Foram dois dias de bate-papo. Henrique Laurindo, uma das metades do The Tamborines, banda de origem brasileira e residente na Inglaterra, deixa a conversa fluir como naquelas desejadas conversas de bar, sem muita pretensão de explicar, muito menos de parecer o que não é.
Cinco anos após lançar o elogiado (pela imprensa britânica) “Camera & Tremor”, de 2010, o ex-casal Laurindo e Lulu Nozaki Grave resolveu lançar em março de 2015, “Sea Of Murmur”, o aguardado segundo disco (todos os detalhes aqui). Os cincos anos entre um e outro são explicados aqui, nessa entrevista-bate-papo com Laurindo: “O álbum já estava pronto ali, em 2011. Mas na verdade o motivo pelo qual o álbum não foi lançado antes foi mesmo porque a banda meio que havia acabado”.
Muita coisa aconteceu nesse período: “nessa época, eu estava me separando de uma relação longa. Ao mesmo tempo, eu estava em processo pra cidadania britânica e isso estava me consumindo financeira e mentalmente. Daí houve morte na família. Ou seja, tive que parar com tudo mesmo e por a cabeça no lugar”.
Eis que esses problemas todos foram parar no disco – um disco que apresenta uma nova sonoridade pra Tamborines: sai a predominância das distorções e chiados e entra a leveza pop de um Teenage Fanclub e de um… Legião Urbana: “vou colocar dessa maneira, sem sarcasmo, tem mais Legião Urbana do que Teenage Fanclub nesse disco. Gosto da Legião e digo com todas as palavras, sem medo de ser feliz. Os quatro primeiros discos da Legião são muito melhores que os quatro dos Smiths”.
Outros problemas, porém, persistem. Apesar da boa impressão da estreia, “Sea Of Murmur” saiu na raça, tudo na base do faça-você-mesmo. Se não há apoio algum de esquemão da indústria, há ao menos um controle da banda sobre a vendagem, principalmente a online. “A banda se sustenta (financeiramente), a venda do disco financia a turnê, que financia outro disco etc. e ainda sobra pra comprar cordas novas pra guitarra de vez em quando”, diz.
E ele sabe que poderia ser melhor, já que as vendas no Brasil são “zero”, por conta dos downloads ilegais. Sobre essa relação do brasileiro com a música, ele dispara: “é uma burrice imediatista transvestida de esperteza”.
Se é no bar que a gente deixa as lamúrias e os problemas pra trás, um sopro de alento e felicidade, “Sea Of Murmur”, de bem longe, consegue passar por cima deles, pelo menos pra Tamborines, e ressurgir revigorada, mais leve, pelo menos em disco.
F-se: Esse disco me parece melhor do que o primeiro… Uma mudança boa. Por outro lado, me lembro de discussões que diziam que o Jesus & Mary Chain deveria ter sempre feito “Psychocandy”s e que o caminho do “Darklands” começou a matar a banda, já que a “inovação” (entre aspas) veio do primeiro disco…
Henrique Laurindo: Rá! Também acho que esse disco é melhor, mas tem havido resistências por aqui. Algumas pessoas já comentaram que preferem a direção do “Camera & Tremor”, mas normal… Acontece muito de rotularem uma banda.
F-se: Há pessoas que não gostam muito de novos rumos. De cara, ouvindo as primeiras músicas de ambos os discos, “31st Floor” lembra bem Black Rebel Motorcycle Club e “Another Day” lembra Teenage Fanclub… Há uma, podemos dizer, mudança de caminho. Esquecendo os rótulos e comparações, isso foi pensado ou natural?
HL: Difícil dizer. “31st Floor” foi pensado. Era pra ser algo meio Cold Cave, ou Primal Scream. “Another Day” foi natural, toquei a musica no viola, a Lu colocou uma batida a la Stones e a coisa fluiu. A Luciana nunca curtiu tocar teclados e parece que “se achou” quando passou pra bateria. Essa mudança em si já apontava que as musicas pós “C&T” seriam diferentes.
F-se: E vocês tiveram cinco anos pra maturar… Ou não foi tudo isso? Quanto tempo de fato demorou esse disco pra nascer, entre a primeira decisão “vamos fazer o sucessor de “C&T” e o momento em que ele ficou pronto?
