O SOBRE A MÁQUINA é uma das grandes novidades de 2010 – é pra ficar embasbacado.
É um trio carioca, formado por Cadu, Emygdio e Ricardo, que faz industrial/drone/dark ambient, “pra falar em termos limitados que vem circulando por aí”. Entretanto, é bem mais do que isso, como você lerá. O Sobre A Máquina impressiona.
Nessa entrevista com Cadu, é possível perceber o motivo. Não se faz no Brasil, com frequência, a música que o Sobre A Máquina faz. Poderia falar de coragem, mas é preciso coragem para fazer o que se gosta quando se trata de arte? Ou basta abnegação, vontade, gosto e uma grande vocação para se divertir dando seu recado, qualquer que ele seja? Falar de coragem seria diminuir a fonte criativa.
Da mesma maneira que “ninguém faz samba só porque prefere”, a música em todo estilo deveria sair da vontade do artista de expressar. Não tem nada a ver só com coragem. Não há mártires da música aqui. Ainda bem. O recado é outro: “Existe bem lá no fundo um fio de esperança e uma calma interior que só o desabafo consegue trazer”, diz Cadu.
O desabafo da banda foi lançado pela Sinewave (baixe de graça, clicando aqui), este ano: é o EP “Decompor”, um nome bastante apropriado ao seu conteúdo. São quatro músicas. A mais curta tem sete minutos. Um delírio sonoro, um abuso de experimentalismo, uma música nada confortável para nossos ouvidos destreinados – e isso tudo é um elogio.
Os portugueses do blogue Ponto Alternativo concordam. André Forte colocou o EP entre os melhores de 2010. É um reconhecimento e tanto para Cadu: “fiquei felizaço porque foi no meio de bandas grandes que eu curto muito como o Silver Mt. Zion, o Red Sparowes, Rosetta e o projeto do pessoal do Earth com Sunn O))) e outras bandas”.
O Floga-se, certamente, vota com os patrícios: é um dos grandes discos nacionais do ano.
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Floga-se: Qual a história do Sobre A Máquina?
Cadu T.: O Sobre A Máquina foi idealizado num momento esquisito da minha vida, há pouco mais de um ano e meio. Um momento bem introspectivo, quando muita coisa se passava pela minha cabeça. Uma banda a qual me dedicava estava acabando, e eu percebi que ela de fato não me satisfazia musicalmente e artisticamente, embora gostasse das pessoas e de reuni-las. Enfim, passei um tempo compondo coisas em casa com ideias que me vinham nas longas viagens de ônibus para o trabalho e faculdade. Meio que voltei às origens de minha produção sonora e comecei a ver brotar um disco ali, sons carregados de nostalgia, com o peso do dia-a-dia e muita incerteza. Mostrei pra alguns amigos os esboços, e eles me incentivaram a continuar e ofereceram ajuda. Foi então que decidi levar isso a frente.
F-se: A banda é um trio. Qual o histórico de cada um na música e o que cada um toca?
Cadu: Sempre fui inquieto e a música foi um cano de escape e tanto na minha vida, dentre os diversos intentos nesse meio os que valem a pena citar são alguns que serviram bastante como aprendizado: Ceticências, Sertão Agrário (baixe aqui, na Sinewave) e Sempremaio, que são todos projetos com algum pé no experimentalismo.
No Sobre a Máquina componho as músicas munido de teclado, sintetizadores e drum machine. Toco além desses instrumentos alguns outros “criados” no processo, como um ventilador parcialmente desmontado que gira em diversas velocidades e cujo sabugo eu molesto com uma moeda para que, com um pouco de reverb, possa tirar um som de metalúrgica (risos); uma percussão feita com grades e tocada por garfos; alguns latões e coisas do gênero e um velho violino microfonado e com alguns efeitos de pedal.
O Emygdio toca guitarra e ocasionalmente baixo. Ele cursa faculdade de produção fonográfica, ofereceu o homestudio para que pudessemos seguir com o processo e aprendeu a decifrar minha linguagem perfeitamente em estúdio. Mixamos juntos e sem ele provavelmente o disco não seria tão foda pra mim. Não só pelo auxilio de sempre entender, tendo em vista e limitação que a lingua impõe (risos), mas também pelos toques de incrível sutileza que ele propõe. Ele tem o projeto de uma outra banda, o Fábrica, que provavelmente, acho eu, vá fazer um barulho por aí logo menos. As paradas tão super bem produzidas, é mais voltado pra música brasileira mas com uma pegada rock quebradona. O cara é um ótimo compositor. Ele tem alguns outros projetos, dentre eles uma banda antiga chamada Surrender.
O Ricardo é um cara que manja bastante do que eu quero em relação a sujeira e distorção. É responsável pela execução dos toques mais agressivos na guitarra. Ele toca guitarra e um violão (em uma música) nas formas convencional e não convencional (arco de violino e unhas). É um cara que ouve bastante stoner rock, e saca de criar bons rifes, manipula muito bem uma distorção, não precisa nem falar muito que ele já absorve o que eu quero facilmente. Dá uma força muito grande no todo do projeto. Tem uma banda que já percorreu bastante por aí no cenário underground. É um grupo totalmente distinto, em matéria de sonoridade, do Sobre A Máquina. Chama-se Duques. Eles fazem um rock muito bem produzido e arranjado.
