Deve ser de fato frustrante. Ter uma banda não é um passatempo pra muita gente. É profissão. Mas uma profissão que rende quase nada, que vira quase… passatempo.
Em julho deste ano, Katie Stelmanis, a mente por trás da Austra, banda canadense formada em 2009 e com quatro discos no currículo (o mais recente é “Hirudin”, de 2020), veio a público reclamar da distribuição da grana pelas empresas de streaming, algo que o Floga-se aponta há anos (leia aqui um dos textos-exemplo): “Eu lancei o ‘Hirudin’ quase um ano atrás e ele foi executado no Spotify cerca de 4 milhões de vezes. Com base em um pagamento de $ 0,0038 por execução e levando em consideração meu negócio com minha gravadora, ganhei cerca de $ 2.662,38, todos os quais vão pra dívida da minha gravadora, o que significa que embolsei $ 0” (valores em dólares, o que pela cotação média de 2021, pode ser multiplicado por R$ 5,30, pra se ter uma ideia).
Em uma sequência de tuítes, a artista seguiu: “agora que as turnês se tornaram tão precárias com o surgimento de variantes (da covid-19) e desastres naturais, acho que é hora de considerar se continuar nesta indústria é realmente possível ou não. Não estou desistindo nem nada, apenas refletindo se é hora de considerar outras opções! E também afirmando que deve haver uma maneira de os músicos ganharem dinheiro sem ter que dar a volta ao mundo 5 vezes por ano”.
Stelmanis tem um tanto mais de oportunidades do que os cariocas do Estranhos Românticos, banda que está na ativa desde 201, uma diferença de apenas cinco anos pra Austra.
“Último Sol”, lançado no dia 15 de setembro de 2021, é o último disco da banda, promete Pedro Serra, baterista do grupo: “estamos lançando o último disco do Estranhos Românticos, que infelizmente está acabando – mas com estilo (risos). Um tipo de lançamento meio diferente, com pré-encomenda antes de entrar nas plataformas”.
O álbum digital podia ser pré-encomendado no Bandcamp por US$ 3, cerca de R$ 18, de 10 de setembro até o dia do lançamento efetivo.
A ideia veio a partir da constatação óbvia de que são pessimamente remunerados por quem possui os meios de distribuição atuais, “no intuito de questionar o sistema atual de distribuição e pagamento feito pelas plataformas de streaming (onde são arrecadados 0,00348 centavos a cada reprodução e tendo que conseguir 60.000 visualizações para garantir um salário mínimo)” – valores também em dólares.
Austra e Estranhos Românticos não estão nem no mesmo nicho de música (ok, talvez ambos possam ser classificados, com boa vontade reducionista, como “indies”) pra terem o dedo apontado pra um estilo qualquer que os coloque pra escanteio. Não é isso. É o sistema e é a preferência atual por uma música bem mais descartável, que embale dancinhas de TikTok e bebedeiras adolescentes – cada fase é uma fase.
Fiquemos no sistema, porque gosto é gosto e os adolescentes dançam e se embebedam como preferirem – se não é com a música do Austra ou do Estranhos Românticos, problema dos dois nesse caso.
Stemanis diz que “a única maneira de apoiar um artista com certeza é por meio de uma loja de produtos gerida pelo próprio artista”. A dela é essa. “Agradeço o apoio (de quem compra pela loja), mas perguntar como os consumidores podem apoiar melhor os artistas é como perguntar como podemos resolver individualmente as mudanças climáticas. não é possível. As empresas não alterarão seus métodos de pagamento, a menos que os governos as obriguem a isso. Precisamos de melhores leis”.
O Estranhos Românticos não se aprofundou tanto na questão com o lançamento de “Último Sol”, talvez porque sempre soubesse que seria difícil mesmo, sendo brasileiro., terra onde a música com guitarras teve breves sopros de protagonismos.
Mas também a banda não ficou parada. Ela faz parte do Rockarioca, “movimento de 25 artistas atuais de várias vertentes do rock do RJ – de veteranos fazendo novos sons à galera mais jovem que desponta”, com páginas em redes sociais e listas de execução em plataformas de música, como Spotify, Youtube e Deezer (vá aqui). É um esforço coletivo pra ajudar na promoção e impulsionamento de músicas.
É um problema dos músicos, mas é um problema de outras categorias também, como motoristas autônomos, que se vêem achacados por aplicativos como o Uber. Aplicativos como 7Move, i-Mobile, Clicaaí, Mou Driver prometem um pagamento mais justo aos motoristas, mas esbarram no entrave maior: serem conhecidos pelos usuários, e angariar investimentos pra publicidade e divulgação.
Ao ouvir “Último Sol”, com participações especiais de outros artistas no Rockarioca, percebe-se que a banda entregou um som bastante acessível, que poderia estar nas rádios FMs com tranquilidade. Mas não basta fazer música acessível, é preciso ser acessível, conseguir falar com o público. E nada disso está rolando.
Faz parte do jogo? Faz parte do jogo, mas é um jogo que tem sido bastante dificultado.
O novo disco vem um ano e meio após “Só”, trabalho lançado em 2020, que entrou na lista de melhores do ano na votação dos nossos leitores.
“Último Sol”, porém, deveria ganhar um pouquinho mais de atenção dos adolescentes e daqueles que gostam de músicas fáceis. “Boa Noite, Copacabana” é um bom exemplo de rock despretensioso, assim como “Ridículo”.
O Estranhos Românticos fecha seu ciclo de maneira honrosa. O ocaso de uma voz que não foi ouvida. Uma voz que não é única, nesses tempos cruéis.
01. Boa Noite, Copacabana
02. Me Beija (com Nervoso)
03. Luxo (com Marcello Magdaleno)
04. Mim
05. Sol (com Cony Piekarz)
06. Ridículo
07. Carnaval
08. Fim Do Mundo
09. 42º
10. Mergulho No Saara (Latexxx Remixxx)