HL: Não muito. Saimos em turnê logo apos o “C&T” já com a formação atual e começamos a gravar na sequência. Várias músicas do “Sea Of Murmur” foram gravadas na Itália em 2011. Como o novo approach estava fresh, as músicas foram surgindo. Como você sabe, lançamos “Black & Blue” / “Indian Hill” em 2011. O álbum, ou uma das suas versões, já estava pronto ali. Até 2013 gravamos e regravamos várias coisas.
Vídeo oficial de “Black & Blue”:
F-se: O que incomodava nas versões até ali pro disco não ser lançado naquele momento? Eram exatamente essas faixas, títulos, letras e arranjos como ouvimos hoje?
HL: Quando decidimos que não usaríamos as gravações da Itália e começamos a regravar as músicas, foi meio que natural mudar algumas coisas. Mas na verdade o motivo pelo qual o álbum não foi lançado antes foi mesmo porque a banda meio que havia acabado. Nessa época, eu estava me separando de uma relação longa. Ao mesmo tempo, eu estava em processo pra cidadania britânica e isso estava me consumindo financeira e mentalmente. Daí houve morte na família. Ou seja, tive que parar com tudo mesmo e por a cabeça no lugar. Daí, enfim, um mês tornou-se um semestre, que tornou-se anos. No ano passado, comecei a fuçar nas sessões e acabei achando umas vinte e seis músicas, conversei com a Lu e resolvemos lançar mais um disco.
F-se: Você chegou a perder o tesão pela música nesse período? Tinha cabeça pra isso?
HL: Não perdi o tesão, mas era muito difícil imaginar lançar um disco naquela situação. Não somos só a banda. Somos o selo, o estúdio, managers. Isso envolve grana e dedicação que naquele momentos não dispúnhamos. Sempre operamos de maneira DIY, por teimosia até.
F-se: Você colocou tudo isso no disco?
HL: Ah, sim. Coisas como “Said The Spider To The Fly” e “Another Day” são mais explícitas. Talvez “One Afternoon” e “Indian Hill”… Enfim, está tudo ali, de uma maneira ou de outra.
F-se: Você diz que esse disco é mais “pessoal”, é disso a que você se refere? Em termos de temática, qual a diferença básica entre esse o anterior?
HL: Por aí, mesmo. No primeiro disco, estávamos muito certos do que estávamos fazendo. Era quase como um quebra-cabeças que você já sabe a imagem final, só precisa colocar as peças no lugar certo. Sei lá, pode parecer clichê e tudo, mas “Sea Of Murmur” foi meio que mudando de cara a cada música. “Dreaming Girl” talvez seja a música que faz a ponte entre os dois discos. (Com relação às letras) não houve uma preocupação em falar de algo especifico, ou relatar um “ponto a ponto” da situação. Na verdade, esse resumo se dá pela escolha de onze músicas entre as vinte e seis que foram gravadas.
F-se: Mas não há nenhum recado direto pra sua ex no nível que Bjork fez no disco dela, né? (risos – leia: “No sofrido ‘Vulnicura’, Björk relata o fim do seu casamento”)
HL: Tem. Mas ela mesma quem canta em “Indian Hill”, então fica mais fácil de balancear. Eu me torno o objeto ao invés de sujeito. É meio terapia Gestalt (risos).
F-se: Mas vocês precisam se relacionar ainda, tem isso… Acho que é um baita maturidade, porque não há obrigação, na verdade.
HL: Contanto que ela não erre nas músicas que eu gosto e eu não erre nas que ela goste, tudo sob controle (risos). Nenhuma (obrigação). Mas assim, nesse ponto, há uma frase do disco que exemplifica essa dedicação a algo que, enfim, talvez não tenha sentido algum: na “Said The Spider To The Fly”, a aranha diz “eu prefiro ficar na minha, escrevendo livros que não consigo ler e pintando mentiras que ninguém nunca verá”.
F-se É como algo que você precisa fazer, mesmo que não tenha sentido aparente…
HL: Exato.
F-se: Isso não é também a mola propulsora da arte como um todo?
HL: É perigoso generalizar, mas por aqui conheço muitas bandas que ainda seguem a cartilha Oasis.
F-se: “A cartilha Oasis”…?
HL: Sim. “number uno, baby”, esse tipo de coisa.
