ENTREVISTA: WILL OLDHAM – DOS PÉS DE UM VULCÃO PARA O MUNDO

bonnie-prince-billy

Will Oldham, que também pode ser conhecido como Bonnie “Prince” Billy, lançou “I Made A Place”, seu mais recente álbum de estúdio, em novembro do ano passado, pela Drag City.

Ele compôs o álbum com sua esposa enquanto ambos estavam no Havaí em residência artística. Seu legado de composições, seja com nome próprio, como Bonnie “Prince” Billy ou, mais antigamente, Palace Music, remonta do começo dos anos 1990, sempre em uma ética “faça você mesmo”, enquanto sua música, ao longo de todos esses anos, pode ser percebida como uma verdadeira jornada nas entranhas da história musical estadunidense, resultando do absurdo da vida e dos delírios em que todos devemos persistir pra suportar a existência.

Floga-se: Gosto de como suas músicas lidam com alguns temas absurdos ligados à vida cotidiana. É justo dizer que vivemos talvez no tempo mais absurdo, especialmente com a Covid-19. O que Will está fazendo pra manter a sanidade?

Will Oldham: Acredito que o absurdo é uma constante, como o bem e o mal. Há tanto de cada um agora como sempre houve. O progresso humano poderia ser medido em nossa capacidade de transcender o bem, o mal e o absurdo, e com essa estipulação não chegamos a lugar algum. Manter a sanidade é outra maneira de dizer “adiar a insanidade”. Estou atrasando o desenrolar da minha mente através da conexão com outras pessoas, como os nossos vizinhos e como o bom e velho “eu”. Bill Callahan e eu também estamos trabalhando duro em um álbum de duetos. Foi concebido à distância e está sendo construído por colaboradores em todo o mundo.

F-se: Como fã de longa data do trabalho de Phil Elverum e do seu, enquanto ouvia “I Made A Place”, fiquei surpreso e feliz com a música “The Glow Pt. 3”. Como surgiu a música?

WO: Conheço Phil há muitos anos. Há apenas algumas semanas atrás, nós compartilhamos fotos um do outro, provavelmente do nosso primeiro encontro pessoal, em 2002, aproximadamente. Minha esposa e eu estávamos no topo do vulcão ativo no Havaí há alguns anos. Todos os dias, minha esposa escrevia títulos (de canções) pra mim em um pedaço de papel pregado na parede. À noite, do lado de fora de nossa casa, podíamos ver nas nuvens o reflexo do brilho da erupção vulcânica ativa ocorrendo a mais ou menos um quilômetro e meio de distância. Então, minha esposa me deu um título, “The Glow”. Ela não conhecia as músicas de Phil. Phil veio nos visitar lá no vulcão, com sua filha. Foi uma completa coincidência. Perguntei se tudo bem eu ter uma música chamada “The Glow”, e disse a ele que poderia ser qualquer parte que ele quisesse. Ele me deu a bênção de chamá-la de “The Glow, Pt. 3”. Eu tive a tentação chamá-la de “Parte 7” pro caso de ele esconder músicas que eu desconhecia.

F-se: Uma amiga estava dizendo que precisava de algo pra relaxar e ficar calma, porque a rotina a estressava muito. Claro, sugeri “I Made A Place”, que ela agora ouve todas as noites. Como foi seu tempo no Havaí pra escrever este disco? Claro, eu não conheço o Havaí ou os outros lugares onde você escreveu seus últimos álbuns, mas seu último álbum me pareceu mais calmo do que outros álbuns recentes e me pergunto se isso tem a ver com o local onde foi concebido.

WO: O Havaí era um bom lugar pra eu trabalhar. O último lugar calmo? Talvez. Tínhamos tempo e espaço pra nos permitir trabalhar todos os dias, sem interrupções. Minha mãe estava morrendo, agora ela está morta. Minha filha ainda não tinha sido concebida, agora ela está andando e tagarelando. O barril de pólvora da modernidade tinha um pavio aceso, agora está explodindo. Não haverá outro disco pacífico, como “I Made A Place” por um longo tempo. Mas esse continuará a existir.

F-se: Essas novas tecnologias, streaming etc., influenciaram de alguma forma a maneira como você cria? E como você acha que elas ajudam ou atrapalham as pessoas quando ouvem seus discos?

WO: Preciso encontrar um jovem pra me mostrar como eles lidam com o streaming de música de uma maneira proveitosa e gratificante. Em nossa casa, ouvimos discos, cassetes, rádio, discos compactos, mp3s. O celular é algo interruptivo e nojento. Não quero música em um celular ou computador, máquinas que não têm nenhum escrúpulo em impedir ou mesmo destruir um momento musical. Não acho necessário e passo dias ou até semanas seguidas esquecendo que existe “streaming de música”. E todo mundo sabe que os serviços de streaming são destrutivos pros criadores da música, e ainda assim eles ouvem e pegam seu dinheiro. (Exatamente) Como dizemos “oh não, o planeta está morrendo!” e (ainda assim) renovamos nosso serviço de telefone celular, ligamos o ar-condicionado e enchemos nossos carros com gasolina.

F-se: Em meio ao caos em que o mundo está, você acha que a arte tem algum tipo de “obrigação”? Como você acha que sua criação está vinculada aos eventos?

