ENTREVISTA: TIM KINSELLA – DISTOPIA E REALIDADE

Muito pode ser escrito sobre o trabalho de Tim Kinsella (Cap’n Jazz, Everyoned, Friend/Enemy, Joan Of Arc, The Knick’d Rakes, Make Believe, Owls, Sky Corvair, Good Fuck), mas eu vou resumir: sua música é o contrário de fan service, desafiadora e generosamente (e radicalmente) modificada a cada trabalho.

Seu catálogo de canções envolve desde os princípios do post-hardcore (na base de um Fugazi) até canções mais abstratas, envolvendo mesmo a releitura da trilha-sonora do clássico “A Paixão De Joana d’Arc” (1928, Carl Theodor Dreyer). Seu último disco, “1984”, pelo Joan Of Arc (ouça aqui), é uma releitura que incorpora a distopia de George Orwell com o passado da vocalista Melina Ausikaitis, uma jornada sentimental que passa pelo post-rock, música ambiente e dream pop pra investigar uma infância através de reminiscências e impressões, desenhando rabiscos que se dissolvem na constante progressão instrumental.

Pra um escopo mais amplo de sua obra, recomenda-se a recente entrevista pra Noisey ou o incrível documentário, também da Noisey. Enfim, há muitas e muitas entrevistas suas durante todos os mais de trinta anos na música que podem ser encontradas, por isso, nesta, decidi uma abordagem pessoal, revelando minha admiração por seu trabalho e focando especialmente no trabalho com o Joan Of Arc e seu mais recente “1984”.

Floga-se: Ouço suas bandas desde que eu tinha quatorze anos. Por que você acha que Joan Of Arc e seus projetos carregam essa estranha intimidade?

Tim Kinsella: Minha resposta à minha própria música é obviamente muito diferente da resposta de qualquer outra pessoa, então eu realmente não poderia imaginar falar por alguém. É emocionante saber que existem algumas pessoas que estão recebendo a transmissão. Muitas vezes não parece que é esse o caso. Se eu tivesse que adivinhar porque alguém sentiria essa conexão com a música, provavelmente seria em parte porque há muita música em um período de tempo tão longo, como uma longa série de TV. E mesmo que as pessoas não fiquem entusiasmadas com um episódio ou uma temporada específica, elas ainda se sentem conectadas aos personagens de alguma forma. E provavelmente ajuda o fato de não temos nos tornado muito populares, então as pessoas podem se sentir como se estivessem em um segredo que nunca foi corrompido por parecer chamativo ou falso.

F-se: O nome “1984” é um link direto pro livro de George Orwell ou é alguma outra coisa? Tipo, seus álbuns sempre vêm com referências literárias explícitas.

TK: Eu não acho que alguém possa dizer “1984” sem pensar em Orwell. Nossa perspectiva sobre isso era a ideia de que a distopia de Orwell está agora no passado. Queríamos ilustrar que, quando vivíamos através da distopia, todos ainda éramos apenas crianças e agora todos vivemos na pós-distopia.

F-se: Já que o seu último álbum tem uma música chamada “Punk Kid”, você acha que ainda é um garoto punk que grita com o Cap’n Jazz ou você se sente mais como um estranho adulto que persiste em fazer músicas?

TK: Eu e a maioria dos meus amigos estamos todos na faixa dos quarenta anos e ainda vagando, sem sentido, por aí, como punks, como sempre fizemos. Podemos ter novos conjuntos de responsabilidades que vêm com a idade adulta. E podemos nos cansar mais cedo, e os verdadeiros adolescentes punks podem não ser capazes de nos distinguir de seus pais quadrados. Mas muitas lições básicas do punk rock se aprofundam e amadurecem com a idade. Embora, obviamente, a sutileza com que aprendemos a nos expressar tenha ficado mais refinada.

F-se: Sinto que estou quebrando o “ciclo de entrevistas”, mas você me inspira muito, todo dia. Eu me pergunto quais são os artistas que te inspiram todos os dias porque você não para de fazer música.

TK: Isso é incrível de imaginar. Muito obrigado! Meus favoritos de todos os tempos são Lungfish e Bauhaus e Can e Captain Beefheart e Talk Talk. E John Cassavetes e Jean-Luc Godard. Eu tenho alguns amigos mentores que são artistas performáticos, mais velhos do que eu, chamados “Every house has a door”, eles elevam o nível e me inspiram todos os dias. E todos os dias estou ouvindo novas músicas – todos os dias – e isso é vital.

F-se: As letras do seu último álbum, “1984”, são tão boas. Quem escreveu e qual foi a inspiração?

