FAIXA A FAIXA: BRATISLAVA – CARNE

A BRATISLAVA é uma banda de São Paulo, formada pelos irmãos baianos (de Salvador) Victor Meira (baixo e vocais) e Alexandre Meira (guitarra e vocais), e pelos paulistanos Edu Barreto (guitarra) e Ricardo Almeida (bateria).

O quarteto está lançando agora, dia 21 de novembro de 2012, seu primeiro disco cheio, “Carne”. O primeiro lançamento da carreira havia sido o EP “Longe do Sono”, de 2011.

“Carne” é muito bem produzido por Claudio Machado, Fábio Santini, Luis Lopes e Victor Meira. A banda gravou o disco no estúdio C4, no bairro do Bexiga, em São Paulo.

Segundo Victor, “as sessões de pré-produção tiveram inicio em abril e a gravação começou em junho. Fechamos tudo no mês de outubro. Rolaram também participações de músicos amigos nossos, como Brunno Cunha (The Gramophones, Pitty) nos teclados; James Muller (Karnak, Funk Como Le Gusta) na percussão; Daniel Nunes (Constantina, Lise) nos beats eletrônicos; Thamires Tannous nos vocais; e Lucas Weier (Fernanda Cabral, Chimpanzé Club Trio) no acordeon”.

“As composições todas saíram de ideias musicais minhas e do meu irmão, Alexandre, ganhando corpo com o tempo nos ensaios e ganhando novas formas com as ideias do Ricardo e do Edu. As letras são minhas, exceto a de ‘Vermute’, que é do ex-Bratislava Pedro Chammé (batera da primeira formação). Tem músicas no disco que foram compostas quando a banda nem existia ainda, lá pra 2006, 2007, como ‘Mapa do Deserto’ e ‘Discurso Batido’. Outras, como ‘Carne’, ‘C’alma’ e ‘Aconchego’, são bem mais recentes, só tomaram forma mesmo no fim do ano passado”, diz Victor.

Sobre cada uma das canções do disco, a banda mandou com exclusividade do Floga-se um faixa-a-faixa, explicando timtim por timtim a história do álbum.

Na página oficial da banda no Bandcamp, onde você pode baixar o disco de graça, há uma explicação conceitual do trabalho: “o disco conta a saga de um protagonista sem nome, que vaga por cenários realistas e absurdos – desde uma caminhada pela avenida Paulista até o vislumbre de um jardim asteca no meio do sertão – questionando seus próprios demônios e enigmas, botando em cheque os costumes sociais, a normalidade, os vícios da memória, a vida eterna e o paradoxo da perfeição”.

Essa saga é contada em doze músicas (mais um remix de “Esperanza”, lançada originalmente no EP) com influências, de acordo com Victor, que incluem a “francesa Debout Sur Le Zinc (um norte pra a gente), Caetano, Gil, Lô Borges, Tom Zé, Mars Volta (e os projetos todos do Omar Rodriguez Lopes), Red Hot Chili Peppers (e os trampos solo do Frusciante), Portishead, Manu Chao… De vez em quando, gostamos de tocar uns sons dessa galera nos ensaios, pra juntar umas energias paralelas”.

Abaixo, ouça o disco na íntegra e leia o faixa-a-faixa:

01. Jardim Asteca
02. Curandeiro De Velhos Perdidos
03. Mapa Do Deserto
04. Discurso Batido (clique aqui pra ver o vídeo)
05. Aconchego
06. A Massa Que Dá Fortuna
07. Carne (clique aqui pra ver o vídeo)
08. Fôssemos Gatos
09. Holga (clique aqui pra ver o vídeo)
10. C’Alma
11. Vermute
12. De Onde Não Se Vê O Céu
13. Esperanza (Matschulat Remix)

FAIXA A FAIXA

01. Jardim Asteca
“É uma trip psicodélica, onde o protagonista vaga por lugares deslocados, cenários que, por alguma razão, não deveriam estar ali naquele momento. É uma música de iniciação a um culto, a uma roda ritualística convidativa, sedutora. Tanto que, uma vez na roda, ele te chama pra participar. Esse chamado pro transe é o início da experiência-carne”.

02. Curandeiro De Velhos Perdidos
“Situa nosso protagonista no deserto do Atacama. Agora ele é velho e manco, e busca a ajuda de um curandeiro que reside no meio do nada, implorando uma nova chance, uma nova vida, a fonte da juventude ou simplesmente a habilidade de andar de novo, nestes derradeiros anos que lhe restam. O fim é uma epifania do nosso protagonista, nos últimos minutos de sua vida: a luz do fim do túnel se transforma no vislumbre do paraíso, e ele passa a ser uma entidade universal etérea, uma memória”.

03. Mapa do Deserto
“Joga o nosso protagonista no chão de seu apartamento, num domingo de ressaca. Ainda semi-acordado, ele abre os olhos ardidos de sol da manhã e fica observando os ácaros se agitando no feixe de luz que entra pela fresta da cortina. Toda a viagem não passa de um instante, um relâmpago de sentimentos que captam essa sensação. Daí ele compara o carpete do quarto com as dunas de um deserto – como se de alguma forma alçasse uma memória antepassada, de quando era manco, velho e desesperado”.

04. Discurso Batido
“O nosso protagonista volta a ser jovem, politicamente desiludido e desanimado. Rememora os tempos de infância, quando seu vô ralhava da incompetência dos políticos. E o faz regando suas plantinhas no quintal, das quais seus amigos tanto gostam”.

