FESTIVAL CULTURA INGLESA 2012 – COMO FOI

Em uma frase: quase um crime.

É sabido que você vai ler por aí que o “Horrors foi ótimo” e o “Franz Ferdinand, matador”, mas é preciso ressaltar o grande equívoco que foi esse 16º Festival Cultura Inglesa, pelo menos a perna do Parque da Independência, em São Paulo.

Cheguei ao local por volta das duas horas. O sol estava agradável, mas a visão daquela fila insana me fez pensar que não havia tempo agradável que fosse segurar os ânimos que levariam a uma possível tragédia. Àquela hora, já era possível imaginar que coisa boa não ia acontecer.

A fila se esticava, segundo tuítes da organização, por conta da revista na entrada do parque, medida aceitável. Mas se esperavam vinte mil pessoal pro show gratuito de uma banda que facilmente levaria, sei lá, trinta mil pagantes, o que não haveria de acontecer com milhares que certamente ficariam de fora e que seguiam na fila? Uma tragédia, provavelmente. Ainda mais com a polícia que São Paulo tem.

Dentro do Parque da Independência, ninguém poderia reclamar. O espetáculo foi bonito, o local é lindo, a plateia se comportou civilizadamente, a organização mereceu parabéns com o som (do Franz Ferdinand, pelo menos), com a água distribuída de graça, e com a seleção musical entre os shows (que incluiu The Fall, New Order e Jesus & Mary Chain). Mas havia um certo temor pelos que estavam do lado de fora. Temor de uma invasão, de um quadro terrível. Onde eu estava, foi possível ver alguns jovens pulando o cercado do parque. Seguranças corriam por todos os lados. Era o desespero de quem estava horas na fila e via cada vez mais distante a chance de assistir aos ídolos.

No vídeo abaixo (no final do post), pra “Take Me Out”, é possível ver como estava bonita a festa, e o que o Franz Ferdinand causa nessa moçada. Ninguém previu isso, essa comoção e o possível desespero que muitos desses jovens que não podem pagar 120, 200 reais pra ver seus ídolos entrariam ao perceber que nem de graça veriam sua banda preferida? Foi subestimada a projeção de público (pra um evento de graça não há estimativa razoável)? Foi ingenuidade? Ou foi irresponsabilidade pura?

Quando a polícia desceu o porrete na molecada e soltou gás de pimenta, sabe-se lá como nenhum resultado extremo se deu. A solução foi fechar a Avenida Nazareth, a via mais importante do bairro, pra que do alto, no asfalto, os que ficaram do lado de fora pudessem ter uma vaga noção do que Alex Kapranos e companhia estavam fazendo ali dentro. O som alto, ao menos, era bastante audível do lado de fora.

Antes, porém, os que ficaram na fila pouco perderam. Banda Uó e Garotas Suecas são piadas de mau gosto mesmo com suas músicas próprias. Assassinando, respectivamente, Smiths e Rolling Stones, é um crime que o código penal deveria prever. Ainda bem que cheguei depois dessa visão/audição do inferno (a Banda Uó eu tive o desprazer de ouvir enquanto tentava entrar no Parque). Mas relatos de amigos que estavam no lugar confirmaram que tal atrocidade foi de fato uma atrocidade.

Assim como o We Have Band. Banda insossa, desprezível, dessas que pululam aos montes por aí e que fazem a festa de indies festivos. Vi o show completo, mas era melhor ter evitado – seria até melhor ter ficado na fila.



Valeu a tortura até chegar ao Horrors. Faris Badwan é uma mistura engraçada de Bobby Gillespie, Joey Ramone e Julian Casablancas, mas totalmente caricato (pelo menos a cara dele parece uma caricatura). Já a banda flutua entre o My Bloody Valentine e alguma coisa gótica, tipo Bauhaus ou Clam Of Xymox. O guitarrista Joshua Hayward é um fenômeno: olha pra multidão e não tá nem aí, mete mesmo umas distorções e tenta fazer o máximo de barulho que pode. Pena que o som não ajudou, estava baixo e as microfonias se perderam por trás do baixo e dos sintetizadores.

Mas foi legal ver a tentativa – e a cara das pessoas ao lado, sem entender muito.

De qualquer forma, Faris segurou a bronca. Mandou o “Skying”, seu mais recente disco, pra uma plateia formada por 90% de pessoas que pouco sabiam do que se tratava e que estavam mesmo esperando pelo Franz Ferdinand, a grande estrela da noite. O Horrors entendeu seu lugar de coadjuvante e provocou com distorções e canções que fogem das programações das indie parties.

A banda merecia sorte melhor e nesse caso vale o velho clichê de que o Horrors certamente fará show mais interessante em um lugar fechado e pra seu público, com som adequado. Mesmo assim, “Changing the Rain”, “Still Life” e “I Can See Through You” marcaram presença e valeram o espetáculo que, infelizmente, durou pouco menos de uma hora.