F-se: Como você descreveria a música do Sobre A Máquina?
Cadu: Isso é dificil pra caramba pra mim, cara (risos), mas vamos tentar. Não conseguiria ser breve com isso, então…
Eu vejo o Sobre A Máquina nascendo em “fade in” junto ao burburinho da multidão, as buzinas, os gritos, e as conversas pela metade. É um devaneio que, por mais que seja opressor, me carrega. As imagens no turbilhão acabam hipnotizando. Existe bem lá no fundo um fio de esperança e uma calma interior que só o desabafo consegue trazer. Pra mim, é como sentar frente a janela do ônibus numa manhã movimentada com toda aquela informação e dissonância te bombardeando por baixo mas com a imensidão do céu da manhã te olhando de cima, mesmo que você não note.
Mas se for pra falar em termos limitados eu até concordo com o industrial/drone/dark ambient que vem circulando por aí.
F-se: Há influências do Einsturzende Neubauten na música do Sobre A Máquina. Como uma banda carioca encarou o desafio de ser “industrial” na terra do samba, do sol e da praia? É de fato um desafio, ou seria um desafio em qualquer lugar do mundo?
Cadu: Essa é uma pergunta bem engraçada, parece que existe um preconceito com o Rio de Janeiro em relação a música alternativa, provavelmente devido a parte comercial que sai daqui, aos grandes atrativos turisticos da cidade e ao estereótipo do carióca “da gema” (risos). Mas vou te dizer que o Rio de Janeiro é uma cidade onde os extremos se cruzam de verdade, é de fato um lugar caótico, onde camadas totalmente opostas dividem o mesmo espaço, o que por vezes acaba nas noticias disseminadas na tv.
Existe muito além da orla e zona sul vistas nas novelas do Manoel Carlos. Claro que você já deve saber disso. As chuvas aqui devastam tanto quanto o calor escaldante (de verdade, imagine-se nos ônibus superlotados, num calor de 40 graus, às 8 da manhã), os engarrafamentos enormes e a poluição também são superpresentes. Por incrivel que pareça, em algumas épocas do ano também sentimos frio, e os bairros do suburbio tem um quê acinzentado e são decorados pelas pixações ilegíveis e alguns grafites, afinal também é uma grande metrópole, mesmo que não seja tão grande quanto São Paulo. E isso talvez torne a parada mais insana pela quase inexistência de um isolamento. As favelas estão grudadas aos prédios de luxo.
Enfim, o que eu quis dizer com toda a baboseira acima é que acho um cenário propício a esse caos que o “industrial” exulta, embora talvez seja um escolha que poucos tomariam como influência, mas isso é ao redor do mundo. Como você falou, seria um “desafio” em qualquer lugar do mundo. Mas, sim, existe mais espaço em alguns outros lugares. E o Nebauten, como algumas outras bandas, foi de suma importância para o nascimento da banda.
F-se: O que vocês ouvem no dia a dia?
Cadu: Porra, muita coisa… Neurosis, Swans, Jesu (e praticamente todas as bandas do JK broadrick), SPK, Throbbing Gristle, Einsturzende Neubauten, Coil, Nadja, Sunn O))), Boris, Godspeed You! Black Emperor, Sigur Rós, Dirty Three, Joy Division, Nick Cave And The Bad Seeds, Colleen, Boards Of Canada, Aphex Twin, Massive Attack, Portishead, Tricky Tortoise, Fugazi, Cursive, Joan Of Arc, Toe, The Appleseed Cast, Low, My Bloody Valentine, Galaxie 500, Slowdive, Sonic Youth, Ornette Coleman, Coltrane, Cecil Taylor, Miles Davis (só dos primordios até metade de 70), Pharaoh Sanders, John Zorn, Alexandra Grimal, Medeski Martin & Wood, Esbjorn Svensson Trio, Hermeto Pascoal (solo e praticamente tudo que já ouvi com participação dele, tendo o Quarteto Novo como primeiro exemplo), Quinteto Armorial, Hurtmold e o Takara sozinho também, Constantina etc. É por aí, coloquei tudo o que veio na cabeça, mas tem mais, sempre tem…
F-se: Há um pensamento que versa que a definição do que é um hit varia de pessoa a pessoa. Pode ser uma música que toca sem parar e vende muito, pode ser uma música que você ouve sem parar, mas ninguém conhece. O que é um hit para você? O que é preciso para escrever um hit?
Cadu: Sei lá, as músicas que ouço no repeat são as que mexem comigo, arrepiam ou instigam. Hit eu considero uma música que não desgruda da sua cabeça de forma alguma, você ouve uma vez e parece que não sai mais. Não sei o que é preciso pra escrever um hit.
F-se: Como são os shows do Sobre A Máquina? São mais paranóicos, alucinógenos, melódicos ou eu poderia levar meu sobrinho numa boa?
