Ter banda no Brasil não é fácil. Pior é se o estilo não for comercialmente de massa. O que fazer? Se mobilizar, se agrupar, encontrar seus nanomercados e tentar se fazer perceber, mostrar seu trabalho.
É provavelmente dessa necessidade que surgiu o Exhale The Sound, um festival de música pesada e torta, em Belo Horizonte, agrupando bandas do Brasil inteiro, de vários estilos.
É um festival fora da curva, fora do foco, fora do eixo, fora da mídia. Mas o Floga-se esteve lá, com a repórter Janaína Azevedo Lopes, pra contar como é um evento que sabe não ter um público de massa, mas sabe falar com seu público certo – e cobra um preço justo por isso (o ingresso pra dois dias custava 45 reais).
Ela viajou de Porto Alegre pra Belo Horizonte, mostrando como um evento desses pode mobilizar uma faixa de consumidores que nem sempre é atendida pelo mercado. E, entre dezenas de bandas, polêmicas, cervejas e tímpanos zunindo, aqui está o relato da brava gaúcha.
Estamos aguardando a edição 2015.
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EU ACREDITO NO METAL TORTO
Texto e fotos (de celular): Janaína Azevedo Lopes
Eu acredito no metal torto e por isso mesmo encarei uma viagem infindável pra ir até Belo Horizonte e ver o Exhale The Sound de perto. Depois de relatos animadores sobre a primeira edição do evento, no ano passado, que escalou nomes como Huey e Noala, preferidos por aqui, decidi que precisava comparecer.
Do momento em que saí de casa (no interior do Rio Grande do Sul) até chegar no destino final, o centro da capital mineira, onde estava hospedada, foram nove horas, entre voos, conexões e traslados. E a verdade é que se fosse mais longe que isso, ainda assim teria valido a pena.
Com minha pouca experiência com festivais de nicho, eu só esperava um fest minimamente organizado, um som decente e umas bandas legais. Mas o Exhale foi um pouco além: é um espaço diverso de manifestações, que leva em conta e valoriza as iniciativas independentes e trabalhos autorais, como artes visuais, zines, literatura. O metal torto é só o cenário e a desculpa pra reunir tanta gente (segundo estimativa espontaneamente chutada do organizador do ETS, o Pedro, entre 500 e 600 pessoas estiveram no ETS. Pelo que pude observar, o número fica por aí mesmo).
Mas acontece também que o metal torto tem pouquíssimo espaço no Brasil, quanto mais um evento inteiro dedicado a ele. Aí está outro mérito do ETS, que conseguiu receber vinte e quatro bandas em dois dias, em um esforço de curadoria buscando o melhor de diversos estilos.
O primeiro dia foi mais modesto, com seis bandas em um espaço reduzido, um dos ambientes do centoequatro, espécie de casa de cultura do centro de Belo Horizonte com vista para a Estação Central. Fácil de chegar e com várias opções de táxi ao sair, não acredito que alguém tenha passado grandes perrengues relacionados a transporte pro festival.
A abertura do ETS ficou a cargo dos locais Ballet, um trio de hardcore de mudanças rápidas a la Minutemen. Logo depois, o God Demise, que inaugurou o pogo em frente ao palco, uma constante em todos os shows. Som pesadão, puxado no sludge e um vocalista furioso que cantava do meio da plateia. Foi aí que parei e percebi: estava no local mais pesado do país naquele momento.
God Demise
Em seguida veio a Cätarro, crust de Mossoró absurdamente violento. “Vamos seguir destruindo o que deve ser destruído”, disparou o vocalista a certa altura do show, adorável. Este vocalista, inclusive, foi o primeiro no palco a declarar a posição da banda sobre uma polêmica de cunho machista que atingiu o festival através das redes sociais às vésperas de sua realização, apoiando o diálogo e o entendimento (clique aqui pra entender o caso – ver “Denúncia 2”).
A noite seguiria tomando o rumo do black metal, com a Monge, banda que divide integrantes com o Facada. Talvez minha percepção estivesse um tanto alterada, mas lembro do salão do show ficar totalmente às escuras nesse momento. Um cenário perfeito pra um som tão incessante e opressor. Tanto que o Chakal, veteranos da cena mineira, contemporâneos de Sarcófago e Sepultura, me pareceram pálidos assim, tão colados com a Monge. Aproveitei pra bater em retirada, o que me fez perder a última banda da noite, a Abske Fides. São as opções que tu precisa fazer quando em um festival.
Quando subi as escadas do centoequatro pro segundo dia do Exhale The Sound, as coisas estavam diferentes: agora eram dois palcos em salões diferentes. A área pra banquinhas de publicações, editoras, selos e artistas independentes no primeiro dia era pequena, mas no segundo foi transferida pra um enorme corredor. Muito mais gente perambulando por lá também, e muito mais bandas.
Assim que cheguei, dei uma olhada no Futuro, hardcore muito potente, antes de catar coisa nas banquinhas e aproveitar o bar, este também em um espaço maior e com um freezer repleto de Eisehbahn. Ô, felicidade.
Foi com uma long neck da Strong Golden Ale (cerveja do coração) que assisti o Infamous Glory, nome já conhecido da cena de metal paulista e donos de um death metal de melhor tradição. Rolou até um cover de Darkthrone, um baita de um show. Não lembro a ordem exata, mas em algum momento veio uma apresentação furiosa dos veteranos O Cúmplice e outra incrível do Son Of A Witch. Como fã de stoner, babei assistindo aquele lamaçal passando no palco, com duas guitarras pra reforçar a sujeira.
E daí teve a Herod. Não sei nem explicar em palavras como é um show desses caras. Só sei que eu peguei um lugar do lado da caixa, no canto direito do palco, o que significa que cada batida na bateria eu sentia tremendo nos dentes, uma escolha acertadíssima porque é assim que um show desses deve ser assistido.
Na ordem: Infamous Glory, Son Of A Witch e Herod com Bemônio
Entre os momentos furiosos – em que chegam a soar como o meu tão querido Neurosis – e os mais brandos, é difícil controlar tanta tensão. Falando em tensão, logo na primeira música, “Penumbra”, lá estava Paulo Caetano, o senhor Bemônio, botando uns efeitos pavorosos na música que já é tétrica.
Seria o limite perfeito pro caos naquela noite, mas o próprio Bemônio voltaria ao palco pra cumprir essa missão. Eu não estava mais colada na caixa de som, e de onde eu assisti ao show (ao lado do palco), enxergava mais o baterista, pouco do guitarrista e do Paulo. Via, meio enviesada, que ele mexia em botões, pedais e um microfone, de onde saía um ruído pavoroso, embalado na guitarra e na bateria desesperada (o baterista pulava e chegou a subir na janela entre uma passagem e outra). Um show do Bemônio é um som contínuo, cheio de solavancos e ambiências. No outro dia, a declaração da banda dizia que “nosso intuito é incomodar e gerar desconforto”, o que de minha parte não procede, desculpa: eu só vejo beleza no desespero e no sufoco do som de vocês.
Contudo, optei por encerrar a noite por ali mesmo, e acabei perdendo shows elogiadíssimos, como o Bode Preto. O fest foi madrugada adentro enquanto eu recuperava a sanidade, os músculos e os tímpanos.
Acho que até ano que vem, pra terceira edição já confirmada, acredito que eu consiga me recuperar e por via das dúvidas, quem escolhe o caminho mais torto, pode ir se preparando também.