ENTREVISTA: RAKTA – BOAS MENTIROSAS

A Rakta tem três trabalhos, cujo ritual explora vastas texturas sônicas em atravessamentos cheios de ruídos, psicodelia, progressões e diversas variações que podem ser conferidas através de uma aproximação sensorial. Depois do excelente “III” (ouça aqui), e do sete polegadas “Oculto Pelos Seres” (ouça aqui), o caminho ocultista performativo é seguido no sinistro “Falha Comum”, de 2019 (conheça aqui).

A energia disposta nesse disco é uma conversão de um universo que é criado a partir de aproximações afetivas e resquícios que extrapolam o senso comum de composição. É uma experiência cujos resultados dilaceram a audição mais perceptiva, imergindo o ouvinte em difusões sonoras que fragmentam a subjetividade.

Pra ter um vislumbre desse processo, eu troquei uma ideia com Paula Rebellato (sintetizadores e voz), entrevista que você lê abaixo.

Floga-se: Todos os seus discos, com certeza, abordam a resistência como um tema central, não apenas pelas letras e pelas ideias da banda, mas toda a sua sonoridade parece nascer num ponto de antagonismo com um sentido tradicional de composição. Como isso foi incluído dentro do processo de criação do “Falha Comum”?

Paula Rebellato: De forma orgânica, espontânea e também pensada. Esse foi o primeiro disco gravado com o (Maurício) Takara na bateria e isso já trouxe também outros caminhos sonoros pra nós. Incluir “o que somos” não exige “esforço”. É como é e com certeza cada vez com mais experiência e mais bagagem. A diferença é como cada um pensa e pensou a partir do momento em que as composições foram se desenvolvendo. Um desejo claro nesse disco foi o de tentar chegar o mais próximo do que é ao vivo, em termos de caos sonoro. O ponto de partida da composição varia. Às vezes vem a partir de uma linha de baixo, uma linha de teclado, de voz, de um desejo de atingir um certo tipo de pulso ou lugar etc.

F-se: Ao mesmo tempo em que o antecessor apresenta diferenças consideráveis, minha impressão é de que há um aprofundamento desse universo cíclico e ruidoso que estabelece uma espécie de celebração no submundo, em que “bem” e “mal” se unem como uma manifestação única. Como vocês avaliam ser possível “absorver” o contexto em que estão inseridas e transpor pra uma performance tão particular?

PR: Com certeza somos o tempo todo influenciados pelo meio, pelas formas-pensamentos, pelas relações, pelos sonhos, pelas ilusões todas. O que existe em mim, em nós, é um incansável ato de descobrir (a própria palavra já diz), mas que nunca se revela, parece, no sentido de “chegar em alguma verdade”. Algo como “já está lá mas não está”. Fernando Pessoa diz: “Tudo é ilusão. Tudo se reduz a criar. Tudo se reduz a iludir-se. Portanto criar é mentir”. Eu acho que somos boas mentirosas.

F-se: O universo musical de vocês é bem abrangente. Como é o processo de criação quando vocês estão no mesmo estúdio e decidem gravar algo novo?

PR: Da mesma forma que falei na primeira pergunta. Alguém pode trazer uma ideia, um pulso, uma letra, uma voz, uma linha de melodia ou de bateria… E vamos experimentando. No disco novo, a música “Fim Do Mundo” surgiu a partir de um desejo meu de trazer uma sonoridade meio “disco”, por exemplo. Levei referências e a partir da bateria seguimos adiante. Então, lembrei que tinha um sonho gravado de um amigo nosso, o (Thiago) Miazzo (músico de diferentes personas), porque comecei a coletar sonhos das pessoas. E é um sonho sobre o fim do mundo.

F-se: Com “Fim Do Mundo”, é evidenciado que o projeto Rakta é constituído por atravessamentos cujos resquícios impregnam na sonoridade e no discurso da banda. Essa personalidade de absorver e irromper microcosmos, com tanta abundância, é uma característica que nunca foi tão possível quanto no tempo em que vivemos (considerando Internet e tudo mais)?

PR: Não sei dizer. Ao mesmo tempo que sim me parece também que não. O fato de termos acesso inesgotável implica em termos também mais fatores externos que nos influenciam, mais distrações, mais comparações, mais escolhas – ou seja, mais dúvidas – e tudo isso pode enfraquecer nossa expressão autêntica (que também deve ser questionada, pois, não sei até que ponto tudo não passa de uma boa ou má imitação). Agora, tornar-se bom em imitar a si mesmo é total mindfuck, no bom sentido. A chave pra mim é essa, eu penso. Não é sobre a abundância de fora, é sobre a abundância de dentro, entende?

F-se: A decisão de inclusão dos cânticos ritualísticos presentes em todo o “Falha Comum” está ligada a uma manifestação e/ou período específicos?

PR: Não. Sempre existiu.

Rakta ao vivo, na KEXP, em 2016:

F-se: Cada disco parece ser uma redescoberta e um aprofundamento do disco anterior. Vocês iniciam novas “pesquisas” assim que cada álbum é gravado ou estão sempre atrás de ouvir e tocar coisas novas?

PR: O que me influencia mais são as atmosferas que diversos tipos de música me trazem e não as composições em si. Cada um tem suas pesquisas pessoais e fases distintas na música. Com esse novo disco feito já me pego pensando como será o próximo e pra onde iremos desbravar. Mas são perguntas onde as respostas vão se dando conforme o tempo e a experimentação. Uma vez li uma frase do Terry Riley que nunca mais saiu da minha cabeça: “não há música se não houver sedução”. Pra mim, essa é outra chave.

F-se: Como foi trabalhar com o Fernando Sanches e com o James Plotkin?

PR: Foi ótimo. O Fernando é muito bom de trabalhar. Ele segura a onda muito bem e dá sugestões de forma muito equilibrada. Ele tem uma boa comunicação, uma boa vontade e disposição. Com o James foi ótimo também.

F-se: Vocês já tocaram em vários lugares do mundo e estão prestes a embarcar, novamente, pro Canadá. Como têm sido essas experiências? Vocês veem essas viagens influenciando, de alguma maneira, em sua sonoridade?

PR: Tem sido ótimo. É cansativo demais muitas vezes mas é parte do trabalho também, mesmo sabendo que sempre pode melhorar e exigir menos “sacrifícios”. Com certeza elas agregam, é muita informação em pouco tempo. Cada noite em um lugar de tocar, um lugar de dormir, um lugar pra comer, uma língua diferente e rostos diferentes, milhões de bandas! Mas tem coisas que já se tornaram repetitivas e muitas vezes chatas, como qualquer outro trabalho. Muita gente que está de fora só enxerga a parte floreada e nunca os espinhos.

Rakta ao vivo em Londres, 2019:

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