Cadu: Ainda estão em construção os shows. Serão mais viscerais, mas espero que possa levar o sobrinho numa boa (risos).
F-se: Como nasceu o projeto de “Decompor”?
Cadu: Ouvindo as músicas que gosto nos fones dentro do ônibus indo pro trabalho, comecei a perceber que o barulho externo não era totalmente suprimido e começava a fazer parte da música junto às imagens que passavam pela janela. Comecei a criar músicas inspirado nisso, com o “barulho” participando bastante da harmonia ou algo parecido. Tentando juntar também a sensação de solidão claustrofóbica – às vezes circulado por gente dentro do ônibus lotado, onde as pessoas mal se olham perdidas dentro de si – e angustia, de insatisfação, de desgaste pela letargia e repetição. Mas nunca consegui tirar totalmente a ternura. Na minha concepção a esperança tá sempre por lá, mesmo que vindo bem do fundo, ou chegando no fim, depois da tempestade.
Daí, sei lá, o “Decompor” veio assim da tentativa de criar algo que ao mesmo tempo traga isso tudo, mas também suma com tudo isso. Uma espécie de intervenção de sentimento que age entre ouvidos e olhos. Foi mais ou menos como na tirinha do Schulz “o desejo de criar e destruir ao mesmo tempo”. Lendo de fora pode parecer bem idiota (risos), é um conceito artístico pessoal demais. Mas acho que foi por aí.
F-se: As músicas tem título em português. Faz diferença compor pensando em português ou em outra língua? Em que língua caberiam letras nas canções do Sobre A Máquina?
Cadu: Não sei, acho que as palavras limitariam bastante o trabalho desse disco por exemplo. Cheguei a pensar em por voz em alguma coisa, mas conversando com o pessoal, desisti rápido da ideia. Não descarto uma faixa ou outra com voz futuramente, mas também não tenho certeza. Instrumental acho que abrange mais no nosso caso. Mas a lingua seria português mesmo, no máximo inglês. Não sei se faz diferença, português é mais natural por ser nativo.
F-se: “Decompor” era um projeto que sairia de qualquer maneira, sem ser na Sinewave?
Cadu: Sairia sim. Terminamos o disco antes de saber onde sairíamos. Chegou a ser lançado no TheSirensSound.com, pouco antes do Sinewave. Mas é de suma importância pra gente sair pelo Sinewave. É uma honra dividir o selo com nomes que respeitamos, como o da própria Herod Layne; Labirinto que chegou a lançar EP por lá; Amnese, Blanched, dentre muitas outras que são até de amigos. É uma netlabel foda que já conquistou uma ótima visibilidade.
F-se: Qual a dificuldade de uma banda com o estilo de vocês para atingir novos ouvidos? Só a Internet salva?
Cadu: Se tivessemos escolhido a opção de sair tocando por aí antes de lançar algo, seriamos reduzidos apenas aos ouvidos de poucos amigos por bastante tempo. Era, de certa forma, triste ver em shows de bandas antigas como as pessoas não dão a mínima mesmo pras bandas que não são de conhecidos ou que não conhecem. Amigos meus tinham atitudes assim. E geralmente show de bandas independentes é sempre em conjunto de 3 a 5 bandas. A grande maioria das pessoas simplesmente não se dá ao trabalho de dar uma breve olhada/escutada no show do que não conhecem ou que não tem referências. É tudo muito movido à propaganda do que é cultuado na Internet, isso sem contar a megavalorização que é dada só ao que é de fora, mas aí já são outros quinhentos… Enfim, a Internet hoje em dia tem um poder surreal que as gerações mais antigas – pelo menos alguns caras mais antigos que conheço – ainda não conseguiu aceitar ou perceber. É de suma importância pra se ter um espaço hoje em dia. Não precisa nem fazer um som tão pecualiar, isso vale pra todas as bandas mesmo. Mas como não temos um apelo pop enorme, nossa gama já é diminuída. Mas até que a aceitação tem sido bem boa.
F-se: Quais os planos futuros e imediatos da banda? Shows, novo disco?
Cadu: Tem o lançamento da versão fisica do “Decompor”, que ainda é meio incerto, mas deve rolar… Quem sabe com algum material extra. Já tenho demos gravadas de algumas músicas que vou levar pra estúdio com a banda, para trabalharmos em breve. Talvez role um lançamento pros próximos meses. Um EP provavelmente. Um album até o final do ano que vem seria de bom tom, vamos avaliar bem aí. Estamos trabalhando na montagem pros shows que devem começar até o fim – ou durante – do primeiro trimestre, isso é, se der tudo certo. Ah, pretendemos continuar o processo de construção do estudio que nós três estamos montando, foi onde gravamos e produzimos o “Decompor”. Estamos trabalhando em profissionalizar ainda mais a coisa pra poder em breve pegar a responsa de gravar e produzir outras bandas.
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Conheça o “Decompor”
1. Expediente Contínuo
2. Rotina
3. Fôlego
4. Conflito
Ouça “Rotina”:
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