Dois terços do Chinese Cookie Poets, o baixista Felipe Zenícola e o guitarrista Marcos Campello, lançam dois discos nesse dia 10 de agosto de 2015. O primeiro vem com “Arcanos” e o segundo, com “Bamsa”.
São dois exercícios curiosos. Enquanto “Arcanos” é feito todo e somente com baixo e mais nenhum instrumento, “Bamsa” é realizado todo e somente com uma guitarra e mais nenhum instrumento.
Mesmo assim, são discos bastante ricos em sonoridades. “Arcanos” é mais denso e sombrio; “Bamsa” é mais amplo, entre o ruidoso e o suingado. “Arcanos” é uma experiência mais longa, com vinte e duas músicas (e, você entenderá, não podia ser diferente); e “Bamsa” é mais curto, nove músicas e vinte minutos no total.
Zenícola explica seu disco: “em janeiro desse ano, me propus o exercício de, a cada dia, gravar e publicar uma improvisação no baixo elétrico tendo como musa um dos 22 arcanos maiores do Tarot de Marselha. Ao final de 22 dias consecutivos de gravação, vi que aquilo poderia virar um disco”.
O disco foi todo improvisado, executado e produzido por Zenícola. Cada uma das faixas vai ganhar um clipe/curta-metragem, e depois, unidos, vão virar um longa-metragem ainda pra 2015 – uma delas, “XVIII La Lune”, já tem um. Veja:
Aqui, “VIII La Justice”:
Sobre o disco, Zenícola informa: “gravei as improvisações em casa mesmo, durante duas a quatro horas por dia, dependendo do resultado de cada ‘arcano’; ao final de cada semana, tirava os sete arcanos da semana seguinte, e a cada dia ia gravando inspirado no arquétipo daquele dia”.
“Escolhi fazer o exercício antes de mais nada; a escolha do tarô veio na hora de pensar como trabalharia essas faixas, se teriam nomes, temas… Daí, na hora, pensei no tarô; ano passado ganhei esse Tarot de Marselha, restaurado pelo (escritor Alejandro) Jodorowsky; desde então, quis estudar as cartas, o oráculo, mas nunca começava, acabou que esse foi um primeiro estudo, pois além de em cada dia ler um pouco sobre aquela carta, o processo todo gerava um envolvimento subjetivo e pessoal com aquele arquétipo, e Jodorowsky fala muito sobre isso, de você se relacionar com a carta, dormir com ela, entrar em contato com suas representações, então o processo todo acabou unindo o útil ao agradável”.
É um universo rico, sem dúvidas. Mas o ouvinte, inteirado ou não no mundo do tarô, talvez não associe a versão sonora com seus significados nas cartas. Terá havido essa preocupação por parte do artista? “Houve e não houve. Não acho que são ‘versões sonoras’ dos arcanos, (são) mais uma expressão minha a partir do que eles me passavam naquele momento. No fim, alguns sons remetem de forma mais literal aos arquétipos ou às imagens das cartas”, diz.
O lançamento é via QTV.
Ouça na íntegra:
01. XIII L’Arcane Sans Nom (12/01/15)
02. IIII L’Empereur (13/01/15)
03. XVI La Maison Dieu (14/01/15)
04. VI L’Amoureux (15/01/15)
05. VIII La Justice (16/01/15)
06. XVIIII Le Soleil (17/01/15)
07. XXI Le Monde (18/01/15)
08. Le Mat (19/01/15)
09. XIIII Tempérance (20/01/15)
10. XVIII La Lune (21/01/15)
11. I Le Bateleur (22/01/15)
12. VII Le Chariot (23/01/15)
13. XVII L’Étoile (26/01/15)
14. X La Roue De Fortune (27/01/15)
15. XII Le Pendu (28/01/15)
16. III L’Impératrice (29/01/15)
17. VIIII L’Hermite (30/01/15)
18. XI La Force (31/01/15)
19. XX Le Jugement (01/02/15)
20. XV Le Diable (02/02/15)
21. V Le Pape (03/02/15)
22. II La Papesse (04/02/15)
Já “Bamsa” é uma experiência que mistura noise, samba e MPB, em músicas curtas (só duas passam de três minutos de duração). Elas não têm título (bem como o mais recente disco do Chinese Cookie Poets).