TK: As letras foram todas escritas pela Melina. Todas são histórias sobre sua infância ou sobre ser um adulto lembrando sua infância, daí o título de “1984”, o ano em que a maioria dessas histórias aconteceu. Ela cresceu em uma área remota do país, uma cidade pequena, então elas são, em grande parte, sobre a compreensão da pequena cidade dos Estados Unidos do passado.

F-se: Como você vê a ascensão da nova direita e de que maneira, fazendo música, você acha que pode parar esse ciclo de merda?

TK: Obviamente, é horrível e aterrorizante. Todo mundo que conheço está falando sobre isso o tempo todo. E estamos todos exaustos tentando acompanhar as novas loucuras. O melhor que posso fazer é ser fiel a mim mesmo e fazer o que faço, mantendo sempre essa luta pela dignidade básica de todas as pessoas em mente. Eu não sou um lutador de rua. Eu não sou um especialista em direito. Eu sou músico. Então, por enquanto, o melhor que posso fazer são minhas músicas sobre essa luta e espero que elas afetem alguém o suficiente pra fazê-las sentirem um senso de compaixão, humanidade e ternura. Quando os protestos acontecem, eu apareço pra estar entre aqueles que estão contra tudo isso. Mas enquanto isso, eu sempre mantenho a luta em mente enquanto faço o que faço.

F-se: Seus dois últimos álbuns são tão bons e tão livres. Como você mantém esse “círculo de fidelidade” enquanto expande limites novos e interessantes musicalmente?

TK: Sabe, todos os nossos discos começam com um conjunto de restrições pra gravação e um processo mais do que apenas ter as músicas gravadas. Nós falamos sobre como esse processo vai se desenrolar e então deixamos as músicas emergirem do processo. Por isso, é ótimo ouvir que as coisas mais recentes estão aparecendo como selvagens ou livres, porque os mecanismos pra criá-las são todos sobre cada um de nós sendo representados democraticamente e sem fronteiras.

F-se: Desde 2006, não há um único dia que eu não ouça “Eventually, All At Once” (ouça aqui). Eu me pergunto se há um álbum que você não pode esquecer e tem que ouvir todos os dias.

TK: Isso é incrível. Obrigado! Uau! Não há álbuns que eu ouço diariamente, mas o “Laughing Stock”, do Talk Talk, é só ouvir uma vez por semana que sempre soa novo pra mim, todas as vezes, mesmo que eu conheça os menores detalhes.

F-se: “Maine Guy” (música de “1984”) desenha um personagem bem bonito. A música toda é estranhamente linda. Eu me pergunto se havia um modelo pra música e, se não existia, como você consegue construir algo tão brutal quanto a próxima faixa, “People Pleaser”? É assustador e desafiador ao mesmo tempo.

TK: É um retrato do namorado de Melina há muito tempo, quando ela era mais jovem, uma homenagem a ele. Eu me pergunto se ele já ouviu isso. E a sequência, com “People Pleaser”, foi decidida em grande parte pelo meu primo Nate, que juntou todo o álbum – entregamos a ele talvez o dobro do material que acabou sendo gravado e ele esculpiu tudo.

F-se: Conheço um amigo que estava em Tóquio e viu uma loja Kinsella lá. Como é ver você deixando pegadas em algo tão enorme e importante quanto a música? Quando eu era jovem, começando uma banda punk, eu disse uma vez que queria “soar como as músicas do Kinsella”.

TK: Você sabe, está além da minha capacidade de compreender. Eu agradeço muito! Todos os dias, sou muito grato pelo respeito e incentivo que recebo de muitas pessoas. Mas, pra poder realmente produzir a música em qualquer tipo de sentido verdadeiro, eu preciso apenas manter minha atenção em um círculo aqui, o que parece ser verdade pra mim de imediato. Há uma dissonância cognitiva real quando tento pensar, quanto mais entender, qualquer tipo de alcance ou legado. E sinceramente isso é bem simples de fazer, já que geralmente parece que poucas pessoas estão interessadas no que estou fazendo no momento. Os dois últimos shows em que toquei foram pra oito pessoas e quinzes pessoas. Então, não é difícil ser humilde. As pessoas parecem sempre interessadas em qualquer disco que eu tenha feito dez anos antes.

F-se: “Forever Jung” ou sempre um “Punk Kid”?

TK: Ambos.

F-se: Quando o punk rock se tornou tão seguro?

TK: (Com o) Sex Pistols.

F-se: Ei, Tim, obrigado, realmente, pela sua música nos últimos trinta anos. É algo realmente inspirador.

TK: Muito obrigado, Henrique! Significa muito saber que a música impressionou você. Obrigado!

Leia mais:

Comentários

comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.