F-se: Bem… Claro, existem artistas que calculam exatamente o que querem produzir pensando no retorno financeiro, mas tem um bocado deles que “escrevem livros que não conseguem ler” ou sem saber se alguém vai ler…
HL: Pois é. Na verdade, esse meu comentário não teve muito sentido. Ambição pessoal é algo muito difícil de analisar. Mas você pega um disco como “Aeroplane Over The Sea” do Neutral Milk Hotel (1998) e dá pra contar nos dedos da mão o número de álbuns lançados desde então que conseguem trazer essa carga emocional, intelectual ou mesmo espiritual de maneira tão eficaz.
F-se: Mas essa não é uma opinião muito pessoal?
HL: Sempre.
F-se: O amor, os relacionamentos, esse universo de alguma forma de atrai ou aqui foi um lance pontual? Digo… Amor rende música?
HL: O Marquinho Butcher (vocalista do Thee Butchers’ Orchestra) costumava dizer que amor rima com distorcedor, paixão rima com distorção… Acho que somos todos fascinados com relacionamentos humanos, não? Coisas como “Said The Spider To The Fly”, por exemplo, não tem esse viés amoroso; “Dreaming Girl” tem, mas de uma maneira mas doentia… Talvez não esteja tão explicito assim na letra, talvez seja a minha interpretação. Mas olha só, o Lou Reed uma vez falou algo interessante: perguntado sobre “Perfect Day”, ele deu sua leitura mas concluiu dizendo que essa era “só” sua interpretação. Só porque ele escreveu a música não significa que ele esteja certo.
F-se: Sim, não significa, mas sempre queremos saber o que significa pra quem escreveu.
HL: Ok, no caso da “Dreaming Girl” eu associo muito com certos tipos machões, que querem subjugar suas parceiras. Uma perversidade que extrapola o desejo. A “dreaming girl” é só mais uma presa, sua inocência precisa ser corrompida etc…
F-se: É uma “maneira doentia” até bem comum na nossa sociedade que se diz “progressista”.
HL: Exato.
Vídeo oficial de “Indian Hill”:
F-se: Como você se posiciona politicamente? Isso é importante pra você como artista?
HL: Pra mim é algo vital como ser humano. A essa altura do campeonato não tem como ficar em cima do muro. As pessoas em geral estão bem preocupadas em dizer o que pensam, mas, tenho percebido, não fazem o exercício de questionamento do porquê pensam e agem de tal maneira. Sempre me interessei em análise do discurso, embora não tenha conhecimento acadêmico para tal. Daí, o sujeito vai às redes sociais e posta essas mensagens positivas, espirituosas, mas não se acanha em exercer a violência verbal na sequência. Tipo, “Jesus te ama” no mesmo sopro que “bandido bom é bandido morto”. Só vim perceber aqui o quanto nós brasileiros somos acostumados e coniventes com a violência.
F-se: É localizado, um problema dos brasileiros? Não é um problema humano?
HL: Cultural. Mas já me repreenderam algumas vezes quando entro nesse tipo de debate.
F-se: Como vocês gravaram? Algum processo especial?
HL: Sim. Usei uma tape machine de oito canais em boa parte do disco. Algumas coisas que ficaram de fora foram gravadas em uma 4 track Tascam.
F-se: A escolha foi voluntária ou era “o que tínhamos em mãos”?
HL: Um pouco de ambos. Com o tempo fui acumulando equipamentos interessantes. Alguns microfones Ribbon dos anos 1960, pre-ampli valvulado, além da minha fiel guitarra Gianinni. também dos anos 60. Em geral, o disco ficou lo-fi, mas não na onda Wavves ou Thee Oh Sees. Adoro essas bandas, mas a proposta foi outra.
F-se: Era soar como um Teenage Fanclub? Foi a minha primeira impressão ao ouvir – soar como um Teenage Fanclub não que vocês deliberadamente quisessem soar como um Teenage Fanclub.
HL: De maneira alguma. Você diz em sonoridade? Textura? Song writing?
F-se: Sonoridade.
HL: Adoro o Teenage Fanclub, mas os discos deles são mais polidos, balanceados. O nosso é mais cru, irregular.
F-se: Há, sim, essa diferenciação… Principalmente nos últimos do Teenage Fanclub, como se eles tentassem soar mais limpos… Não é exatamente o que parece aqui, “One Afternoon” e “Slowdown”, essa especialmente, são mais sujas. Mesmo assim, a associação me pareceu óbvia, a princípio.