Campello conta como surgiu a ideia de fazer um disco só de guitarra e solo: “em junho de 2013, fiz uma residência de três semanas nos EUA e lá havia um estúdio liberado pra gente usar. Fui pra lá já pensando em desenvolver meu lance de guitarra solo, e lá isso realmente aconteceu. Gravei horas de improvisos e tal, voltei pro brasil e fiz um disco com esse material. Só que ficou chato, muito limpo, muito plano, música muito cabeçuda. Fiquei um ano e pouco sem conseguir lançar esse disco por causa disso. Nesse ano descobri o problema e remontei o disco em cinco dias, usando vários improvs que fiz e dos quais sempre gostei. A minha maior ideia foi criar um disco dinâmico dentro da ideia potencialmente suicida de um disco de guitarra solo”.
O “problema” que ele cita era que o disco “dentro dele mesmo, não tinha movimento, variedade, ele era inteiro, mais do mesmo”.
“Além disso”, continua, “tem a parte do suingue, do groove, que é uma pilha minha que entrava no CCP, até certo ponto. Em trio é muito difícil você conduzir as coisas exatamente como você quer, e, aliás, a grande riqueza do grupo é essa, viver debaixo de uma chuva de propostas. Mas eu senti essa necessidade de tocar solo, de ver o que eu conseguiria fazer com a guitarra, sem frescura mesmo, dando o máximo de porrada nela e tocando o mais leve possível, e pra isso vi que as gravações ao vivo são a melhor fonte de material”.
Nesse processo, a única que restou do primeiro material é a faixa “6”, um samba.
E “Bamsa” tem samba, MPB, noise, balanço. É o que formata o equilíbrio do disco: “acho que isso é parte do equilíbrio. Pensei além de ‘estilos’, em tipos de energia e em tipos de ambiente. Pra mim, cada faixa tem uma energia complementar, uma furiosa, uma lírica, uma meio largada, uma elegante, uma agressiva… E cada uma tem um som especial e específico. Nenhuma faixa tem o mesmo som de guitarra. Isso foi muito importante, porque traz muita vida. Quando você muda o ambiente, o som do ambiente de uma faixa pra outra, parece que você entrou numa outra casa, num outro quarto, num outro cosmo, traz uma carga poética e imagética incrível, e cada improviso tá permeado dessa carga, então, tem uma confluência que junta o som com a forma de tocar que acho que dá muita expressividade e força pra coisa”.
No disco, tem gravações em cassete, gravador digital “tosco”, ao vivo na Audio Rebel, na Plano B, na Comuna, no sítio do avô de Campello, no banheiro… E a unidade apareceu.
“Mas o que me pegou foi essa coisa estética mesmo”, diz. “Disco de guita solo, deus me livre! Pra ser chato só basta existir”, brinca.
“Bamsa” é uma experiência estética e criativa que deu certo.
E há uma curiosidade. Campello colocou o disco completo na primeira faixa, antes das nove que fazem parte de “Bamsa”.
Ele explica: “coloquei o disco inteiro (na primeira faixa) porque montei numa ordem específica que pra mim é muito expressiva, tem uma narrativa ambiental, por isso fiz um edit dele todo, inclusive com faixas começando antes do final de outras e tal, pra gerar uma certa contradição de espaços físicos imaginados, mesmo; mas também coloquei as faixas separadas, pra quem quiser ouvir alguma específica”.
“Na verdade, eu quero que as pessoas ouçam ele direto, como tá na primeira faixa. Aí, se o cara pirar em alguma faixas em especial, não precisa ficar catando ela num mp3 de vinte minutos, basta clicar na faixa avulsa. Mas a minha intenção é que o disco seja ouvido todo de uma vez. São só vinte minutinhos mesmo, nem dá pra ver passar…”, completa.
Ouça na íntegra, então:
01. Bamsa Inteiro
02. 1
03. 2
04. 3
05. 4
06. 5
07. 6
08. 7
09. 8
10. 9
Viva a música torta! 🙂
Viva!