FRONTE VIOLETA – TRAVESSIAS

De um lado, Carla Boregas, um nome dos mais ativos no subterrâneo da música paulistana – atuando nos essenciais Rakta e Cadáver Em Transe, e tocando o selo Dama Da Noite Discos. Do outro, Ana Tokutake, música tímida, que irrompe sua barreira pública com esse projeto.

O FRONTE VIOLETA são as duas moças fazendo um emaranhado de estilos soarem como algo único, como contando a história de suas preferências musicais. “Travessias”, seu primeiro registro, tem apenas uma música, que nos seus vinte e sete minutos aparenta ser uma série de pequenas canções, alternando minimalismo, pós-punk, krautrock (a melhor parte), noise, experimentação, colagens e rock cru e direto.

Carla toca baixo. Ana toca guitarra. Ambas fazem o adorno: samples, bateria eletrônica, sintetizador e “teclado podre” (“tipo um teclado de brinquedo”, diz Carla).

O que faz “Travessias” algo especial é a facilidade de acesso. Não é um disco difícil, apesar da linguagem utilizada. Os muitos estilos se revezam sem quebras bruscas, como num show. É fácil de se envolver. Os primeiros cinco minutos, com a música no looping kraut, são um início engenhoso, até a entrada do pós-punk oitentista-paulistano de vocais sujos, estourados. A audiência nem nota o passar do tempo. As duas vão avançando a narrativa como hipnotizadas por si mesmas.

Fica difícil definir que tipo de sonoridade concentra a banda: “eu não colocaria dentro de alguma definição específica. Não é uma paisagem estática. O Fronte é um espaço em que ambas buscamos dar vazão a muitas coisas, quando entramos naquele espaço que estamos criando com o som”, conta Carla, em conversa com o Floga-se.

“Pra mim, era como criar um fluxo de idéias, uma coerência entre as diferentes partes. Desde que começamos, ficamos muito interessadas em criar uma onda com os sons, mas como uma onda física mesmo, e que por isso pensamos em transições de uma parte pra outra, criando uma outra experiência quando se está ouvindo o todo”, define Ana.

Esse “fluxo de ideias” foi gravado ao vivo, em três tomadas. A banda escolheu uma delas e assim ficou “Travessias”, sem muitas possibilidades de edição, como conta Ana: “eu e a Carla começamos a ensaiar juntas em nossa casa, buscando explorar a sonoridade de alguns equipamentos com som eletrônico que ela tinha (synths, bateria eletrônica, kaospad, samples), juntamos algumas bases de guitarra que eu tinha, e no fim a Carla trouxe o baixo também”.

Ela continua: “a gente gravou tudo com o Henrique Zarate, no estúdio que ele tem com outro amigo, o Diogo, ali na Pompéia (bairro de São Paulo). Gravamos tudo ao vivo, só os vocais foram gravados depois. Acho que gravamos umas três versões, e escolhemos uma delas. Como gravamos ao vivo, a gente tocava tudo do começo ao fim, então não tinha como parar pra ajustar nada no meio porque os sons de todas as camadas que vamos criando se sobrepõem, não dava pra editar praticamente nada. O que foi legal, por criar um registro único, de uma coisa só. Foi quase tudo feito nos ensaios, a gente tinha umas gravações de áudios também – a fala da Débora do Mães de Maio, um rio, a flautinha… Eu tinha algumas bases de guitarra e fomos adicionando essas novas camadas, e conforme íamos construindo o começo, a gente já emendava os próximos sons, criando uma transição entre eles. Acho que a preocupação era de que a gente achava que estava pirando, que as coisas não se encaixavam, porque tinha muita coisa ligada e era totalmente sem fórmula. Daí a gente parava de pensar e só tocava, e só seguia o som”.

Ouça na íntegra:

O nome Fronte Violeta não veio da nomenclatura do conhecido tipo de beija-flor (Thalurania glaucopis) – “praticamente fomos escolhidas por ele” (pelo nome). Mas bem poderia.

À ave apega-se uma lenda tupinambá, sobre uma índia tão bonita que Tupã cessava as tempestades só pra que ela passasse sobre o brilho do sol. Sua beleza encantava os homens e invejava principalmente a filha do pajé, que por inveja preparou uma cilada e a empurrou de um penhasco. Tupã a salvou transformando-a num belo beija-flor, que passou a encantar as florestas.

Em determinado trecho de “Travessias”, usando a gravação de um discurso de Débora Maria da Silva, uma das fundadoras do Movimento Mães de Maio, contra a violência policial, ouve-se bem claro o clamor por união, na luta contra a opressão (e contra a superficialidade dos dias de hoje), com a Fronte Violenta cantando “beleza não te traz…”.

“Nós precisamos de união” é um mantra claro, pra qualquer época, entretanto a inveja, o individualismo e o rancor não podem ter vez na travessia dos explosivos dias atuais.

Mas, por outra, há a beleza que merece ser exaltada. A criativa, a próspera, a que inspira, a “beleza útil”, poética. A Fronte Violeta nos oferece isso.

1. Travessias

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