HL: Vou colocar dessa maneira, sem sarcasmo: tem mais Legião Urbana do que Teenage Fanclub nesse disco.
F-se: Aí, eu é que pergunto: na sonoridade, na textura ou nas letras?
HL: Pedi por essa, na verdade (risos)… Na atitude. Mas acho que inconscientemente quis fazer um disco bacana, com musicas que dêem pra sentar com um violão e tocar na boa. Não dá pra fazer isso em “31st Floor”, por exemplo.
F-se: Sim… Você acha um disco “pop”, no sentido de ser acessível?
HL: Foi a intenção.
F-se: É… Atingir o máximo de pessoas possível… Lembra que houve uma época em que as pessoas achavam isso um palavrão, o oposto de autenticidade?
HL: Super. Claro que o que consideramos “pop” dificilmente corresponde às expectativas atuais em torno da palavra.
F-se: O próprio pop de mercadão denigre o pop e no Brasil o pop tem uma pecha bem negativa, o que é uma pena. A própria Legião… Parece criminoso se declarar fã da banda nos dias de hoje, a despeito da importância que teve na década de 1980.
HL: Não é? Digo com todas as palavras, sem medo de ser feliz. Os quatro primeiros discos da Legião são muito melhores que os quatro dos Smiths. E aqui me refiro a tudo, song writing, atitude, sonoridade. Os Smiths tinham um caráter até de exclusão de certa partes da sociedade. Os Smiths só foram possíveis porque há toda uma estrutura de classes muito bem definidas aqui. Hoje eu sei bem o que o Morrissey quer dizer quando canta “a rush and a push and the land is ours”. Ou, mais recentemente, “Irish Blood, English Heart”.
F-se: Inglaterra e ingleses acima de todos…
HL: A ideia de “Empire” ainda é muito presente em alguns capetinhas por aqui.
F-se: Mas nesse sentido de “poder dominante”, a Legião também tinha uma visão “de cima pra baixo”, não? Eles eram garotos de classe alta num país de extrema desigualdade…
HL: Sim, mas a mensagem era diferente.
F-se: Era a banda cantando pra seus iguais, não pro carinha lá do interior do Piauí ou do Rio.
HL: Não acho. Dizer que uma nação, pós-ditadura, ainda em pandarecos. é o “pais do futuro” tem uma conotação muito diferente. “Sempre em frente, não temos tempo a perder”, isso é muito contundente pro contexto que vivíamos. Hoje talvez não faca sentido. Além do quê os Smiths fizeram escola perigosa. Oasis, Libertines… essas coisas. Britpop (risos).
F-se: Mas o próprio Renato admitia uma paixão pelos Smiths… E a Legião foi tratada por um bom tempo como “os Smiths brasileiros”, embora isso seja bem equivocado, você sabe. É que Renato Russo acho que não se preocupava muito em desmistificar isso.
HL: Talvez. Sempre imaginei que fosse sacanagem da parte dele, mas, quem sabe?
F-se: Tem uma matéria da Bizz em 1986 em que ele aparece com o “The Queen Is Dead” antes do disco sair por aqui, no que me pareceu coisa de fã que quis sair numa foto assim, sabe?
HL: Pois é, talvez seja isso mesmo. Mas eu prefiro a Legião.
A banda ao vivo, em 2007, no Brasil:
F-se: Como você acha que “Sea Of Murmur” será recebido?
HL: Vou mandar mais um clichê: acho o disco bem mais coerente do que o primeiro e, mesmo não estando no patamar de certas coisas que gosto, eu acho que ele aponta pra um caminho bom. Como isso vai ser recebido não tenho a menor ideia. Aqui na Inglaterra ainda impera o shoegaze, vocais enterrados em reverb. fuzz, psicodelia… Nesse ponto, não acho que exista algo com a qual esse disco possa ser medido. Mas, convenhamos, sem gravadora ou esquemão, já é querer demais que alguém se disponha a “medir” algo.
F-se: E o título do disco, por que “Sea Of Murmur”?
HL: Quando fiz a colagem da capa, alguém apontou que lembrava um pouco o quadro “Wanderer Above The Sea Of Fog”, do C D Friedrich. Achei genial a coincidência e achei que seria um bom título. Mesmo porque o sujeito da capa do disco está observando algo abstrato, além da linguagem verbal. Talvez “Sea Of Murmur” seja o seu estado mental. Essa necessidade em analisar, definir, esmiuçar coisas que talvez não tenham um sentido óbvio.
F-se: Nos dias frenéticos de hoje, diria que é até um ato de ousadia tirar tempo pra “analisar, definir, esmiuçar coisas”.
HL: Bem isso. Pode parecer pretensioso, mas acho que o disco se propõe a isso. Se o faz com sucesso, não sei. O que sei é que é um pouco assustador esse atual escapismo e desleixo na cena atual. Mas, daí, é questão de gosto.
F-se: Queria falar de cinema. Vocês se inspiraram em Fritz Lang e resgataram Hans Richter, um cineasta pouco conhecido por aqui, através de um curta dadaísta de animação (“Vormittagsspuk”, ALE, 1928, em “Ghost At The Lighthouse”, a terceira de “Sea Of Murmur”)… Que inspiração foi essa?
HL: Na verdade, quem resgatou o Hans Richter foi o Soft Moon, através de suas capas e videos (risos). Tenho uma admiração profunda a Alemanha. Já tocamos várias vezes por lá e tenho me esforçado a juntar os pontos da cultura que até então eram bem aleatórios pra mim. Mas respondendo a sua pergunta… tínhamos uma vinheta chamada “bossa nova”, que tocávamos sempre que algo dava errado nos shows. Eu tentei escrever uma letra mais coerente e não rolou. Através desse curta especificamente, eu meio que decidi abraçar essa incoerência e inocência. Algo que oscila entre tragicômico ou nonsense. Não foi tao “cerebral” (a escolha). E não sei se o Fritz Lang é tão influente assim (no disco). A letra de “Dreaming Girl” foi inspirada no filme “M” (“M – O Vampiro De Dusseldorf”, ALE, 1931), mas, outra vez, não sei se foi algo determinadamente conceitual. Gosto do cinema alemão.
F-se: E tem o Fellini ainda, em “Fellini’s Thorn”.
HL: O Fellini na verdade é a banda. Todo aspecto lo-fi do Fellini era algo que me intrigava muito, além de que eu não conseguia entender as letras. Tenho um compacto split com o Fellini e Mercenárias, que saiu por um selo daqui. Genial.
F-se: Cadão Volpato uma vez disse que as letras não eram pra fazer sentido mesmo.
HL: Tá vendo? E você aí me perguntando qual o sentido das minhas (risos)
F-se: O disco vai sair em vinil e pelo próprio selo de vocês (o Beat-Mo Records), certo? Como é a distribuição por aí? Vai sair no Brasil e o que você acha de quem baixa de graça o seu disco?
HL: Com a Internet, a coisa facilita muito. Por exemplo, já temos pré-ordens pro Brasil, EUA, Espanha e Japão. Isso é ótimo. Como são poucas cópias a coisa fica mais pessoal. Rolou uma tentativa de sair no Brasil, mas prensagem por ai é caríssimo e custos pra mandar daqui idem. A tiragem é de 300 em vinil. E vai ter CD. CDs ainda vendem mais do que vinil. Download vende mais do que CD. E vai ter Bandcamp, Itunes etc. Mas sua pergunta (de baixar de graça) cutuca um vespeiro. Enquanto label tenho acesso às vendas de MP3 em todos os países. No Brasil aparece “zero”. A coisa é cultural.
F-se: Você acha que o brasileiro se acostumou a baixar de graça e por isso não paga online ou não dá valor mesmo às obras?
HL: Não é que se acostumou. É algo muito maior que isso. Pra que pagar por algo que você pode ter de graça? Não é roubo porque não existe algo físico envolvido, além do mais “artistas ganham muita grana, então só um download não fará mal algum”, já ouvi coisas assim. É uma burrice imediatista transvestida de esperteza. As pessoas não entendem porque shows custam tão caro no Brasil ou porque ainda está longe de ter um circuito solido como tem aqui ou nos EUA. Tudo é conectado.
F-se: Mas vale dizer também que não só no Brasil há downloads ilegais… não é uma cruel lógica dos nossos tempos?