Setlist The Horrors:

1. Mirror’s Image
2. Who Can Say
3. I Can See Through You
4. Scarlet Fields
5. Changing The Rain
6. Endless Blue
7. Sea Within A Sea
8. Still Life
9. Moving Further Away

Veja como foi “I Can See Through You”:

Quando o Franz Ferdinand subiu ao palco, com vinte minutos de atraso (pontualidade britânica, hã?), o tumulto que parecia certo no lado de fora não se fez notar no lado de dentro. Então, tudo o que havia acontecido anteriormente pôde ser apagado. Uma certa comoção da audiência tomou conta.

A banda começou fria, atrapalhada, errando as músicas, mudando andamentos, e só foi engrenar mesmo na quarta, com “Do You Want To?”. Antes, havia mandado uma nova, “Right Thoughts”, que a plateia recebeu com frieza, assim como as outras três novas, “Brief Encounters”, “Fresh Strawberries” e “Trees & Animals”, o que é natural, mesmo que elas tenham circulando bastante pela Internet ultimamente, nuns vídeos ao vivo de qualidade bem ruim.

Entretanto, bastou a sucessão de hits “No You Girls”, “Matinée”, “Take Me Out”, “Ulysses” e “This Fire” (encerrando e levando os presentes e ausentes ao delírio), pra entender o porquê da comoção da molecada pra ver esse show. O Franz Ferdinand fez do Parque da Independência uma enorme e contagiante festa, incluindo uma homenagem legal a Donna Summer, com “I Feel Love” no meio de “Can’t Stop Feeling” – mesmo quem não queria, acabava pulando por osmose. Está na cara: é uma banda grande aqui no Brasil, será que só os organizadores não se deram conta disso?

No final, não foi um show espetacular, não foi o melhor da banda, até porque os escoceses parecem estar reaquecendo, pegando o jeito de novo. A energia toda está lá e ela valeu pra quem queria matar essa vontade. Não duvido e não tiro a razão de quem saiu de lá aclamando o quarteto e determinando esse como o “melhor show de sua vida”. A banda se contagiou e diante daquele mar de fãs (e do Museu do Ipiranga, belíssimo) deu o máximo.

Todos ganharam – é um prazer ter eventos como esse, gratuitos, numa cidade solapada por más gestões, violências e falta de opções pra públicos menos favorecidos. Só a imagem da empresa é que ficou arranhada pela irresponsabilidade, lamentada pelo próprio Alex Kapranos no Twitter, momentos depois do show, em resposta a um fã: “Você está falando sério?” (sobre a polícia jogar bombas pra impedir as pessoas de entrarem – original aqui), “Nós não sabíamos nada a respeito disso. São notícias terríveis” (original aqui), “Espero que os fãs que estavam do lado de fora estejam bem e que ninguém tenha se ferido nesse enfrentamento com a polícia” (original aqui).

Num país em que a cultura é tratada com o desprezo que é há 500 anos, é até irônico que um festival que tem cultura no nome seja lembrado também por causa desses acontecimentos.

(esta resenha trata apenas da etapa do festival que aconteceu no Parque da Independência, em São Paulo. O Festival Cultura Inglesa 2012 continua em outras cidades e com outros eventos: veja aqui.)

(veja nota oficial de esclarecimento da Cultura Inglesa sobre o caso.)

Setlist Franz Ferdinand:

01. Darts Of Pleasure
02. Tell Her Tonight
03. Right Thoughts (nova)
04. Do You Want To?
05. No You Girls
06. Brief Encounters (nova)
07. Walk Away
08. The Dark Of The Matinée
09. Fresh Strawberries (nova)
10. Can’t Stop Feeling + I Feel Love (Donna Summer Cover)
11. Take Me Out
12. Ulysses
13. Trees & Animals (nova)
14. 40 ft
15. Outsiders
16. Michael

BIS
17. Jacqueline
18. This Fire

Veja “Take Me Out”:

E veja a nova “Right Thoughts”:

Leia mais:

Comentários

comentários

8 comentários

  1. Já a banda flutua entre o My Bloody Valentine e alguma coisa gótica, tipo Bauhaus ou Clam Of Xymox??????????

    realmente as horas na fila com sol forte na cabeça não te fizeram bem mesmo !!

    cuidado com as atrocidades

  2. Horrors foi fantástico, é chato mesmo que o publico brasileiro ainda ta preso nesse indie rock 2005 e não consegue mudar um pouco.

  3. Eles vêm pra SJC neste fim de semana. Gostei do “Skying” e espero que toquem grande parte dele por aqui. O lugar será menor, no SESC, que acomoda umas 350-400 pessoas (mas acredite, acho que não haverá metade disso). Portanto, se não vacilarem com o som dos caras, deverá ser um bom show.

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