, as canções que não curtimos a gente corta dos CDs… Às vezes, algumas letras não ficam exatamente como eu queria, mas acho que isso na real é bom e não ruim. Perfeição geralmente não tem muita graça.
F-se: Quais são as maiores virtudes do “Enxaqueca”?
PV: É a representação de uma ótima fase que estamos vivendo.
RP: Eu curto o feeling, curto muito o som de guitarra e bateria que a gente tirou.
F-se: O que vocês esperam do futuro da LuvBugs? Fazem planos? Dá pra um dia viver disso?
RP: É logico que a gente gostaria de viver disso, meu sonho é viajar por aí tocando com a LuvBugs, mas o show business é muito cruel com o rock ‘n’ roll nacional. A gente vai levando, faz o que pode… Viver disso, no momento, estamos longe.
PV: Do futuro eu espero que continue assim e cada vez melhor. Não dá pra fazer muitos planos porque é aquela coisa, planos geral, expectativas, e eu pessoalmente tento manter as menores expectativas possíveis pra depois não dar ruim. É um sonho viver da LuvBugs, fazer show por aí, conhecer lugares e pessoas diferentes. Infelizmente no Brasil isso não é levado muito a sério. Mas acredito que estamos no caminho certo. E o futuro, quem viver, verá (ri).
“Ser Você” ao vivo, no Escritório: