O thisquietarmy foi apresentado aqui no Floga-se na coluna de Cadu Tenório, “Engrenagem”. O disco era “Vessels”. Foi uma paixão um tanto arrebatadora. O projeto de Eric Quach se tornou um dos preferidos da casa e quando Erick Cruxen da Labirinto e Dissenso Records disse-me que ia pro Canadá pra uma turnê e que uma das pernas incluía justamente uma participação de Eric Quach, montamos um esquema pra entrevistá-lo.
Cadu Tenório rapidamente preparou umas perguntas, eu incluí outras e Erick, que através da Dissenso agora é distribuidor do thisquietarmy no Brasil (na loja deles tem o “Blackhaunter”, de 2008; “Aftermath”, de 2010, ambos por trinta míseros dinheiros), também mandou umas questões e fez a ponte.
O papo acabou revelando uma conversa que já vinha desde o começo de 2012 – e que Erick me contou no Sónar em São Paulo: o thisquietarmy vem, sim, pro Brasil, pra alguns shows. Quando e como você lê nessa entrevista, que desmistifica também a aura de Montreal e do Canadá como lugares ideais pra uma banda alternativa.
Eric Quach não mede palavras. E mesmo que ele insista, não dá pra evitar dizer que o thisquietarmy é um alívio: imaginar que o Canadá só pudesse exportar Acade Fire, Feist, Celine Dion e Broken Social Scene seria algo bastante decepcionante. Há produtos tão interessantes quanto e fora da curva indie/mainstream.
Se os canadenses, como Quach diz, não dão tanto valor, o mundo está disposto a ouvir o que o thisquietarmy tem a dizer e tocar. Esse é um outro Canadá pra exportação. Compre a ideia.
FLOGA-SE: Conhecemos seu trabalho com o Destroyalldreamers. thisquietarmy segue, porém, um caminho completamente diferente. O que fez você começar esse projeto sozinho?
Eric Quach: Eu era o compositor principal do Destroyalldreamers, uma vez que eu comecei a banda. Logo, ela se tornou um coletivo. No entanto, sempre quis compor em casa, durante meus tempos livres, e uma parte do material não poderia ser usado pela banda. As ideias começaram a se acumular e precisei criar mais do que a banda podia acompanhar. Então, foi por aí: eu só precisava de um veículo que pudesse ser completamente meu e estivesse disponível pra ser meu escape criativo, no momento em que eu precisasse.
F-SE: O som do thisquietarmy lembra um pouco o de um conterrâneo seu, Aidan Baker, e de Christian Fennesz. Pode-se dizer que eles te influenciaram de alguma maneira? E de fato quais são suas influências?
EQ: Christian Fennesz é austríaco (de Viena), e talvez vocês estejam se referindo ao Tim Hekcer, que é canadense. Nesse caso, realmente considero Tim & Aidan Baker como influências, quando comecei a trabalhar com drone/ambient. No caso de Aidan, mais pelas In the case of Aidan, mais pelas sua técnica de manipular a guitarra ao vivo; e no caso de Tim, pelos wall of sounds cheios de texturas, que há nos seus discos de estúdio – que descobri primeiro com “Haunt Me, Haunt Me Again”, de 2001. Mas acho que trabalhei bastante durante anos pra achar minhas próprias técnicas e sons. Também fui influenciado pelas guitarras shoegaze dos anos 1990, de Slowdive e lovesliescrushing, assim como as composições gigantescas do Godspeed You! Black Emperor. Também gosto de outros tipos de música, como new wave, post-punk, doom, spacerock, krautrock, minimalism – então isso pode ser levado em conta de alguma forma. Poderia seguir falando sobre minhas influências musicais, mas acho que minha produção artística é só um reflexo do que eu tô tentando me expressar. Se certos tipos de música falam pra mim, é porque se conecta emocional e espiritualmente com o que tô sentindo, então acho natural que eu também me expresse como uma síntese dessas diferentes influências.
F-SE: É curioso ver que você fez um remix de uma música do Radiohead e uma cover do Joy Division. Podemos dizer que essas bandas são pop de alguma forma e bastante diferente da proposta introspectiva do thisquietarmy. Acha que os fãs dessas bandas curtem sua música?
EQ: Não posso falar por ninguém e nem é minha intenção atrair fãs dessas bandas pra minha – aquelas foram escolhas simples de obras que decidi trabalhar por razões pessoais. No caso do Radiohead e do Joy Division, há elementos incorporados na música deles que são bem próximas do thisquietarmy, de sons experimentais à tristeza e o aspecto soturno – há algo de pop no thisquietarmy.
F-SE: Acha que existe um tipo de limitação do público? Aqui no Brasil, pelo menos parte do público não está aberto a assistir um show com um cara munido de uma guitarra e uma mesa fazendo efeitos e ambiências por mais de vinte minutos. Obviamente, há exceções, mas acreditamos que no Canadá seja bem diferente, a atmosfera parece mais apropriada.
EQ: Quanto à limitação do público, é assim em todos os lugares que vou, até no Canadá. Uma parcela do público pode ser mais cabeça aberta que outra, e vice-versa, mas é definitivamente um desafio se apresentar sozinho, fazendo um set de drone, em qualquer circunstância. Por exemplo, agora estou numa turnê com o Caspian na Europa, abrindo vinte e dois shows pra eles e até mesmo a plateia deles é relutante em apreciar ou entender o que está acontecendo ali no palco. É um “problema” universal, por assim dizer, tentar conquistar a cabeça fechada das pessoas, quando elas ficaram submetidas ao pop e à cultura de massa e foram bombardeadas pelo mainstream a vida toda…Todo mundo, em qualquer lugar, pode estar em diferentes níveis de “querer / precisar ouvir / ver / descobrir coisas novas”… Infelizmente, a maioria das pessoas só quer ouvir as mesmas coisas repetidas vezes, só gosta de estar num ambiente familiar, e se fecha a qualquer coisa remotamente distante do que elas conhecem. Há ainda muito trabalho a ser feito e provavelmente levará um bom tempo (ou nunca) pras massas se abrirem à curiosidade, e não só na música e nas artes.
F-SE: Um som canadense de referência é o do selo Alien 8. Muitos grandes artista vieram dali. Tim Hecker é um deles, assim como o Aidan solo e Nadja. É possível vir à tona alguma colaboração entre você e Hecker?
EQ: As colaborações entre Aidan e eu, como Yellow6, Scott Cortez/lovesliescrushing, Year Of No Light & Monarch, nasceram do desenvolvimento da amizade e respeito mútuo que cada um tem com o trabalho do outro. Não tenho muito contato com Tim, então obviamente não acontecerá até que role alguns encontros pessoais. Entretanto, fiz uma cover de Tim Hecker pra uma compilação de artistas de Montreal (a primeira cover de uma música de Tim Hecker, eu acho!) e ele me agradeceu por isso no Twitter.
Ouça a cover de “Chimeras”:
F-SE: O diálogo entre você e Aidan continua fora do estúdio? Digo, vocês improvisam juntos em concerto ou essa parceria só funciona em estúdio?
EQ: Houve algumas poucas ocasiões que nós tocamos juntos ao vivo, quando houve oportunidade, ou quando algum produtor de shows tem interesse em tal evento. Uma vez, Aidan até tocou bateria ao invés de guitarra – isso foi em Paris – e ele só me disse cinco minutos antes de subir ao palco.
F-SE: Como você descreveria os shows do thisquietarmy?
EQ: Considero os shows do thisquietarmy como uma apresentação-em-tempo-real de uma trilha-sonora pras projeções visuais que eu mesmo crio. É uma completa montanha-russa sem freios, com subidas e descidas, que podem ir de passagens ambient silenciosas a drones cheios de distorção. Em turnê, nunca planejo meus setlists nunca toco as mesmas músicas no sentido de que uma importante parte da apresentação é baseada em improvisação e expressão do que eu estou sentindo no momento. No entanto, há sequências estruturadas que eu toco, que são ensaiadas e baseadas em faixas específicas, mas frequentemente acontece de que mudar o jeito de tocá-las, dependendo do que acontece no palco, simplesmente por conta do aspecto da improvisação e do modo que eu uso os loop samplers ao vivo. Nenhuma guitarra, baixo ou sintetizador é pré-gravado, só uso loops de bateria programados pra travar alguns ritmos durante a apresentação.
F-SE: Pode nos dizer sobre algum selo pouco conhecido que produz drone ou ambient music no Canadá que valha a pena ser mencionado? O que acontece aí no Canadá que ainda não apareceu na Pitchfork?
EQ: Bem, só pra constar, thisquietarmy ainda não “vingou” na Pitchfork. Mas é uma boa hora pra falar sobre meu micro-selo, o TQA Records. Lancei muitos CDRs em edição limitada de artistas drone/ambient, electronic, noise, shoegaze. Quanto aos outros, há provavelmente um bocado de pequenos selos no Canadá, mas eu realmente não estou familiarizado com eles, porque eles normalmente atual nas cenas locais. Chequem os amigos da Northumbria, Le Revelateur, Electroluminescent, Le Chat Blanc Orchestra, AUN, Menace Ruine… Há ainda Los Discos Enfantasmes, um selo de Montreal que lança muita coisa interessante. Dito isso, não acho que o Canadá seja um “paraíso drone/experimental“. Não tenho certeza do porquê as pessoas de fora do Canadá tem essa ideia. A cena canadense é em grande parte composta por bandas indie medíocres tentando se apegar no sucesso do Arcade Fire, Feist, Broken Social Scene etc. Na real, acho que os artistas drone canadenses, como eu, não acham lugar na cena musical local. É por isso que lutamos pra escapar e achar pessoas de fora do país que estejam mais interessadas na nossa música, e talvez esse seja o motivo de parecer que tenhamos muitas “exportações”.
F-SE: Então, não há uma cena experimental, nem de post-rock em Montreal: Quer dizer, você e outros músicos se encontram, se divertem juntos, como com as bandas da Constellation Records, os caras do Godspeed You! Black Emperor… Aliás, a Casa Del Popolo (do pessoal do GY!BE) pode ser considerado “o lugar” pra bandas de seu estilo tocarem?
EQ: De novo, não acho que há uma cena experimental/post-rock em Montreal. Quero dizer, há uma, mas provavelmente não a que vocês ficam imaginando, e certamente não uma que gire em torno da Constellation Records. A Constellation Records e os caras do GY!BE começaram a construir algo juntos mais de quinze anos atrás e eles parecem que se tornaram símbolos dessa cidade em termos do que uma cena musical seria, do ponto de vista internacional, com a Casa del Popolo como o grande lugar pra shows, pra ver e tocar (todo tipo de música, como indie rock e pop, não só experimental). Mas há muito mais em Montreal. É um local pra onde artistas de todo o país vêm porque o aluguel é mais barato, há uma vibração multicultural, há arte e música por todo canto, e atitudes mais liberais acerca da vida do que no resto do Canadá e da América do Norte. Isso quer dizer que há muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, boas ou não, novas pessoas, novas bandas chegando e indo, novos lugares pra shows, novos promotores etc. Todo mundo que se muda pra cá quer que alguma coisa aconteça consigo por aqui e acho que esse é um aspecto muito mais interessante do que uma comunidade (Constellation Records/GY!BE) que já é bem-sucedida e que é vista como um pilar da nossa cidade. Muitas pessoas, incluindo eu mesmo, são movidas pelo que elas querem construir, e de certo modo, é assim que muitas comunidades estão prosperando. Mas não, nós não saímos por aí nos divertindo todos juntos – eu digo, alguns fazem, mas eu tenho meus próprios amigos músicos pra sair e me divertir tocando nos shows.
Ouça um trecho do ótimo disco duplo “Resurgence”, de 2011:
F-SE: O que é o sucesso pra você?
EQ: Ser capaz de fazer o que eu faço, nos meus próprios termos.
F-SE: Conhece alguma banda brasileira? Sabia que o thisquietarmy tem bastante fãs no Brasil?
EQ: Ouvi algumas bandas brasileiras, mas esqueci os nomes. Tô ciente de que tenho alguns fãs no Brasil, mas não estou certo do quanto é esse “bastante”, de modo que não consigo imaginar o thisquietarmy tendo um bocado de fãs em qualquer parte do mundo. Não é a música mais acessível e não tem tanta exposição quanto artistas similares ainda, então, eu ainda estou cético sobre quantos fãs eu tenho no Brasil.
F-SE: Sabia que existem bandas por aqui que consideram a sua como influência?
EQ: Fico um tanto honrado ao saber que qualquer banda considera meu som como influência. Isso é algo que eu nunca poderia imaginar quando comecei a tocar.
F-SE: Os fãs brasileiros podem imaginar um show do thisquietarmy no Brasil algum dia?
EQ: Sim! Ir ao Brasil nunca foi uma possibilidade ou sequer pensei nisso… Até a Labirinto entrar em contato comigo, um ano atrás. Desenvolvemos uma amizade; já nos encontramos e até tocamos juntos em Montreal, em março. Agora, eles querem me levar ao Brasil pra fazer uma pequena turnê com eles no próximo ano. Estamos pensando na primavera de 2013, depois da turnê europeia deles.
F-SE: Seus discos estão sendo lançados no Brasil pela Dissenso Records. Qual será seu próximo lançamento. Estará disponível aqui?
EQ: Acabei de lançar um disco ao vivo chamado “Exorcisms”, que foi gravado numa catedral e lançado pelo meu selo alemão Denovali. Também relancei um vinil do meu disco “Aftermath”, igualmente pela Denovali – deve estar disponível em janeiro de 2013. Talvez a Dissenso pegue dois desses no próximo pedido se tudo correr bem com as vendas dos meus discos… Além disso, Labirinto e eu estamos no momento gravando um split colaborativo que acredito deva ser lançado, em parte pelo menos, pela Dissenso, a tempo da nossa passagem pelo Brasil, no próximo ano. Pelos próximos meses, tentarei avançar em mais novos discos que tenho trabalhado desde o começo de 2012.
Ouça um trecho de “Exorcismis”:
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