05. Aconchego
“É mais um devaneio do que uma situação do nosso protagonista. A composição se valeu de liberdade poética ao relacionar dois elementos semanticamente muito distintos pra criar uma possibilidade: ‘e se a morte voasse?’. A pergunta aparentemente sem pé nem cabeça se desdobra, se levando a sério: se a morte voasse, as pessoas não seriam enterradas, mas ficariam flutuando no céu, orbitando. A gente também não saberia dizer se um passarinho tá vivo ou morto… E, então, de tanto olhar pro céu e ver um monte de cadáver, a
humanidade aprenderia, finalmente, a lidar com a morte. Apesar do tema aparentemente mórbido, a mensagem é leve e brincalhona”.

06. A Massa Que Dá Fortuna
“Tem dois momentos. No primeiro, nosso protagonista conversa diretamente com deus. Ele questiona: se deus é uma entidade perfeita, porque não soube criar nada perfeito? Porque o mundo é cheio de dor, sujeira e doença? A indagação é uma ruptura contra o aspecto onipotente da figura do pai. Num segundo momento, critica a instituição-igreja desfraldando o discurso dressed to kill dos pastores e padres que hipnotizam seu rebanho”.

07. Carne
“Nosso protagonista toma formas mais subjetivas. É uma espécie de epicentro da ópera, onde ele caminha em meio à carnificina da geladeira de um açougue, contemplando o aspecto gelado dos cadáveres expostos naquele ambiente. Ele reflete sobre sua humanidade, e se sente parte daquilo que observa – sente-se um grande pedaço de carne ambulante. Carne que faz música. Saindo do açougue, nosso protagonista vaga pela madrugada paulistana. ‘Carne’ foi inspirado na arte do ilustrador francês McBess. Ele conta numa entrevista que quando sua mãe estava grávida dele, o médico recomendou que ela comesse carne pra que seu bebê fosse devidamente nutrido. Ela sempre fora vegetariana, mas naqueles nove meses resolveu seguir a recomendação do médico e comeu bastante carne. O ilustrador tira a pira de que também é filho dessa carne que sua mãe ingeriu durante a gravidez”.

08. Fôssemos Gatos
“A questão que permeia seu pensamento é: será que conseguiríamos ser completos e plenos se fôssemos perfeitos vagabundos? Será que conseguiríamos ser seres desinteressados, sem os desejos viciados de uma sociedade corrompida? Será que conseguiríamos ser simples como os animais, apenas vagando o mundo e tirando alegria da vida em si, da contemplação das coisas óbvias e vulgares? Contudo, sua opinião sobre a humanidade é bastante cética”.

09. Holga
“É sobre memória. Nosso protagonista se senta num boteco, pede uma breja e se lembra das últimas viagens que fez. Lembra quando foi pro Pará, e as imagens que passam por sua cabeça, inevitavelmente por vício da memória, estão ligadas às fotos que tirou lá no centro de Santarém, com os amigos. Depois lembra de outra viagem, pra Montevidéu, feita na qual estava sem câmera. E, curiosamente, não lembrava ‘menos’ da viagem. A lembrança dos locais era vívida, dançava em sua memória. E aí fica se perguntando qual das memórias lhe era mais valiosa e plural”.

10. C’alma
“Há um deslocamento parecido com os de ‘Jardim Asteca’ – não se sabe bem se as viagens são geográficas ou se são delírios de deslocamento. Nosso personagem se vê num templo, no interior da China. Contempla as florestas de bambu, as montanhas de cume arredondado, os tons de verde completamente diferentes dos tons sul-americanos na vegetação. A arquitetura e o telhado dos pagodes e templos. A terra, a chuva, o inóspito num tipo diferente de deserto. E, de repente, numa convulsão, se vê no centro noturno de Tóquio, na profusão de gente e neon, placas, signos, letreiros, prédios, vielas apertadas, vitrines absurdas. Se vê entrando numa boate, dançando com uma galera japonesa. ‘CALMA’ é o pseudônimo do artista visual brasileiro Stephan Doitschinoff. Numa palestra, ele explicou que a palavra ‘calma’ vem do latim ‘com alma’. Nos identificamos com esse estado de espírito criativo”.

11. Vermute
“É uma história paralela. É onde o coadjuvante da história dá as caras. Se o nosso protagonista é um cara que vaga as ruas de São Paulo, confabulando sobre seus demônios encriptados e viajando geográfica ou imaginariamente pelo mundo, nosso coadjuvante é um aventureiro que surge da rodovia 9 com sua motona, vestindo a jaqueta dos Polecats. Contudo, como na relação entre Paradise e Moriarty (em ‘On The Road’), nosso protagonista se fascina pelo espírito livre e bravura desatinada de nosso coadjuvante, topando a aventura pelas estradas, puteiros e tretas madrugada a dentro. ‘Vermute’ foi escrita pelo ex-Bratislava, Pedro Chammé”.

12. De Onde Não Se Vê o Céu
“E depois de uma noite tão maluca, quando finalmente tomba desacordado, nosso protagonista sonha que é o próprio deus. Sonha ser deus, logo depois de ter criado o mundo, invadindo a própria criação e tentando convencer todo mundo a ser fiel a ele – o que soa completamente surreal, mas acaba acatando, já que é sonho. Depois, ainda em pele divina, se olha no espelho e confessa pra si mesmo que, realmente, talvez não seja perfeito. É o fim da saga de ‘Carne’.

13. (bonus track) Eperanza
“É uma homenagem da banda à jazzista Esperanza Spalding. A versão de ‘Carne’ é um remix (a original tá no EP ‘Longe do Sono’, lançamento anterior da banda). A letra da música é um conjunto de devaneios sobre o universo grave do contrabaixo e da doçura da baixista”.

Todas as fotos de Laís Aranha, com assistência da Debora Gepp e Leila Tomás.

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