HL: Concordo com sua última frase. Discordo da premissa doa primeira. Quando colocamos que “isso não é só no Brasil” ou “violência e corrupção existem no mundo inteiro”, estamos de alguma maneira justificando a prática. Mas especificamente a sua pergunta: eu pessoalmente não em incomodo muito, até como uma ato derrotista, sei que não há solução.
F-se: Mas você consegue mensurar ou imaginar o quanto deixa de ganhar com sua obra por conta dos downloads ilegais?
HL: Não tenho a minima. Tudo que sei é que no nosso caso a venda do disco financia a turnê, que financia outro disco etc. Conheço outras bandas nesse exemplo também, mas prefiro concentrar nas coisas boas. A banda se sustenta (financeiramente), como expliquei anteriormente, e ainda sobra pra comprar cordas novas pra guitarra de vez em quando (risos).
A banda ao vivo, em 2012:
F-se: O Tamborines tem mercado no Brasil?
HL: Não, imagina.
F-se: Mas vocês se consideram uma banda “brasileira”?
HL: Ah! Controverso… “Uma banda brasileira” é amplo, pode dizer muita coisa. Você pode ser mais especifico?
F-se: Pois é… Nem eu sei dizer… Esperava que você me desse sua ideia do que seja isso. Já escrevi sobre o assunto (aqui nesse texto). Mas eu gostaria de saber onde você acha que se encaixa.
HL: Já havia lido esse texto. Acho que trata justamente dessa impossibilidade em categorizar algo como “música brasileira”. Dito isso, acho que temos a posição privilegiada de poder dizer “sim” e “não”. Moramos em Londres há treze anos. É o período mais longo que morei em qualquer cidade.
F-se: “Sim e não” é confortável, não? Se bem que isso não quer dizer de fato alguma coisa, a não ser que o artista se importe em como vai ser categorizado… Tipo, nas listas de final de ano… Aliás, você se importa com elas?
HL: Talvez, mas pergunto: o Raveonettes é uma banda dinamarquesa? O Stereolab é francês ou inglês? O Kevin Shields nasceu em Nova Iorque, portanto My bloody Valentine é americano, irlandês ou inglês? Não me importo nem um pouco com essas listas,
um pouco por preguiça da minha parte, outra por saber bem como funciona o jogo. Essa discussão talvez até tenha uma real necessidade. Mas não acho que seja algo que seja uma discussão relevante pro artista. Ou pro ouvinte. Eu não vou comprar um disco do Arctic Monkey só porque ele apareceu em alguma lista, por exemplo. Vocês estão sós nessa (risos).
F-se: Você acha que a crítica musical acerta quando fala de vocês? Como você percebe a crítica musical atual?
HL: Sim, acertam sempre. Não posso debater com um jornalista que diz que temos influencia do Weezer (já rolou isso), portanto levo tudo na boa. Há um lado perigosíssimo em criticar ou analisar um disco, um filme etc. e publicar isso: você também está expondo suas limitações. E pagará igualmente por isso. Isso sim é um elemento novo no jogo.
F-se: Mas é possível viver sem a crítica musical, a boa e a ruim?
HL: Não. Arte é discurso e como tal deve ser esmiuçado (enfatiza o “deve”). Senão vira propaganda (risos).
F-se: Qual a maior virtude do novo disco?
HL: Ele tem muito do que eu gosto em musica: não é afetado, escapista ou pretensioso. Não se dispõe a competir com ninguém. Ele existe por trinta minutos e boa. Não foi feito pensando em listas etc. (risos)…
F-se: Como serão os shows de divulgação desse disco? Já têm muitas datas? Como é a formação no palco?
HL: Nossa booking agent deslocou a retina e ficou parada um tempo, mas já estamos organizando uns shows aqui na Inglaterra e Alemanha. Temos tocado em trio, mas estou querendo incorporar mais umas pessoas na banda. Quem tocava baixo até então era o Chokis Costa, da Wry. Agora é o Rodrigo Cesar, que tocava na Cherry Bomb, e atualmente Flying Rats. Pro show de lancamento o Tito, da Sky Between Leaves, vai fazer a segunda guitarra.
F-se: Pensa em voltar a viver no Brasil?
HL: Não.
F-se: Aconteceu algo pessoal ou o país te frustrou como um todo?
HL: Não, muito pelo contrário. Tive uma vida bem privilegiada e protegida quando morei no Brasil. Tenho vários amigos e parentes, pessoas que gosto muito. Só não dá pra voltar.