Começo com uma pieguice: é bom ser brasileiro. O brasileiro é bom em bocado de coisas. E a maioria dos brasileiros é batalhadora – exemplos não faltam. Como o da produção desse Fourfest, que aconteceu quarta-feira passada, dia 27 de outubro de 2010, na Clash Club, em São Paulo.
Trazer dois nomes embrionariamente reluzentes da música internacional é pra aplaudir de pé. O pessoal do Fourfest fez isso. E, pelo o que eu li e pelo o que amigos falaram, o show do Caribou, com uma banda “de carne e osso”, foi sensacional. “Modernex viajandão”, definiu um camarada, meio tirando onda, meio embasbacado com uma banda que nem é o metiê dele. Foi um elogio.
Sim, a imprensa não me deixa mentir: o saldo foi positivo.
Parabéns.
Mas, do outro lado, há uma porrada de brasileiros que, por se verem numa sinuca social, por não terem outra opção, ou por malandragem, pilantragem e safadeza, preferem o crime. Dois desses brasileiros me impediram de ver o Gold Panda e o Caribou ao vivo.
Estava já na porta da Clash, com um amigo, quando recebo a ligação de um número não identificado. Raramente atendo telefonemas de números desconhecidos após o horário comercial. Ainda bem, atendi esse. Era a minha esposa relatando a violência: dois homens armados haviam acabado de assaltá-la, levando carro e todos os pertences. Por sorte, só danos materiais. Mas o trauma fica. Corri pra ela, claro. O Caribou e o Gold Panda que me desculpem, mas há certos assuntos mais importantes.
Passei o resto da noite na delegacia e tentando acalmá-la.
No mesmo dia, me vi de frente ao cenário que expõe dois Brasis e que incomoda demais: o estimulante, o empolgante, aquele de primeiro mundo; e o violento, marginal, que topa-tudo-por-dinheiro, o da guerra civil, o do “uns contra os outros”. Não importa se você é “uns” ou é “outros”, você tá no meio da guerra, raro leitor. E não só nas metrópoles. Se vira.
Domingo é dia de decidir o vil que vai liderar o país nos próximos quatro anos. Serra e Dilma não têm propostas concretas pra acabar com a violência, porque o problema não é a violência e o problema não é de agora, nem do governo Lula, nem do governo FHC, como as campanhas dão a entender. O problema está lá na raiz, desde 1500, quando os portugueses por cá aportaram e fizeram dessa uma terra de ninguém, ou um porto seguro contra Napoleão, pra imperadores medrosos, preguiçosos e que governavam na base da troca de favores.
O Brasil é o país de quem tem mais favores pra trocar. Quem não tem esse poder, ou tira na força ou trabalha na legalidade pra não chegar nem perto.
Tá certo, tem também o problema da natureza humana, da preguiça, da cobiça, da busca pelo que é mais fácil. Há problemas sociais outros. Há a corrupção. Há a podridão.
Mas o que importa é que, desde sempre, levar vantagem sobre o próximo virou uma lei intrínseca ao nascido nesse solo e dão a ela o nome de “ambição”: quem o faz está “se virando como pode”, e tudo bem. Não, não está tudo bem.
Estaria se ninguém sofresse violências como a minha esposa sofreu e que todos tivessem condições financeiras e culturais pra usufruir tudo o que pessoas como essa gente do Fourfest trabalha pra proporcionar.
Um Brasil briga com o outro. No meio, a gente, a cultura, o desenvolvimento.
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Eis o que perdi, em dois vídeos bem captados (cortados no meio) do Caribou em ação:
[…] com sua nova edição. Em 2010, Caribou e Gold Panda fizeram as notas eletrônicas do festival (que não pude ir por causa dessa merda aqui). Em 2011, o grande nome é indie em todas as (muitas) letras: The Pains Of Being Pure At Heart e […]