WO: Todos temos algum tipo de obrigação de dobrar nossos esforços pra atender às necessidades da época. Todos, exceto os muito egoístas, que não precisam fazer nada do que não desejam. Eu sempre senti que a música lida muito bem com as crises. “I Made A Place” foi endereçado a uma crise mais geral. Somos cúmplices do apagamento da história. Todos nós queremos morrer, e todos queremos fazer nossa parte pra destruir a terra. Às vezes, posso sofrer de uma claustrofobia abjeta, uma sensação desesperada de isolamento e silêncio. Quando a grande crise da saúde ocorreu, juntamente com as regras estabelecidas pela sociedade pra lidar com a crise, eu, como tantas outras pessoas, gravamos vídeos de músicas que eu esperava que abordassem emoções exacerbadas pela crise. Compartilhei isso usando meios modernos da chamada “comunicação” pra usar o que desenvolvi ao longo dos anos: alcance e reconhecimento.

F-se: Dizem que nossas referências musicais são estabelecidas em nosso primeiro contato “intenso” com a música. Você ainda está “conectado” às coisas que ouviu quando começou sua carreira musical?

WO: Eu estava apenas andando e a música que me veio à cabeça foi “It’s Expected I’m Gone”, do Minutemen. Eu estava tentando reproduzir na minha cabeça a mistura da gravação e depois voltar ao estúdio (fingindo que poderia estar lá quando a gravação foi feita pela primeira vez) e me imaginar como uma mosca na parede enquanto os envolvidos decidiam como cada um dos elementos da música deve estar no mix. Eu ouvi a gravação pela primeira vez em 1983. Talvez eu a tenha ouvido, mais recentemente, há vinte anos. Havia um turbilhão de interconexão na música pra mim quando eu era criança; é essa interconectividade que tento promover no meu trabalho ainda hoje.

F-se: Na sua rotina pessoal e criativa, como você impede a Internet de te atrapalhar? Conheço muitas pessoas talentosas que acabam perdendo a maior parte do tempo online e depois se sentem culpadas por isso.

WO: Ha ha! A Internet é tão feia que é fácil ficar longe, pra mim. Ultimamente, olho muito o Twitter, porque criei meu feed especificamente pra abordar e me informar sobre o que está acontecendo. É o meu jornal, e olho pra ele algumas vezes por dia, e não me sinto culpado porque não sei mais como obter essas informações. Quero dizer, informações sobre protestos, sobre saúde, sobre eleições. Também gosto dos feeds engraçados (absurdos), feeds sobre arte e música, feeds religiosos e alguns feeds sobre sexo ou sensualidade. Não transmito música, não uso a mídia social pra me comunicar com pessoas que eu posso ver na vida real ou telefonar, como meus amigos e familiares. Eu uso as plataformas pra acessar as perspectivas de estranhos, pra manter meu cérebro sob controle. Com uma criança pra criar, um jardim pra eliminar ervas daninhas, um corpo envelhecido pra cuidar, música pra construir… quem tem tempo pra assistir tudo (o que vem da) televisão inútil?

F-se: Você sente falta de se apresentar ao vivo devido à quarentena?

WO: Não particularmente. Não me alimento da conexão com o público ao vivo da maneira que muitos artistas (mais saudáveis) realizam. Sempre senti que eu crio coisas em privado pras pessoas usarem em sua própria privacidade. Tocar ao vivo é experimentação, treinamento, publicidade. É um bom momento pra estar com outros músicos, vivendo a vida. Mas o coração do meu trabalho está nos espaços pequenos e específicos que eu conheço e na tradução das aventuras nesses espaços em algo com o qual você também pode se relacionar e apreciar.

F-se: Crescer ouvindo sua música foi algo muito notável para mim, lembro-me de uma história na Wire que guardo aqui até hoje. O que você acha que há de específico em suas composições serem capazes de criar pontes tão distantes com alguém no Brasil?

WO: Todos estão sozinhos, com raiva, comemorativos, gratos ou culpados. Sei que não tenho muito em comum com muitas pessoas em um local específico, que minha verdadeira comunidade está em todo lugar de uma maneira mais esparsa. Então, eu faço essa música pra encontrar meus amigos ou enviar mensagens pra meus pais em todo o mundo e em todo o tempo. Identificar e conectar a rede de pessoas que poderia ser sua família afetiva; estão em todos os lugares, capazes de serem descobertas.

F-se: Sempre fiquei curioso pra saber como você separa o que grava com seu nome e Bonnie “Prince” e, antes, com Palace Music.

WO: Os Palace Days (discos assinando como Palace Brothers e Palace Music) foram sobre como minhas capacidades e limitações se encaixam na vida de fazer música. Depois que reconheci onde estava e do quê eu estava fugindo, precisei de um nome de código e esse era Bonny. Agora está tudo limpo, o mundo fará o que quiser. Se alguém me perguntar como eu quero ser creditado, eu digo: “você decide”.

F-se: Como foram as apresentações com Jonathan Richman (fundador do Modern Lovers)?

WO: Bem, nossa viagem foi interrompida. A comunicação continua. Eu tenho aprendido com ele desde os 15 anos, e somente nos últimos anos o relacionamento se tornou mútuo! Vou continuar a aprender com Jonathan pelo resto da minha vida. Sua relação com a música é completa e única. Nós queremos continuar.

Leia mais:

Comentários

comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.